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Considerado no seu sentido literal, o termo refere‑se somente a histórias fantásticas sobre fadas, seres de tamanho muito reduzido que habitavam o reino da fantasia e que fizeram parte integrante das crenças populares da Antiguidade greco‑latina e da cultura medieval europeia. São seres imaginários, míticos, representados geralmente
por mulheres dotadas de poderes sobrenaturais usados para o Bem (Fadas Madrinhas) ou para o Mal (Bruxas).

Actualmente, o termo engloba uma variedade de narrativas, sobretudo histórias que, por regra, possuem elementos “atemporais” e que normalmente recorrem a heróis (ou heroínas) quase sempre jovens, corajosos e habilidosos que passam por aventuras estranhas, por vezes mágicas, que lhes servem de teste para um eventual destino feliz,
e madrastas malévolas (ou padrastos) cuja função é dificultar‑lhes a vida ao longo da narrativa. Toda a história se desenrola no sentido de demonstrar um princípio moral que ou aparece em apêndice (como no caso dos contos de Perrault) ou é construído ao longo do texto (como no caso dos contos de Grimm). Exemplos de histórias como estas encontram‑se em muitos países. Apesar das suas características ditas “universais”, o conto de fadas tem sofrido alterações ao longo do tempo, de acordo com os gostos conscientes ou inconscientes de cada geração. Tal como o mito, também o conto de fadas apresenta seres e acontecimentos extraordinários, mas, em contrapartida e tal como a fábula, tende a desenrolar‑se num cenário temporal e geograficamente vago, iniciando‑se e terminando quase sempre da mesma forma: “Era uma vez…” e “Viveram felizes para sempre.” Entre os muitos exemplos destacam‑se; “A Cinderela”; “A Branca de Neve e os Sete Anões”; “A Bela Adormecida”; “O Capuchinho Vermelho”; “João e o Feijoeiro Gigante”, etc.

Tal como acontece com as nursery rhymes, também o conto de fadas sobreviveu à custa da tradição oral até ser compilado e fixado num texto por escritores e não foi, na sua origem, concebido para crianças pois tratava‑se de narrativas complexas que descreviam o reino das fadas e duendes e que culminavam em finais infelizes. Gradualmente, este tipo de narrativas simplificou‑se introduzindo‑se nos domínios da leitura infantil. O conto Dwarf, da Condessa d’ Aulnoy, é disso um bom exemplo: o fim trágico que apresentava no século XVIII foi substituído por um happy end no século XIX.

Os contos mais modernos devem a sua origem a Charles Perrault e aos seus Contes du Temps Passé ou Contes de ma Mère l’Oie (1697) e à Condessa d’ Aulnoy com os Contes des Fées (4 vols. publicados entre 1710 e 1715). Entre os contos de Perrault, encontram‑se “A Bela Adormecida”, “A Cinderela ” e “O Gato das Botas”, por exemplo. O autor recupera contos populares esquecidos e apresenta versões modernas, usando um estilo simples e natural, cujo objectivo único é o de entreter as crianças. Apesar da pedagogia do Iluminismo condenar o mundo imaginário  apresentado às crianças, os contos de Perrault ganham enorme projecção internacional.

Tal como aconteceu em França, também na Alemanha os pedagogos do Iluminismo denegriram a imagem do conto de fadas, defendendo que se tratava de histórias contadas por mulheres ignorantes, desprovidas de intelecto e que afastavam a criança da realidade. No entanto, encorajados por um espírito de nacionalismo romântico, que
influenciou a Europa no século XIX, afectando fortemente a literatura infantil, os  irmãos Grimm [Jakob Ludwig Karl (1785‑ 1863) e Wilhelm (1786‑1859)] compilaram contos de fadas alemães a partir de histórias contadas por amigos, parentes e aldeões. A sua obra intitulada Kinder und Hausmärsmarchen foi publicada sob a forma de volumes  sequenciais em 1812, 1815 e 1822 e tornou-se famosa por toda a Europa, sendo traduzida para inglês em 1823 como German Popular Stories.

Em Inglaterra, o Puritanismo condenava os ideais religiosos e cristãos divulgados por alguns contos de fadas, mas o gosto popular sobrepôs-se e quando Tales of the Fairies foi publicado e Mille et Une Nuits (12 vols. 1704-1717) de Gallant foi traduzido para inglês, os “chapmen” rapidamente compraram as obras e colocaram-nas no mercado.  Em 1729, Robert Samber traduz os contos de Perrault como Histoires or Tales of Past Times, mais conhecidos por Tales of Mother Goose, não se limitando apenas a traduzir os contos franceses, mas adaptando-os, atribuindo por exemplo às personagens nomes de personalidades inglesas.

Em meados do século XVIII, a literatura infantil renova-se e o conto de fadas passa a ser encarado como um veículo essencial de transmissão de lições morais, elaboradas especificamente para crianças, assistindo-se à sua introdução nos programas escolares como exercício de leitura. Contudo, a controvérsia que se gerou em torno do conto de fadas vai marcar a literatura infantil do século XIX. Por um lado, surgem os defensores do seu valor educacional que, devido ao carácter fantasioso, induz nas crianças o gosto pela leitura, por outro, aqueles que defendem que a leitura destes mesmos contos reduz a capacidade criativa das crianças e ilude-as porque as afasta da realidade. No entanto, estas divergências não impediram que, por volta de 1846, os contos de Hans Christian Andersen (1805-1875), Eventyr, fossem traduzidos para inglês e se popularizassem por toda a Europa. Andersen foi considerado por muitos o mestre na arte dos contos de fadas. O seu engenho, sensibilidade e forte sentido do maravilhoso  atribuíram às suas histórias um apelo perpétuo e universal. Entre os seus contos destacam-se “O Patinho Feio”, “A Pequena Sereia” e “As Roupas Novas do Imperador”.

A popularidade de Andersen foi tal que deu origem ao aparecimento de outro tipo de contos na literatura infantil inglesa, tais como Mopsa the Fairy (1869) de Jean Ingelow; The Princess and the Goblin (1872) de George MacDonald; The Happy Prince (1888) de Oscar Wilde, merecendo real destaque Alice’s Adventures in Wonderland (1865) e through the Looking-Glass (1872) de Lewis Carroll. As duas últimas obras são extremamente complexas, repletas de jogos lógico-matemáticos e linguísticos. Muitos autores encontraram nelas códigos secretos que sugerem uma sátira política e social. Independentemente da intenção de Carroll, o facto é que são obras que ganharam o estatuto de clássicos, que têm como ponto de partida uma Alice que se desloca no  mundo dos adultos (descrito como um mundo de “malucos”), tornando-se o exemplo de uma criança que se afirma no mundo Vitoriano repressivo. Os livros de Carroll   popularizaram-se sendo traduzidos para a maior parte das línguas.

Em Portugal, devido ao rígido sistema religioso e de imprensa, a publicação de contos  de fadas foi proibida entre o século XVII e o início do século XIX. Só após essa data, se assiste à tradução destes contos para Português e, à semelhança do que aconteceu nos outros países, também eles foram adaptados à realidade nacional, sofrendo alterações com o passar dos anos.

No século XX, surgiu uma tentativa por parte de alguns psicólogos, tais como Sigmund Freud, Carl Jung e Bruno Bettelheim de interpretar determinados elementos dos contos de fadas como manifestações de desejos e medos. Bettelheim, no seu livro Psicanálise dos Contos de Fadas (1975), defende que a leitura de contos de fadas não só oferece à  imaginação da criança novas dimensões que seria impossível ela descobrir por si só, como também contribui para o seu crescimento interior. Para este psicólogo, os contos de fadas são verdadeiras obras de arte plenamente compreensíveis para as crianças,  como nenhuma outra forma de arte o consegue ser.

bibliografia

Bárbara Vasconcelos de Carvalho: A Literatura Infantil: Visão Histórica e Crítica (4ª ed., 1985); Bruno Bettelheim: Psicanálise dos Contos de Fadas (Amadora, 1984); Claude Kappler: Monstres, dénions et merveilles à Ia fin du Moyen-Age (1980); Jack Zipes (ed.): The Oxford Companion to Fairy Tales (2000); Joan E. Cass: Literature and the Young Children (2ª ed., 1984): Maria Emília T. C. Almeida: “Do Conto Popular ao  Conto para Crianças”, Tese Doutoramento, Universidade do Porto (1989); Max Lüthi: the Fairytale as Art Form and Portrait of Man (1984); Nelly Novaes Coelho: Literatura Infantil: História, Teoria, Análise (3° ed. ver. e amp., 1984); Nicholas Tucker: “Fairy Tales”, in Suitable for Children? Controversies in Children ‘s Literature (1976); Peter Hunt: “Fairy Tales and Folk Tales”, in International Companion: Encyclopedia of Children’s Literature (1996); Susan Marie Frontczak: An Oral Tradition Perspective on Fairy Tales (1995).