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Do grego hybris, cuja etimologia remete a ultraje, correspondendo a uma miscigenação ou mistura que violava as leis naturais. Para os gregos o termo correspondia à desmedida, ao ultrapassar das fronteiras, ato que exigia imediata punição. A palavra remete ao que é “originário de espécies diversas”, miscigenado de maneira anômala e irregular. Esta origem etimológica foi responsável pelo fato de serem considerados como sinônimos de híbrido, palavras como: irregular, anômalo, aberrante, anormal, monstruoso, etc. Híbrido é também o que participa de dois ou mais conjuntos, gêneros ou estilos. Considera-se híbrida a composição de dois elementos diversos anomalamente reunidos para originar um terceiro elemento que pode ter as características dos dois primeiros reforçadas ou reduzidas

Utilização do termo: híbrido vem sendo utilizado, sobretudo pela crítica pós moderna preferentemente aos termos mestiçagem ou sincretismo, pois segundo García Canclini, mestiçagem estaria sobretudo associado à mistura de raças, no sentido, portanto, de miscigenação, enquanto sincretismo à mistura de diferentes credos religiosos. Assim hibridação seria a expressão mais apropriada quando queremos abarcar diversas mesclas interculturais. Amaryll Chanady também prefere o conceito de híbrido, pois mestiçagem funcionou como paradigma da modernidade graças principalmente à obra de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) que advogou a causa de uma América mestiça, mas predominantemente branca, ficando preservado o argumento racista por excelência, qual seja, o da desigualdade entre as raças. Nesta medida, o conceito de mestiçagem pode servir de camuflagem à manutenção de uma identidade calcada na homogeneidade, preocupada em integrar os grupos marginalizados, mas sempre de acordo com as concepções dominantes da nação. A pós-modernidade, ao trazer à tona o conceito de híbrido, enfatiza acima de tudo o respeito à alteridade e a valorização do diverso. Híbrido, ao destacar a necessidade de pensar a identidade como processo de construção e desconstrução, estaria subvertendo os paradigmas homogêneos da modernidade e inserindo-se na movência da pós-modernidade, associa-se ao múltiplo e ao heterogêneo.

Às grandes sínteses “coerentes”, homogêneas e unívocas de interpretação da constituição cultural americana, sucederia um tempo de ambigüidade, heterogeneidade e deslocamento de doxas petrificadas. Neste sentido, as reflexões de Guy Scarpetta sobre impureza, nos são particularmente úteis: “O que um termo como IMPUREZA me parece caracterizar não é apenas a heterogeneidade dos registros ou dos materiais utilizados, mas a maneira de tratar estes choques, esta multiplicidade ativa. O que não deixa de trazer conseqüências no nível dos efeitos produzidos ou, se preferirmos, do conteúdo das obras: tudo se passa como se a uma época de efeitos simples, sucedesse uma era de ambigüidade, de equívocos e de perturbações.” Segundo Donaldo Schüler, a hibridez floresce nas culturas empurradas para a margem. Lançados à periferia, se misturam estilos, línguas, costumes. “Como exigir pureza do que nasceu impuro étnica e literariamente? Ora, a pureza, desde as idéias platônicas, perece de sua imobilidade. A renovação vem das sombras, da margem, do mundo em movimento, de discursos rebeldes à gramática e à lógica. O híbrido mistura cores, idéias e textos sem anulá-los”.

O conceito já fora utilizado por Mikhail Bakhtin, em Estética e teoria do romance, referindo-se ao processo pelo qual duas vozes caminham juntas e lutam no território do discurso. Dois pontos de vista não se misturam mas se cruzam dialogicamente. Ou seja, as vozes heterogêneas ficam separadas: estamos lidando com uma mistura não no sentido de fusão, mas no de justaposição.

Em resumo, são os procedimentos de desterritorialização de processos simbólicos que engendram culturas híbridas; processos de conversão e reciclagem de aportes da modernidade que são adaptados ao meio ambiente. O conceito exige que se reconsidere a distinção entre o que é hegemônico e o que é subalterno.

Perigos: assim como o conceito de mestiçagem foi uma cilada da modernidade, pois sob a aparência da aceitação do múltiplo, se encobriu, na verdade, um projeto racista que previa a mistura das raças, mas com a predominância da raça branca e o branqueamento progressivo da população, talvez também o conceito de híbrido corresponda a mais uma utopia (da pós-modernidade) a qual estaria encobrindo um certo imperialismo cultural, pronto a apropriar-se de elementos de culturas marginalizadas para reutilizá-los a partir dos paradigmas de aceitabilidade das culturas hegemônicas. Tratar-se-ia, então, apenas de um processo de glamourização de objetos culturais originários da cultura popular ou de massas para inseri-los em uma outra esfera de consumo, a da cultura de elite.

Mas se por híbrido queremos nos referir a um processo de ressimbolização em que a memória dos objetos se conserva, e em que a tensão entre elementos díspares gera novos objetos culturais que correspondem a tentativas de tradução ou de inscrição subversiva da cultura de origem em uma outra cultura, então estamos diante de um processo fertilizador.

{bibliografia}

BAKHTIN, Mikhail. Esthétique et théorie du roman. Paris: Gallimard, 1978; CANCLINI, Garcia. Culturas hibridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Mexico: Grijalbo, 1989; SCARPETTA, Guy. L’impureté. Paris: Grasset, 1985; CHANADY, Amaryll. Mestiçagem e construção da identidade nacional na América Latina. In BERND, Z. & De GRANDIS, R. Imprevisíveis Américas: questões de hibridação cultural nas Américas. Porto Alegre: Sagra/Luzzatto, 1995. P. 33-40; SCHULER, Donaldo. Do homem dicotômico ao homem híbrido. In Bernd, Z. & De Grandis, R. Op. cit. P. 11-20; MOSER, W.;DIONNE, C.;MARINIELLO, S. Recyclages: économies de l’appropriation. Montreal: L’Univers des discours, 1996.