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Nas mais recentes teorias literárias, em particular as que privilegiam na interpretação da obra de arte literária a importância da sua recepção, o conceito de audiência (ou público receptor da obra de arte) tornou-se relevante para desenraizar o sentido do texto do próprio texto ou da simples dependência autoral. Assim, o sentido de um texto é determinado pela leitura pública que dele se faz. No livro S/Z (1970), Roland Barthes já ressalta a importância da recepção da obra de arte literária ao cunhar a expressão "texto escrevível" (“escrevível, que se pode escrever, mas ainda não está escrito”) e "texto legível" (“legível, que pode ser lido, mas não escrito”). O escrevível remete-nos para uma audiência activa, pois obriga o leitor a cumprir um outro papel para além do inevitável consumidor de textos: deve tornar-se, no exercício da sua skepsis literária, um produtor. O conceito de comunidade interpretativa proposto por Stanley Fish em Is There a Text in This Class? (1980), que se tornou central na reader-response criticism, é também um desenvolvimento teórico da importância da audiência no estudo da literatura.

De todas as formas de expressão artísticas, o teatro e o cinema são as que mais dependem da existência de uma audiência activa. A representação do texto teatral depende muito da presença viva de uma audiência, que se envolverá com o texto na mesma proporção com que ele é representado pelos actores. Todo o texto de espectáculo precisa de uma audiência para ser completamente concretizado. O aplauso, o assobio, o riso, o silêncio, o comentário constituem formas de recepção imediata e espontânea da representação espectacular. A arte teatral encontra nessas formas de recepção um barómetro autêntico para medir o valor público do texto representado. Esta circunstância condiciona naturalmente o trabalho dos actores, o que se tornou visível quando o acesso ao espectáculo teatral começou a ser pago, durante o Renascimento, obrigando a uma atitude mais profissional dos encenadores e dos actores.

O século XX assiste à definitiva dependência da produção de um espectáculo em função da sua audiência esperada. A rádio, a televisão e a Internet dependem hoje das medições de audiência e dos estudos de mercado: sem uma audiência razoável estimada à partida, poucos espectáculos conquistarão patrocinadores e meios de financiamento que permitam a sua execução. Introduz-se então um novo facto de instabilidade na criação e na produção da obra de arte que tem por fim tornar-se pública: antes da obra, terá que existir já uma audiência predisposta a recebê-la, o que pode inaugurar um novo tipo de ansiedade ao criador da obra: a ansiedade da audiência, que é preciso conquistar mesmo antes de se ter criado algo. Não fica de fora a possibilidade de a obra de arte ser criada unicamente para responder a um desejo remoto de um determinado tipo de audiência. Também não fica de fora o facto de espectadores casuais de um espectáculo assim ideado ficarem sujeitos à fruição de uma obra preconcebida.