Diz-se ortônimo para o poeta Fernando Pessoa que, tendo criado os heterônimos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, sentiu a necessidade de criar uma designação para a poesia que assinava com seu próprio nome, marcando, assim, uma espécie de super-Autoria, de acordo com a estética da despersonalização que abraçava, e constituindo-se em mais uma persona* (sujeito lírico) das tantas que criara. São suas as palavras: “O que Fernando Pessoa escreve pertence a duas categorias de obras a que poderemos chamar ortónimas e heterónimas”.
Ortônimo traz, em sua etimologia, o sentido de reto, direito, perfeito (cf. gr. orthós). É possível que seja este o significado que lhe quisesse conferir Fernando Pessoa, considerando que é com esta assinatura que apresenta, p. ex., Mensagem, poema para o qual convergem muitas das tendências dessa poesia ortônima, quais sejam o nacionalismo (messianismo-sebastianismo), o misticismo (rosacrucismo) e o intelectualismo (a própria estrutura do poema). É possível que o poeta Fernando Pessoa quisesse associar esses valores à própria personalidade empírica do homem que se chamava Fernando Antônio Nogueira Pessoa, numa atitude de certa forma romântica, pois que foi a partir do Romantismo que os estudos literários começaram a pôr um foco sobre a figura do Autor, atribuindo à individualidade empírica um estatuto de inegável auto-suficiência no que tange à gênese de uma obra.
Parte da crítica, entretanto, discute a questão da ortonímia por um outro prisma, e chega até a considerar Álvaro de Campos o poeta ortônimo, enquanto Fernando Pessoa seria outro dos heterônimos. Foi, entretanto, o mais aceito ortônimo que assinou “O poeta é um fingidor”, deixando talvez aí a melhor porta de entrada para todo “o constelado Fernando Pessoa”. Qual dos poetas (ortônimo/heterônimos) aí presentes seria “o mais reto”, “o mais direito”, “o mais perfeito”, será difícil dizer: praticamente em todos se encontram contradições. Mas o que não é possível negar é que Fernando Pessoa tenha também criado, tanto em sua poesia ortônima como na heterônima, uma complexidade tão perfeita que se poderia chamar, sem negligenciar sua poeticidade, de uma verdadeira ortocontradição.
LOURENÇO, Eduardo. Fernando Pessoa Revisitado. Lisboa: Moraes, 1981; MELLER, Vilson, PINTO, Sérgio Castro (Org.). Fernando Pessoa: Estudos críticos. João Pessoa: Associação de Estudos Portugueses Hernâni Cidade/ UFPb, 1985; ORPHEU. Ed. Facsimilada. Lisboa: Contexto: 1989; PESSOA, Fernando. Páginas de Estética e de Teoria e de Crítica Literárias. Lisboa: Ática, s.d.; QUESADO, José Clécio Basílio. O constelado Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Imago, 1976; SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou o Poetodrama. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1988; ____.O Heterotexto Pessoano. São Paulo: Perspectiva, 1988; SIMÕES, João Gaspar. Vida e Obra de Fernando Pessoa – História duma Geração. 2.ed. Lisboa: Bertrand, s. d.
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