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Termo de origem grega para indicar uma imitação grotesca de um modelo clássico. Pode-se falar de cacozelia como licença poética no caso em que um poeta quer impressionar o seu público, recorrendo a citações latinas ou gregas ou usando expressões das línguas clássicas com o fim de alardear erudição. Gil Vicente parodiou bem este tipo de pretensão no Auto da Barca do Inferno, por exemplo, põe em diálogo um Corregedor a falar um latim espúrio e um Diabo que lhe responde com a mesma cacozelia, obtendo um efeito de cómico: Diabo: “Entrai, entrai, corregedor” Corregedor: “Hou! Videtis qui petatis! / Super jure majestatis / tem vosso mando vigor?” Diabo: “Quando éreis ouvidor / nonne accepistis rapina?” (636-642). Rodrigues Lobo, na Corte na Aldeia (1619), satiriza a prática da cacozelia dando vários exemplos: “O caso é (disse Solino) que vós devíeis ser afeiçoado à frase de um cirurgião de Coimbra do nosso tempo, que por ela se fez famoso, que disse à moça de um ferido a quem curava: Traga-me um pano corpulento para fricar os lábios desta cicatrice. E a um rústico, que vinha esmechado, respondeu que não tinha lesa que a superfície da fronte; e, tendo palavras com outro, lhe disse que o aniquilaria se dissesse alguma coisa em vilipêndio de sua dignidade. É certo que tenho raiva, sabendo que a língua Portuguesa não é manca, nem aleijada, ver que a façam andar em muletas latinas os que a haviam de tratar melhor.” (Corte na Aldeia e Noites de Inverno, 3ª ed., Sá da Costa, Lisboa, 1972, p.179).