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Característica própria do anti-romance, envolvendo uma espécie de alegoria que apresenta como real o que é puramente imaginário, de tal forma que por vezes se torna impossível discernir de modo certo o verdadeiro e o falso. É actualmente usado para descrever o romance pós-moderno e é discutido por Robert Scholes na obra Fabulators (1967). O anti-romance que se define pela fabulação recorre, por definição simples, a todo o tipo de acrobacias verbais e sintácticas para produzir uma narrativa mais artística, ficcional e menos realista do que o romance tradicional. A fabulação privilegia a soberania do autor ao nível das ideias, da história e da linguagem em detrimento da personagem individual. Geralmente, o autor pretende englobar a imagem humana na arte com objectivo de atingir as verdades absolutas não alcançadas pelo realismo e naturalismo, recorrendo a uma amálgama de elementos e referências estilísticas do passado (períodos como a antiguidade clássica, ou o barroco, por exemplo), que aplica em conjunto com formas modernas, muitas vezes com uma leitura irónica. Ulysses (1922) e Finnegans Wake (1936) ilustram bem este tipo de romance. A sua originalidade revela-se sobretudo ao nível das inovações linguísticas e no modo de representação da experiência humana. A elaboração formal de Ulysses visava a criação imaginativa de um indivíduo, cujas experiências jamais poderiam ser traduzidas pelos modos convencionais de representação literária. Joyce desenvolve a técnica do “stream of consciounsness” que, baseada no monólogo interior, traduz a complexa vivência do sujeito pela aproximação da linguagem ao pensamento e à experiência humana, sendo a dimensão universal do protagonista reforçada pela sua analogia com Ulisses, herói lendário da Odisseia de Homero. Em Finnegans Wake, Joyce continuou as experiências no campo da linguagem subvertendo a sequência Aristoteliana de princípio, meio e fim, misturando os espaços, os momentos do tempo, as palavras e as línguas de acordo com um esquema estrutural tomado de empréstimo à concepção cíclica da história de Vico. De facto, o termo fabulação é usado sempre que não há evolução comparativa de personagens e o ênfase recai sobre o sentido, o significado da própria narrativa, dependendo a sua estrutura de uma analogia com um personagem de outra obra literária, cuja história serve de subtexto, ou antes, de mito a ser “desmistificado” ou subvertido.

Esta intertextualidade pode ser detectada não só nas obras de Joyce como também numa longa lista de fabulações (anti-romances ou “fábulas” modernas) e metaficções que se lhes seguiram, tais como: Lord of the Flies (1954) e Pincher Martin (1956) de Golding; Ficciones (1945) e Labyrinths (1962) de Jorge Luís Borges; Molloy (1951) de Samuel Becket e Lolita (1955) de Vladimir Nabokov. Todas estas obras são fábulas “intemporais” que, através do recurso a diferentes tipos de discurso, a artifícios alegóricos e a mitos, pretendem transmitir mensagens sociais enigmáticas e, por vezes oportunas, anunciando o advento da ficção científica na literatura (Nineteen Eighty-Four (1949) de George Orwell e A Clockwork Orange (1962) de Anthony Burgess), e exigindo um leitor atento, participativo e consciente que encare o romance em termos de composição literária e não como uma reflexão da realidade.

{bibliografia}

Alaistair Fowler: “Modernism Fiction” e “Postmodernism” in A History of English Literature (1980); David Lodge; “Tom Wolfe and the New Journalism” in Working with Structuralism: Essays and Reviews on Nineteenth and Twentieth Century Literature (2nd ed. 1986); Mary McCarthy: Ideas and the Novel (1980); Robert Scholes: Fabulation and Metafiction (1979).