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O Poeta Laureado, em sentido restrito, é um cargo que existe hoje sobretudo na realidade literária anglo-saxónica, oficialmente nomeado pelo chefe de governo do país (ou de um dado estado ou território), e cuja duração é variável. Na realidade literária portuguesa, no entanto, esta é um título específico que não se aplica, sendo apenas considerado na metaforização que lhe foi aposta desde início, no sentido de “laureação” ou “consagração”, também corrente noutras tradições ocidentais (e, portanto, usada num sentido mais fiel às origens etimológicas, mas mais lata na definição). A título de exemplo nas nossas letras, foi um dos epítetos, por perífrase, de Luís de Camões, sobretudo desde uma das mais conhecidas representações pictóricas que conhecemos do poeta (feita por François Gérard no início do século XIX), bem como do seu túmulo em pedra, no Mosteiro dos Jerónimos, onde a coroa de louros foi igualmente esculpida. Ao próprio poeta d’Os Lusíadas foi dada uma tença real no final da vida como patrocínio por serviços prestados ao Estado, mas esta remuneração advinha não só da sua consagração literária, mas igualmente de uma protecção especial do Rei.

O adjectivo “laureado” (do latim “laurea”, coroa de louro), a que se associa o substantivo “poeta”, começa por se explicar, assim, pela própria história do cargo. Arbusto autóctone da Grécia Antiga, ao Loureiro era dado o símbolo da glória por esta cultura. Como tal, cada vencedor de cada uma das modalidades dos Jogos Olímpicos era galardoado com uma coroa feita das folhas do Loureiro, facto que se imortalizou e ainda hoje continua a realizar-se, simbolicamente, a cada quatro anos. Neste âmbito, o próprio adjectivo “laureado” é hoje usado como o termo mais usado para denominar os galardoados, por exemplo, com o Prémio Nobel. Mais tarde, durante o Império de Roma Antiga, o poeta nascido na actual Córdoba, Marco Anneo Lucano (39-65) e  Publio Papinio Estacio (45-96), nascido em Nápoles, foram feitos “Poeta Laureado” em eventos públicos.No início da Idade Média, alguns monarcas tiveram poetas na sua corte, nomeadamente Ricardo I (1157-1199) ou mais conhecido pelo cognome “Coração de Leão”, que teve um “versificator regis” chamado Gulielmus Peregrinus (William the Pilgrim).

Foi durante a passagem da Idade Média para o Renascimento que o cargo se foi associando progressivamente à ideia de cargo oficial de que dele hoje temos.  Pensa-se que o primeiro poeta a quem foi dado esse título foi Francesco Petrarca (1304-1374), nomeado Poeta Laureado de Roma em 1341 (e mais uma vez é conhecida a famosa gravura do poeta com coroa de louro). Pouco mais tarde, na Inglaterra no ano de 1389, também era dado a Geoffrey Chaucer este título avant la lettre.

Dois séculos mais tarde, no fim do século XV, e voltando a Itália, também na corte de César Borgia, já de si patrono de poetas e letras, foi nomeado Poeta Laureado Petrus Franciscus Justulus of Spoleto.

Nos séculos XVI e XVII, na Alemanha, o cargo teve uma grande proliferação, sobretudo depois da criação, pelo Imperador Maximiliano I, em 1501, de uma escola de ensino de retórica e poética por “poetas laureados.”

Foi já no final do Renascimento e no dealbar do Maneirismo que o rei James I (1566-1625) fez de Edmund Spenser (1522-1599) Poeta Laureado, a que lhe sucedeu Samuel Daniel em 1599, Ben Jonson em 1619 e Sir William Davenant em 1637, que tinha a particularidade de ser afilhado da maior figura das letras inglesas, William Shakespeare.

Para a definição restrita que foi dada a início do verbete teremos de ir ao século XVII, no contexto inglês, onde o primeiro Poeta Laureado oficialmente apontado parece ter surgido. O primeiro poeta nomeado como tal por um monarca (neste caso, Carlos II – 1630-1685, casado com a portuguesa Catarina de Bragança) aconteceu naquele território e o visado foi John Dryden (1631-1700), iniciando assim uma tradição que chega até aos nossos dias. Segundo o decreto real em que o declara o posto taxativamente (“to bee laureate”), o monarca inglês ainda institui a oferta de uma barrica de vinho (‘one butt or Pype of the best Canary wyne.’), que foi continuada até ao século XXI (para além das actuais cerca de 6000 libras anuais). Mais recentemente, também na Inglaterra, foi gerada uma controvérsia na nomeação, em 2009, de Carol Ann Duffy (1955-) para o cargo, sobretudo porque seria a primeira mulher a ocupá-lo. Também uma mulher o ocupa na Escócia (ironicamente de onde é originária Duffy), com a nomeação menos polémica, de Liz Lockhead (1947-) em 2011, para Poeta Laureado daquele território, sucedendo a Edwin Morgan (1920-2010). O posto pode ser ocupado por vários anos pelo mesmo poeta, muitas vezes até à sua morte (caso recente de Ted Hughes, que apenas foi Poeta Laureado porque Philip Larkin o recusou em primeiro lugar).

É nos EUA, porém, que o lugar parece ser mais importante e significativo, tendo até surgido uma antologia crítica retrospectiva, no ano de 2010, dos 44 poetas laureados até hoje (cf. Bibliografia). Inicialmente instituído pelo “Library of Congress” em 1937, a escolha parece ter sido sempre mais democrática, uma vez que uma das primeiras laureadas foi uma mulher (nomeadamente a terceira, Louise Bogan – 1897-1970, que ocupou o cargo entre os anos de 1945-46). O lugar denominou-se “Consultant in Poetry to the Library of Congress” durante quase 50 anos para, em 1985, passar a denominar-se “Poet Laureate Consultant in Poetry”. Outra diferença em relação a Inglaterra é o facto de este posto ser nomeado pelo bibliotecário do Congresso durante um período fixo de tempo (2 anos) que eventualmente pode ser renovado, e não pelo poder executivo. Normalmente os poetas não repetem o cargo, excepção feita a Stanley Kunitz (1905-2006), Robert Penn Warren (1905-1989) e Howard Nemerov (1920-1991).

Ainda nos EUA, mais recentemente, foram criados poetas laureados para alguns estados, à semelhança do que acontece na Grã-Bretanha com a instituição do Poeta Laureado da Escócia e de Gales já no século XXI, mas cuja importância não almeja a de um Poeta Laureado nacional.

Ainda no mundo anglo-saxónico, pode-se ainda dizer que os maiores países da Commonwealth possuem, desde há alguns anos, um Poeta Laureado, como estratégia de divulgação da poesia do próprio país, como são os casos mais consistentes da Austrália, do Canadá e da África do Sul. 

Assim, vemos como a figura do Poeta Laureado, strictu sensu, passou a ser mais um cargo do que uma consagração, ainda que ambas as coisas estejam interligadas e se auto-alimentem. Devemos também ter em conta que, de uma forma mais lata, a expressão pode ter apenas o segundo significado, mas é hoje um cargo muito instituído, sobretudo na realidade anglo-americana, mesmo que tenha deixado de ter deveres concretos e estipulados (salvo celebrar certos eventos oficiais, como mortes e casamentos reais ou a nomeação de um novo presidente americano).

{bibliografia}

GARNETT, R., “A Laureate of Caesar Borgia”, in The English Historical Review, Vol. 17, No. 65 (Jan., 1902), pp. 15-19.

SCHMIDT, Elizabeth Hun (ed.), The Poets Laureate Anthology, W. W. Norton & Company, 2010.

http://www.library.otago.ac.nz/exhibitions/poet_laureate/

http://www.loc.gov/poetry/about_laureate.html