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O signo é o veículo de um qualquer fenômeno de semiose, que se pode definir como “todo o processo em que algo (veículo sígnico) funciona como sinal de um designatum (aquilo a que o sinal se refere), produzindo um determinado efeito ou suscitando uma determinada resposta (interpretante) nos agentes (intérpretes) do processo semiótico (…)”, segundo o enunciado do professor português Vítor Manuel de Aguiar Silva, em Teoria da Literatura, livro que tem sido, em suas inúmeras edições, vade-mécum e alma mater studiorum de quantos, no Brasil, se têm dedicado à Literatura. Portanto, o signo “semiose” designa a operação produtora e geradora de signos, a partir do pressuposto de uma relação recíproca entre significante e significado (F. de Saussure), ou, em termos de L. Hjelmslev, entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. Referindo-se a qualquer tipo de ação do signo, a semiose gera e produz um interpretante de si mesmo, isto é, a semiose consiste na ação de determinar um interpretante. Todo ato de linguagem, seja ela artística ou não, enquanto ato de significação, implica uma semiose, que equivale à função semiótica, propriamente dita. “A semiose se explica por si mesma: esta circularidade contínua é a condição normal da significação e permite, inclusive, que os processos comunicativos utilizem signos para mencionar coisas e estados do mundo”. Se, segundo Ítalo Calvino,"[…] ler é despojar-se de todo objetivo e de toda conclusão preconcebida, é estar disposto a pegar essa voz que soa quando menos se a espera", a semiose resulta, ao fim e ao cabo, na leitura do mundo, universo de signos. "Um signo, ou representamen, é aquilo que representa algo para alguém, em algum aspecto ou sentido. Dirige-se a alguém, quer dizer, cria na mente de uma pessoa um signo equivalente ou, talvez, um signo mais desenvolvido. Ao signo que é criado chamo interpretante do primeiro signo. O signo representa algo, seu objeto. Representa o objeto, não em todos os sentidos, mas em referência a um tipo de idéia, que em alguns casos havia chamado terreno (ground) da representação".. É assim que Peirce explica a relação existente entre os três vértices da tríade da semiose. Umberto Eco, em The Role of the Reader, dedica um capítulo a explicar que, nesta e em outras frases de Peirce, podemos encontrar o fundamento da semiose ilimitada, conceito fundamental da semiótica peirceana. “Os termos ‘gera’, ‘produz’, ‘cria’, ‘determina’, e análogos, que aparecem nas caracterizações do signo, indicam esse caráter causal e lógico que marca a cadeia semiósica, a semiose é comandada, em última análise, por uma causa final, constituindo, assim, um processo télico, na medida em que tende (sem nunca chegar) para uma representação perfeita do objeto (o que pode ser chamado de verdade semiótica”, pondera o semioticista brasileiro Júlio Pinto, no básico 1,2,3 da semiótica. Em Sobre os espelhos, Umberto Eco joga, irônica e sabiamente, com os signos, a semiose e a própria (e imprópria) semiótica, quando enuncia que “a semiose é o fenômeno típico dos seres humanos (e, segundo alguns, também dos anjos e dos animais), pelo qual – como diz Peirce – entram em jogo um signo, seu objeto (o conteúdo) e sua interpretação. A semiótica é a reflexão teórica sobre o que seja semiose. Em conseqüência, o semiótico é aquele que nunca sabe o que seja semiose, mas está disposto a apostar sua vida no fato de que ela existe”. Em “O inferno da interpretação: o segredo de Fátima”, texto muitíssimo interessante, que resgatei, por puro e divino acaso, na Internet, José Augusto Mourão, padre dominicano, semiólogo e professor da Universidade Nova de Lisboa, contrapõe fé e leitura, dogma e semiologia, impostura e interpretação, domesticação e desconstrução, repetição e desdobramento, uso e decodificação, texto aberto e texto recluso, demonstrando, com signos e sinalizações, que o milagre do imaginário pode salvar do fogo do inferno: “Analisa-se aqui o documento produzido pela Congregação para a Doutrina da Fé e assinado pelo Prefeito da dita Congregação, Cardeal Ratzinger, ‘A Mensagem de Fátima’. Este documento, ao confrontar-se com o problema da interpretação final, em nome da comunidade (a Igreja) levanta um outro problema, o da semiose infinita e decidível, isto é vaga. Decidir sobre o sentido dum texto em termos de enunciados terminativos é simultaneamente romper com o dialogismo do imaginário humano, excluir a semiose e transformar a comunicação em ameaça ultimativa. Como situar a hermenêutica da Congregação para a Doutrina da Fé frente à semiótica do texto? Se explicar é reduzir ao sentido literal, que resta da nebulosa em que pairava o ‘segredo’ e o mistério da sua sedução? Se o princípio hermenêutico assenta na asserção de que tudo o que está escondido será revelado (‘Não há nada oculto que não se torne manifesto, nem secreto que não seja conhecido à luz do dia’ Lc 8, 17) ou ainda, em termos de semiótica modal: ‘todo o parecer promete o ser’, no que respeita ao ‘segredo de Fátima’ parece termos caído naquilo a que chamo ‘o inferno da interpretação’, não porque a interpretação seria infinita, mas porque definitivamente se selou, para desespero dos nunca acabados voyeurs apocalípticos. Quando Vieira, no Sermão da Sexagésima, repreende os oradores contemporâneos por torcerem os textos e os arrastarem para significações que não as suas, não estava isento de culpa: podia exemplificar o que censurava com escritos da sua lavra. Por exemplo: porque é que a vitória de Portugal sobre Espanha tem maior mérito do que a que o mesmo país obteve sobre a Holanda? Não representa Olinda a bíblica Raquel, desejada por Jacob? E não a obteve este depois de sete anos de posse de Lia – a mais velha e menos bela, símbolo da cidade do Salvador, capital de Estado ? A questão nuclear em qualquer interpretação é, em último caso, esta: quem decide do sentido? Haverá interpretação fora da violência hermenêutica? Como sair do paradoxo aparente da interpretação, ao mesmo tempo aberta e determinada, e da semiose, ao mesmo tempo infinita e contudo decidível?” Ancorando-se em Peirce e no Umberto Eco de Os limites da interpretação e de O nome da rosa, mas, sobretudo no de Obra aberta, o semiólogo luso apropria-se do “enunciado mais acutilante da Obra Aberta (que) é este: ‘A mensagem (ou o texto) surge como uma forma vazia à qual podem ser atribuídos vários sentidos possíveis’. O pensamento serial tem em vista as produções da história e não a redescoberta, sob a história, das abcissas atemporais de toda a comunicação possível. A leitura que Eco faz dos anúncios baseia-se acima de tudo na teoria da informação e no conceito de redundância versus abertura (A Estrutura Ausente). Eco adopta o conceito peirceano de “semiose ilimitada” no seu Tratado de Semiótica Geral para falar da abertura dos textos. Finnegans Wake é ‘uma metáfora do processo de semiose ilimitada’. Ou ainda: ‘A linguagem, num processo de semiose ilimitada, constitui uma rede multidimensional de metonímias, sendo cada uma delas explicada por uma convenção cultural, e não por uma semelhança original’”. Decididamente, podemos repetir com Umberto Eco, dizendo que os semiólogos constituem uma raça, que não teme danar-se no fogo da interpretação, até porque toda semiose tem um traço de gozo infindo na linguagem, que é “falta continuamente deslocada, excesso de signo em signo”.

{bibliografia}

Vítor Manuel e Aguiar e Silva. Teoria da Literatura (1986),
p. 181.

Umberto Eco.

The Role of the Reader. Explorations in the Semiotics of Texts
(1995), p. 198.

Italo Calvino. Se una notte d’inverno un viaggiatore,
(1979), p. 242. C. S. Peirce. Collected Papers of Charles
Sanders Peirce
(1931-1996), p. 228.  Umberto Eco. Sobre
os espelhos
(1989), p. 11, nota. José Augusto Mourão. O
inferno da interpretação: o segredo de Fátima. www.triplov.com/letras