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Termo de origem grega (onomatopoiía – criação de palavras, pelo latim onomatopoeiainvenção de palavras) que significa simultaneamente um fenómeno linguístico e uma figura da retórica que consistem na semelhança, através da imitação ou reprodução, existente entre o som de uma palavra e a realidade que representa, seja o canto dos animais, o som dos instrumentos musicais ou o barulho que acompanha os fenómenos da natureza. Para Grammont, a onomatopeia é sempre uma aproximação, nunca uma reprodução exacta.

De acordo com estudos apresentados por Rodrigo de Sá Nogueira nos anos 50, as onomatopeias podem ser puramente fonéticas (onomatopeias puras), quando consistem na imitação fonética, tanto quanto possível exacta, dos sons que representam, por exemplo: trrrrrim, tic-tac, como se verifica em «O “toc-toc” dos saltos dos sapatos dela no mármore […]» (Mário de Carvalho, Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto, 4ª ed., Caminho, Lisboa, 1999). Estas classificam-se como onomatopeias não vocabulizadas, (não lexicalizadas) pois não constituem vocábulos da língua, apenas imitam os sons que representam, muitas vezes apenas com consoantes apostas, facilmente pronunciadas como imitação, mas dificilmente representadas ortograficamente, como é o caso de pfffff, existindo também as onomatopeias vocabulizadas (onomatopeias lexicalizadas) que são vocábulos como outros quaisquer, que seguem as regras de construção ortográficas e possuem uma classificação sintáctica e morfológica, idêntica às restantes palavras, como é o caso de piar, miar, às quais correspondem onomatopeias puras (piu e miau, respectivamente). Quase todas as onomatopeias são passíveis de lexicalização, bastando para tal antepor-se um determinante artigo, como por exemplo: um tic-tac / o tic-tac.

A partir deste fenómeno, surgiram alguns vocábulos com uma configuração onomatopaica, que são aqueles que têm o poder de sugerir uma imagem mais ou menos aproximada do facto que exprimem, a partir da existência de certos fonemas, cuja natureza faz lembrar o facto designado. É este onomatopeísmo que dá expressividade às palavras que designam fenómenos sonoros (clique, crepitar, estalido, estrondo, matraquear, murmúrio, sussurro, tilintar), às que designam vozes de animais (cacarejar, coaxar, grunhir, miar, piar, uivar, zurrar), ou actos sonoros produzidos pelas cordas vocais e afins (assobiar, cochichar, fungar, roncar, tossir). Leiam-se estes versos de Pedro Dinis que ilustram a segunda situação apontada:

Palram pega e papagaio

E cacareja a galinha,

Os ternos pombos arrulham,

Geme a rola inocentinha.

Muge a vaca, berra o touro

Grasna a rã, ruge o leão,

O gato mia, uiva o lobo

Também uiva e ladra o cão.

Relincha o nobre cavalo

Os elefantes dão urros,

A tímida ovelha bala,

Zurrar é próprio dos burros.

Regouga a sagaz raposa,

Brutinho muito matreiro;

Nos ramos cantam as aves;

Mas pia o mocho agoureiro.

Sabem as aves ligeiras

O canto seu variar:

Fazem gorjeios às vezes,

Às vezes põem-se a chilrar.

O pardal, daninho aos campos,

Não aprendeu a cantar;

Como os ratos e as doninhas,

Apenas sabe chiar.

O negro corvo crocita,

Zune o mosquito enfadonho,

A serpente no deserto

Solta assobio medonho.

Chia a lebre, grasna o pato,

Ouvem-se os porcos grunhir,

Libando o suco das flores,

Costuma a abelha zumbir.

Bramam os tigres, as onças,

Pia, pia o pintainho,

Cucurica e canta o galo,

Late e gane o cachorrinho.

A vitelinha dá berros,

O cordeirinho balidos,

O macaquinho dá guinchos,

A criancinha vagidos.

A fala foi dada ao homem,

Rei dos outros animais:

Nos versos lidos acima

Se encontram em pobre rima

As vozes dos principais

A construção onomatopaica tem grande importância estilística e poética, pois nela se concentram a melodia, a harmonia e o ritmo da frase. Daí que a poesia seja particularmente sensível a este recurso bastante sugestivo, que a aproxima da música. No uso da onomatopeia como artifício estilístico, o efeito baseia-se não tanto nas palavras individuais como na combinação de valores sonoros que podem ser reforçados pela aliteração, ritmo e rima. A onomatopeia é, pois, um dos recursos expressivos mais comuns usados na poesia para produzir um efeito especial, reforçar a capacidade comunicativa de um texto, produzindo mensagens vivas e autónomas, como se pode verificar numa leitura atenta do poema «Passagem das Horas» de Álvaro de Campos (Álvaro de Campos, Poesias, Col. «Poesia», Edições Ática, Lisboa, s. d., 233-239):

Ho-ho-ho-ho-ho!…

Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito diante do corpo

Adiante da própria ideia veloz do corpo projectado,

Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,

He-la-ho-ho… Helahoho… […]

Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,

Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,

Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,

Numa velocidade crescente, insistente, violenta,

Hup-la hup-la hup-la hup-la hup-la… […]

E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

Do ponto de vista semântico, há que distinguir a onomatopeia primária que consiste na imitação do som pelo som e a onomatopeia secundária que evoca não uma experiência acústica, mas um movimento.

Visto que a onomatopeia exige uma afinidade entre o nome e o sentido, seria de esperar que tais vocábulos fossem semelhantes nas diferentes línguas. Contudo, há que concordar que cada língua convencionou a onomatopeia de uma maneira própria e que até formações nitidamente onomatopaicas têm poucas semelhanças nos diferentes idiomas quando se traduzem graficamente. Por exemplo, o ladrar do cão é reproduzido em inglês como bow-wow. Há linguistas que defendem que o efeito onomatopaico depende da situação em que se pronuncia uma palavra. Para Maurice Grammont «uma palavra não é uma onomatopeia se não for sentida como tal» (Ap. Stephen Ullmann, Semântica: Uma Introdução à Ciência do Significado, p. 187).

Teresa Rita Lopes defende a criação de onomatopeias, explicando que estas não existem apenas para acudir à falta ou ao desconhecimento de determinados termos abstractos, como sucede, por exemplo, com certos termos da linguística infantil (popó, pipi, mémé); são muitas vezes um complemento expressivo para transmitir o som ou o movimento contido na frase, tornando-a mais viva, mais comunicativa. Daí que a autora apresente a seguinte definição para onomatopeia: «palavra motivada que se mantém em relação com a realidade que exprime – ou por imitação de um som, ou por sugestão de um movimento, ou ainda por simultaneidade dos dois.» (Maria Teresa Rita Lopes, Motivação Poética: Onomatopeias e Palavras Impressivas, parte II, 20), como é o caso dos exemplos que se seguem: «Lá vem o Zé Violas na malta, eh rapazes! e os varapaus, bumba que bumba uns nos outros.» (Aquilino Ribeiro, Via Sinuosa, 5ª ed., Livrarias Aillaud & Bertrand, Paris, s.d., p. 245), «Frei Joaquim das Sete Dores no azemel, toque-toque atrás de mim…» (Aquilino Ribeiro, Estrada de Santiago, Livrarias Aillaud & Bertrand, Paris, 1924, p. 197), «…o retintim agudo do martelo do ferrador» (Trindade Coelho, Os Meus Amores, col.«Portuguesa», Porto Editora, Porto, s.d.).

{bibliografia}

Gérard Genette, Mimologiques: voyages en Cratylie, (1976); Maria Teresa Rita Lopes, Motivação Poética: Onomatopeias e Palavras Impressivas, (1961); Rodrigo de Sá Nogueira, Estudos sobre as Onomatopeias, (1950); ———–, As Onomatopeias e o Problema da Origem da Linguagem, (1950); Stephen Ullmann, Semântica: uma Introdução à Ciência do Significado, (1964)