Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Vários poetas têm tentado incorporar os estilos do jazz na sua obra desde que este género musical surgiu, nas primeiras décadas do séc. XX. No seu sentido original, a jazz poetry propunha-se a ser poesia lida com acompanhamento de música jazz, e com os poemas a reproduzirem eles mesmos os ritmos e a liberdade formal do jazz.

Nos últimos anos, porém, e à medida que os críticos literários passaram a dar maior atenção a esta forma de poesia quase sempre considerada marginal, outro tipo de poemas passaram a ser considerados jazz poems. O uso das sonoridades do jazz para conferir ritmo a um poema define-o como um poema jazz, mas também poemas que tenham o jazz como assunto podem ser incluídos nesta categoria. Nenhuma destas perspectivas deve excluir a outra. Um poema jazz é, assim, qualquer poema que seja influenciado, na sua forma ou no seu conteúdo, por este género musical.

Os estilos dos poemas jazz acabam, pois, por ser tão diversos como os poetas que os escrevem. Os temas tanto podem contemplar descrições de eras douradas do jazz como reflexões sobre a natureza desta expressão musical, tanto podem ser manifestos políticos como elegias. Este último género é, aliás, em termos quantitativos, um dos mais destacados em antologias de poemas jazz. As homenagens aos maiores intérpretes do jazz, como Duke Ellington (1899-1974), Charlie Parker (1920-1955) ou John Coltrane (1926-1967), são numerosas.

Como género musical, o jazz caracteriza-se por pronunciadas síncopes rítmicas, pela interpolação de figuras melódicas e por efeitos instrumentais não-convencionais. Os aspectos do jazz que mais facilmente encontram expressão poética são, pois, o ritmo sincopado, mas também a improvisação e a repetição, com versos que usam mecanismos vindos do blues, como por exemplo a técnica de call and response (chamada e resposta), muito importante na expressão literária do jazz.

O jazz desenvolveu-se mesmo a partir do blues, que por sua vez tinha tido a sua origem nos espirituais negros e no holler, uma canção de escravos que incorporava esse mecanismo de call and response:

 

Chamada: Well, you know I left my woman

Resposta: Hammer Ring!

Chamada: She’s standing at the station –

Resposta: Hammer Ring!

 

Este mecanismo é familiar no blues, e é também muitas vezes usado na jazz poetry, e, de forma puramente músico-instrumental, no jazz em geral.

O blues, tal como os espirituais, coloca grande ênfase na música não tanto como objecto de arte ou como artefacto intelectual – como acontece, por exemplo, no caso da música clássica europeia –, mas como veículo emotivo e sentimental. E o jazz funciona da mesma maneira, revelando a expressividade subjectiva e pessoal do músico.

O jazz e a jazz poetry – que são expressões artísticas que têm origem exclusivamente no espaço geográfico e artístico dos Estados Unidos – coincidem, em termos cronológicos, com a exploração de novas liberdades na poesia americana. Modernistas como T.S. Eliot, Ezra Pound e William Carlos Williams tentavam então inverter os velhos cânones poéticos, para poderem criar novas formas de expressão, e essa era também a intenção dos primeiros jazz poets. Os novos géneros poéticos eram declaradamente modernos, urbanos, e buscavam novas formas estéticas e de síncope rítmica que expressassem o seu vanguardismo. A poesia do jazz utilizava os ritmos ousados do novo estilo, porque era através deles que melhor podia transmitir a marcha acelerada da vida moderna, ao mesmo tempo que funcionava como um escape da mesma.

Os primeiros poemas jazz surgem a meio da segunda década do século XX, poucos anos antes da primeira gravação comercial de jazz pela Original Dixieland Jazz Band, em 1917. Apesar das origens do jazz, os primeiros poetas a abraçarem este novo estilo não são africano-americanos, mas sim escritores brancos como Carl Sandburg (1878-1967), com Jazz Fantasia (1920), e sobretudo Vachel Lindsay (1879-1931), com General William Booth (1913) e The Congo (1917) – no caso de ambos os escritores só para referir alguns poemas.

Para Lindsay, a poesia era performance, uma experiência temporal e não um objecto visual. Os seus poemas contêm indicações quanto ao acompanhamento musical que deveriam ter, e a sua inovação lírica consiste em tentar que esses mesmos poemas soem como música. Lindsay não queria que a sua poesia fosse lida, ou recitada, mas antes cantada, ou até gritada.

Mas os princípios do jazz, como os de muitas novas formas musicais, foram conturbados. Quando apareceu, provocou reacções muitas vezes quase histéricas, e nos anos 20 era praticamente sinónimo de libertinagem. F. Scott Fitzgerald, o escritor por excelência da Jazz Age, escreveu que o jazz era “primeiro sexo, depois dança e a seguir música”. Foi por estas razões que Lindsay, por exemplo, não tardou a distanciar-se da jazz poetry, e abominava mesmo ser considerado somente um poeta do jazz, ele que tinha sido um dos pioneiros. Tanto o jazz como a sua expressão poética demorariam algum tempo até alcançar alguma respeitabilidade.

Nessa cruzada por reconhecimento participou Hart Crane (1899-1932), o poeta americano autor de The Bridge (1930). Nas suas cartas e ensaios, Crane afirma várias vezes ter tentado imitar algumas qualidades do jazz na sua poesia, já que admirava os seus sons e os seus ritmos. Se é discutível se ele é ou não bem sucedido, não ficando por vezes clara essa sua intenção, é indiscutivelmente claro o seu entusiasmo pela nova forma de expressão musical.

A jazz poetry aspirava, pois, a ser aceite, e o africano-americano Langston Hughes (1902-1967), uma das figuras da Harlem Renaissance e considerado o primeiro grande jazz poet, sempre quis conseguir essa aceitação. O primeiro livro de Hughes, The Weary Blues (1926), é um marco na história da poesia do jazz. Os poemas aí compilados devem bastante, como o nome do próprio livro indica, ao blues, mas já deixam vislumbrar um grande interesse nas possibilidades literárias da estética do jazz, algo que a continuação da sua carreira como poeta confirmaria ¾ bem como a sua obra como ensaísta, com inúmeros trabalhos sobre a natureza do jazz. Como tema, o jazz servia então a Hughes, mas ele também capturou, talvez como ninguém antes dele, a verdadeira essência da música, dando-lhe forma poética. Como ele próprio disse: “Tentei escrever poemas iguais às canções que se cantavam na Sétima Rua… [estas canções] tinham a pulsação das pessoas que não desistem”.

Hughes era um experimentalista, e foi um dos primeiros a colaborar com músicos de jazz, recitando com acompanhamento. Porém, a sua intenção última era que as suas construções poéticas pudessem existir sem música, sempre o grande problema da maior parte dos poemas jazz. Para tal, era preciso chegar à essência do jazz, e Hughes fê-lo, usando técnicas de repetição – tal como no blues –, variação e ritmos sincopados:

 

Me an’ ma baby’s

Got two mo’ ways

Two mo’ ways to do de Charleston!

Da, da,

Da, da, da!

Two mo’ ways to do de Charleston!

Soft light on the tables,

Music gay,

Brown-skin steppers

In a cabaret!

The Negro Dancers

 

Os versos criam velocidade e ritmo, usando sobretudo repetição e sincopação, e a liberdade em termos formais é usada para controlar os ritmos do poema.

A obra de Hughes é extensa, percorrendo várias décadas, mas foi nos anos 20 que ele se afirmou como expoente máximo da união entre jazz e poesia, ajudando a dar algum impulso à propagação do novo género poético.

Na década de 30 surgiu um poeta que aproveitou esse impulso, Sterling A. Brown (1901-1989), e como que ocupou o lugar de Hughes como grande inovador deste género poético. A sua poesia de é, aliás, influenciada por toda a tradição musical africano-americana que culmina no jazz. Mesmo não fazendo parte do movimento, Brown tornou-se assim herdeiro da tradição artística da Harlem Renaissance.

A sua obra mais importante é a colecção de poemas Southern Road (1932), onde o jazz é aproveitado tanto em termos de conteúdo como de forma, tal como no poema Odyssey of Big Boy, com os ritmos da música a serem repetidos através de marcas de oralidade e de repetição, e onde também é feita referência a um escravo chamado Jazzbo, tido como o fundador mítico do jazz:

 

An’ all dat Big Boy Axes

When time comes fo’ to go

Lemme be wid John Henry, steel drivin’ man,

Lemme be wid old Jazzbo,

Lemme be wid ole Jazzbo.

 

Apesar dos seus avanços em termos estéticos durante duas décadas, a jazz poetry continuava ainda a ter pouco alcance e penetração junto do público, e assim continuaria até meados da década de 50, onde uma explosão de interesse a tornou mais popular do que nunca (e que também quase levou ao seu fim).

Mas se a década de 40 foi calma para a jazz poetry, já o jazz floresceu durante o mesmo período. Para tal contribuiu a emergência do bebop, uma variação do jazz cujo maior intérprete foi o saxofone alto Charlie Parker. Com as suas inovações em termos de tempo musical e de ritmo, o bebop tornou-se popular e inspirou os escritores mais famosos da década seguinte. Allen Ginsberg (1926-1997) refere-se a ele em Howl (1956), Jack Kerouac também, e foi assim que os beats transformaram o jazz em moda, e com ele a jazz poetry, popularizando-a como performance art.

Um dos escritores da beat generation, Gregory Corso (1930-), descreve o jazz no seu livro Riverside (1963) como sendo uma forma de expressão tipicamente americana, “o esperanto do subconsciente realçado por Joyce e pelos surrealistas, as inter-racionais do espírito tornado palpável”. De uma forma geral, os beats apreciavam tanto o jazz como a expressão literária deste, pela sua espontaneidade e improvisação, significando liberdade pessoal em vez de confinamento formal.

O poetry-and-jazz movement começou em 1957, com diversas gravações em estúdio de poesia lida ao som de jazz. Um dos poetas que gravou nesta altura foi Langston Hughes, uma vez que houve um renovado e amplo interesse na sua obra. Escrevia-se sobre jazz como nunca antes, e recitais públicos eram frequentes, sobretudo na cidade californiana de S. Francisco, destacando-se o papel do poeta Kenneth Patchen (1911-1972), bem como da popular dupla Kenneth Rexroth (1905-1982) e Lawrence Ferlinghetti (1919-). O objectivo era ler poesia jazz, mas não somente poesia lida com fundo musical de jazz – o que se pretendia era a síntese perfeita da poesia e do jazz: poesia lida como jazz.

Um dos grandes entusiastas da poesia do jazz e de certa forma responsável pela redescoberta do género foi Jack Kerouac (1922-1969), sobretudo pela expressão pública que já tinha como escritor. A sua poesia – mesmo não sendo tão popular como os seus romances, e em bem menor quantidade – é uma tentativa de desmontar a linguagem, para depois a reconstruir imitando determinados sons:

 

Deadbelly dont hide it –

Lead killed Leadbelly –

Deadbelly admit

Deadbelly modern cat

Cool – Deadbelly, Man

Craziest.

Old Man Mose is Dead

But Deadbelly get Ahead

Ha ha ha

221st Chorus from

Mexico City Blues (1955)

 

A linguagem de Kerouac – como também se vê na sua prosa, aliás – tenta criar ritmos próprios do jazz, sobretudo através da ausência de pontuação regular. Kerouac gravou muitos discos (três só em 1959) onde lia poesia ao som de jazz, e Ginsberg considerou a sua gravação Blues and Haikus o clássico por excelência da jazz poetry para toda a geração dos beats. Muitos críticos não são da mesma opinião, mas a cadência da linguagem de Keroauc e a musicalidade da sua escrita aproxima-se do jazz, criando com algum sucesso aquilo a que Ginsberg chamou bop prosody.

O problema desta época de expansão popular foi a excessiva euforia que se gerou em torno da jazz poetry, o que fez com que muitos poetas menores se tenham aproveitado do sucesso daquela, criando poemas que não tinham qualquer preocupação em alcançar a referida síntese entre música e poesia. Este facto prejudicou a imagem da jazz poetry aos olhos da crítica literária. Como escreveu Rexroth, a expressão poética do jazz quase foi destruída “por pessoas que não sabiam nada nem sobre jazz nem sobre poesia”.

O entusiasmo anti-establishment dos beats foi aproveitado por muitos nacionalistas negros dos anos 60. Este facto também ajuda a explicar o declínio da popularidade da jazz poetry nesta década, já que ela passou a ser associada a movimentos radicais. Entre os mais importantes poetas de intervenção política contam-se Ted Joans (1928-) e Amiri Baraka (1934-), dois jazz poets africano-americanos que se expressavam numa forma poética que consideravam sua por direito.

Inspirado pela nova sonoridade de John Coltrane – de quem também se dizia estar ligado a movimentos nacionalistas negros –, Baraka escreve poesia de intervenção, muito ligada a temas como a segregação e a repressão racial, tornados visíveis durante o Movimento dos Direitos Civis. Para Baraka, que tem usado o jazz e temas do jazz em toda a sua obra poética, a própria inversão das formas poéticas – tal como Coltrane tinha invertido regras de harmonia musical – pretende não só criar ritmo, mas também sugerir violência e agressividade:

 

There then came down in the ugly streets of us

inside the head and tongue

of us

a man

black blower of the now

The vectors from all sources – slavery, renaissance

bop charlie parker

nigger absolute super-sane screams against reality

course through him

AS SOUND!

AM/TRAK (1979)

 

O uso dinâmico da forma e as linhas fracturadas dos versos de Baraka são análogos à reestruturação das sensibilidades musicais por parte de Coltrane (mesmo se aqui se faz referência a Charlie Parker). O free jazz de Coltrane é o quebrar da forma, e quebrar a forma era o que pretendiam muitos dos poetas de intervenção africano-americanos.

Só recentemente é que a jazz poetry ganhou novo fôlego. Depois das convulsões sociais dos anos 60 e do papel que lhe quiseram dar, a poesia do jazz estava moribunda nos Estados Unidos. Curiosamente, foi nessa altura que floresceu no Reino Unido – um dos poucos sítios fora dos E.U.A. onde conseguiu alguma expressão – com poetas como Christopher Logue (1926-) e Roy Fisher (1930-).

A década de 70 assistiu ao desaparecimento de grandes nomes do jazz – Louis Armstrong (1901-1971) e Duke Ellington, só para referir dois –, o que levou à criação de muita poesia de inspiração elegíaca. A poesia do jazz sobreviveu a estas perdas, e dinamizou-se. Apareceram poetas americanos, reconhecidos pelo público e pela crítica, que se expressam nos moldes criados por anteriores jazz poets. Entre estes podem destacar-se nomes como Jayne Cortez (1936-) e Barry Wallenstein – que recitam os seus poemas ao som de jazz –, ou outros como Hayden Carruth (1921-) ou o recentemente falecido William Matthews (1942-1997), cuja poesia celebra de modo quase hagiográfico a vida dos grandes do jazz.

Hoje em dia, a jazz poetry tornou-se menos dinâmica, quer em termos visuais, quer em em termos rítmicos, sendo cada vez mais narrativa. Mas existe, em geral, uma consciência do jazz como uma das formas artísticas mais importantes que surgiram no séc. XX, ao mesmo tempo que é encarado como a única contribuição totalmente norte-americana para a cultura mundial, o que talvez explique a recente e crescente revitalização da sua expressão literária.

{bibliografia}

ANDREWS, W.L., F. SMITH e T. HARRIS (eds.) (1997). The Oxford companion to African-American literature. Oxford, Oxford University Press.

BROOKS, C., W.B. LEWIS e R. P. WARREN (1974). American Literature. The makers and the making, livro D. Nova Iorque, St. Martin’s Press.

DAMON, M. (1993). The Dark End of the Street. Margins in American Vanguard Poetry. Minneapolis, Minnesota University Press.

FEATHER, L. (1978). The Encyclopedia of Jazz. Londres, Quartet Books.

FEINSTEIN, S. (1997). Jazz Poetry. From the 1920’s to the present. Westport, Greenwood Press.

FEINSTEIN, S. e Y. KOMUNYAKAA (eds.) (1991). The Jazz Poetry Anthology. Bloomington, Indiana University Press.

FEINSTEIN, S. e Y. KOMUNYAKAA (eds.) (1996). The Jazz Poetry Anthology, 2º vol. Bloomington, Indiana University Press.

KERNFELD, B. (ed.) (1988). The New Grove Dictionary of Jazz. Londres, Macmillan.

PERETTI, B.W. (1997). Jazz in American Culture. Chicago, Ivan R. Dee.