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Termo que resulta de um artigo de Freud com o mesmo nome (“Das Unheimliche”, 1919), em que o autor aborda numa perspectiva psicanalítica este conceito da estética presente, por excelência, na obra de E. T. A. Hoffmann. Incluindo-se no que suscita o medo, das Unheimliche é aquele terror que remonta ao que é desde há muito conhecido e ao qual se está há muito acostumado. Sendo o contrário de heimlich, conhecido, familiar, caseiro, habitual, íntimo, ligado ao Heim — lar, lugar aconchegante, e a Heimat — terra natal, das Unheimliche é o não conhecido, que provoca uma sensação difusa de medo e de horror. Contendo heimlich igualmente o significado de em segredo, escondido, subreptício, o efeito do unheimlich surge, quando o que deveria ficar oculto sobressai (Schelling referido por Freud). Verifica-se um deslizamento do significado da palavra heimlich para unheimiich num sentido ambivalente, ao ponto de as duas palavras opostas coincidirem. Unheimlich é algo de heimlich, íntimo-estranho: “mir ist zu zeiten wie dem menschen der in der nacht wandelt und an gespenster glaubt, jeder winkel ist ihm heimlich und schauderhaft.” [”sinto-me, por vezes, como uma pessoa que deambula de noite e que acredita em fantasmas, cada canto é-lhe conhecido e medonho”], Klinger, Theater, 3, 298, citado por Freud. 0 efeito do unheimiich é conseguido por E. T. A. Hoffmann através da utilização do duplo nos seus diversos graus e tipo de formações, como, entre outros, a identificação, a duplicação do eu, a divisão do eu, a troca do eu e o constante retorno do igual nas personagens (caracteres, nomes, destinos) em sucessivas gerações. Para Freud, este retorno do mesmo, que se trate, por exemplo de um número ao qual se atribui um significado, por aparecer de forma repetida, tem origem numa compulsão A repetição que no nosso inconsciente se sobrepõe para além do princípio do prazer às outras pulsões. Sentimos como íntimo-estranho o que nos evoca a compulsão à repetição. 0 pensamento todo poderoso que advém de uma sobrevalorização narcísica e que é próprio de uma fase infantil do desenvolvimento individual, encontrando o seu correlato no animismo e pensamento mágico dos povos primitivos, deixou em todos nós resíduos que se evidenciam sempre que temos a sensação do íntimo-estranho.

Partindo da validade da afirmação na teoria psicanalítica que cada afecto se transforma em medo através do recalcamento, então, por entre os casos de medo, haveria um grupo, no qual fosse possível demonstrar que se trata do retorno do recalcado. Esta espécie de medo é a inquietante estranheza. Assim, a inquietante estranheza acontece, quando convicções primitivas e já ultrapassadas parecem reconfirmadas ou quando complexos infantis são reactivados. 0 prefixo un da palavra heimlich é a marca do recalcamento.

O efeito do unheimlich é atingido na ficção quando o autor se situa aparentemente no campo da realidade, ou, não esclarecendo o seu ponto de partida, extravasa para o mundo do fictício, induzindo em dúvida e enganando o leitor. É condição, que o leitor se tenha posto por dentro da personagem que vivdncia a inquietante estranheza, sendo esta mais resistente, quando proveniente de complexos infantis recalcados.

A concepção teórica de Freud coloca o objecto da transferência entre o fantasma (fantasia) e a realidade. Lacan, designou-o como objecto (a), lugar do analista, que como écran do inconsciente vai permitir que a estranheza possa ser pensada.

{bibliografia}

Friedrich Kittler: “Das Phantom unseres Ichs und die Literaturpsycholie”, in Urszenen, ed. por Friedrich Kittler and Horst Turk (1977); Hélène Cixous: “Fiction and its Phantoms: A Reading of Freud’s ‘Das Unheimliche’, New Literary History, 7, 1976 (trad. do francês “La fiction et ses fantômes”, Poétique, 10, 1972, 199-216); Jacques Derrida: “The Double Session”, in The Dissemination, trad. por Barbara Johnson, Londres, 1993 (La Dissémination, Paris, 1972); Neil Hertz: “Freud and the Sandman”, Textual Strategies – Perspectives in Post-Structuralist Criticism, ed. por Josué Harari (1979); Sigmund Freud: Das Unheimliche (1919), Frankfurt am Main, 1993 (“The Uncanny”, in The Penguin Freud Library, vol.14: Art and Literature, trad. de James Strachey, ed. por Albert Dickson, Penguin, Harmondsworth, 1985).