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Trata-se de uma figura de estilo que consiste em destacar o que se escreve ou diz, interpelando o leitor ou o ouvinte, conferindo ênfase ao que é transmitido, sem se esperar qualquer resposta, através de uma interrogação figurada que pode ser negativa, como neste exemplo: «Quantas lutas não travara o Cavaleiro para se manter vivo naquele mar morto de incultura? Quantas vezes não o quiseram exterminar por ele revelar ideias diferentes das dos outros, dos que se julgam com o privilégio das ideias? E quanto não sofrera Dom Raymundo por ser poeta? Sim, a vingança era agora o seu centenário.» (Ruben A., op. cit., p. 78), ou afirmativa, como se verifica na seguinte situação: «E quem era o pai? E que era? O pai? Que pai? Um pai que dormia enquanto ele podia ter morrido e ser apenas mais um corpo rio Oronte acima, ou Dabul abaixo, lixo entre lixos?» (Alexandre Pinheiro Torres, O Meu Anjo Catarina, Caminho, Lisboa, 157). Uma particularidade desta figura de estilo é o facto de afirmar quando se encontra na forma negativa e negar quando está na afirmativa, ou seja, no primeiro exemplo dado, a personagem Cavaleiro travara inúmeras lutas, quiseram frequentemente exterminá-la por revelar ideias diferentes das dos outros e sofrera muito por ser poeta; no segundo caso, a idade não importa para a personagem Madeleine.

Várias questões retóricas sequenciais, se lhes for retirada a forma interrogativa, podem constituir afirmações lógicas, como no exemplo que se segue:

Mas então ele não queria negar nada, desmentir nada? Não tinha nada para acrescentar? Não queria pedir-lhe desculpa por ter contado a Manuel Dias o que se passara durante a noite de chuva? Por ter ficado a dever parte do Chevrolet? Ou não ter ficado a dever, e não possuir a circunspecção suficiente para explicar que não ficara a dever? Não queria tomar conhecimento das cartas dos irmãos para poder desmentir tudo o que nelas se dizia? (Lídia Jorge, op. cit., p. 204).

Frequentemente, a resposta é óbvia e habitualmente «Sim» ou «Não», sendo usada a interrogação como forma de conferir realce, provocação ao discurso: «Alguma vez ouviu praguejar um homem, Reverência? Um homem a sério, capaz de palmilhar as estradas da Galileia? Capaz de passar 40 dias no deserto, ou 150 dias metido numa masmorra? […] Não sabem donde vêm as pragas, pois não?» (Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar, Areal Editores, Porto, s.d., 129). Esta figura de estilo pode ainda assumir a forma de questão que o emissor coloca a si próprio para expressar admiração ou fúria, para a qual não encontra resposta facilmente:

Este inferno de amar – como eu amo! –

Quem mo pôs aqui n’alma…quem foi?[…]

Como é que se veio a atear,

Quando – ai quando se há-de ela apagar?[…]

Quem me veio, ai de mim! Despertar? […]

Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei.

(Ap. Paula Morão, Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, (1853), Editorial Comunicação, Lisboa, 1984).

Por vezes, as questões retóricas são seguidas imediatamente da resposta, fornecida pelo próprio emissor que se serviu desse recurso como efeito especial para anteceder a simples conclusão dos factos em que fez cair as interrogações: «Perguntem-lhes quanto tempo tributaram na vida a praticar boas acções? Quanto? E quanto dão na missa? Uns misérrimos tostões.» (Ruben A., op. cit., p. 36).

A questão retórica não é utilizada para questionar/ indagar, mas para transmitir qualquer estado de espírito, seja de indignação, medo, dor ou espanto, e é usada para provar, descrever, acusar, encorajar, dissuadir, lançando para o ar a interrogação.

{bibliografia}

P. Fontanier, Les Figures du Discours, (1968); Paul de Man: Allegories of Reading (1979); Joel D. Black: "Rhetorical Questions and Critical Riddles", Poetics Today, 1:4 (1980).