Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Neologismo cunhado por Mikhail Bakhtine (que Tzvetan Todorov traduz por hétérologie e Daria Olivier por plurilinguisme) para dar conta da condição da linguagem na sociedade, isto é, da linguagem enquanto meio de comunicação entre sujeitos situados. O termo foi introduzido nos ensaios sobre o romance que Bakhtine escreveu durante os anos 30, embora seja possível reconhecer os seus antecedentes conceptuais na definição de linguagem como diálogo desenvolvida pelo Círculo de Bakhtine nos anos 20 em oposição à linguística formal e teorizada em Marxismo e filosofia da linguagem, de Valentin Volochinov (1929). Aí se argumenta que a enunciação, o acto de produção de discurso, é de natureza social e não individual, como queriam não só as correntes romântico-individualistas da filosofia da linguagem, mas também Ferdinand de Saussure com a sua noção de parole. Ela constitui o produto da interacção verbal entre destinador e destinatário, cuja situação imediata de comunicação, bem como o meio ideológico de onde provêm, determinam a estrutura semântica dos enunciados e configuram a linguagem como uma cadeia de respostas sem princípio nem fim em que não há palavras neutras, mas antes valores, interesses, pontos de vista sobre o mundo dialogicamente ordenados.

O sentido é, pois, função do uso (social) da linguagem, prenunciando certos aspectos da pragmática, da sociolinguística e da filosofia de Wittgenstein. Mas, dada a heterogeneidade constitutiva do todo social, nunca encontramos uma unidade ideológico-verbal, por muito que forças centrípetas tenham actuado ao longo da história em prol da centralização; antes nos deparamos com a realidade da estratificação interna das línguas nacionais em comportamentos verbais característicos de regiões, profissões, géneros, gerações, autoridades várias, situações locais específicas, etc. A heteroglosa é justamente esta proliferação do discurso do outro, da multiplicidade de falares e ideologias em constante interacção, a irredutível diversidade centrífuga de vozes, estilos, opiniões de que a vida das sociedades é feita.

Em "O discurso no romance" (1934-35), Bakhtine discute a noção de heteroglosa no contexto da sua concepção do romance como o género dialógico por excelência, em oposição aos outros géneros clássicos: a poesia "em sentido restrito" e o drama. Por um lado, a natureza heteroglótica da linguagem é dita constituir o fundamento do género, cuja origem remonta, de acordo com a argumentação posta em marcha em "Problemas da poética de Dostoievski" (2ª edição, 1963), aos géneros antigos dialogizados pela heteroglosa que são o diálogo platónico e a sátira manipeia. Por outro lado, ao existir na fronteira entre uma língua literária unificada e a diversidade ideológico-verbal da praça pública, o romance realiza a apropriação estética da heteroglosa, construindo-se através da representação híbrida de uma pluralidade de intenções, juízos de valor, géneros discursivos, orquestrados numa polifonia de vozes dialogantes que relativiza qualquer pretensão autoral a uma visão monológica, adâmica ou ptolomaica do mundo.

{bibliografia}

David K. Danow, The Thought of Mikhail Bakhtin (1991);
Jean Peytard, Mikhaïl Bakhtine: Dialogisme et analyse du
discours
(1995); Katherine Clark and Michael Holquist,

Mikhail Bakhtin (1984); Ken Hirschkop and David Shepherd (eds),
Bakhtin and Cultural Theory (1989); Michael Holquist,
Dialogism: Bakhtin and his World
(1990); Mikhail Bakhtin,
The Dialogic Imagination
(1981); Mikhaïl Bakhtine,

Esthétique et théorie du roman (1978); Paul J. Thibault,
"Semantic Variation, Social Heteroglossia, Intertextuality:
Thematic and Axiological Meanings in Spoken Discourse",
Critical Studies
, 1, 2 (1989); Tzvetan Todorov, Mikhaïl
Bakhtine: le principe dialogique
(1981); Viacheslav V.
Ivanov, "The Significance of M. M. Bakhtin’s Ideas on Sign,
Utterance and Dialogue for Modern Semiotics", Henryk Baran
(ed.), Structuralism and Semiotics (1976).

 

http://www.sil.org/humanities/H.htm#heteroglossia