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Apesar da origem etimológica do termo (lat. ballare), a investigação disponível aponta não para a Roma antiga como o espaço e o tempo originais da invenção, do cultivo ou de um particular florescimento do género, mas antes para a Baixa Idade Média europeia, se bem que um dos problemas tradicionalmente levantados por qualquer tentativa de definição ou caracterização da balada seja precisamente o da sua datação de modo tão preciso ou rigoroso quanto possível. Do mesmo modo, embora a sobrevivência do latim, como língua franca, à queda do Império Romano do Ocidente (476) tenha logrado reforçar o seu lugar e estatuto matriciais na génese das línguas românicas modernas, cremos ser de evitar qualquer associação exclusivista ou preferencial da balada — e da poesia tradicional popular em geral — com o mundo românico, dada a importância adquirida por esse tipo de poesia nas civilizações germânica, eslava e escandinava, entre outras, assumindo-se simultaneamente como veículo, repositório e memória de patrimónios históricos, lendários e mitológicos. De resto, como nota António Coimbra Martins, reportando-se ao espaço ibérico (in J. do Prado Coelho (dir.), 1987, I, p. 85), a forma privilegiada pela poesia popular não era sequer a balada, mas o romance, geralmente em verso, responsável pela cunhagem do termo romanceiro.

No plano formal, se tomarmos como exemplo o caso inglês, o modelo estrófico dominante é a quadra com versos ímpares de quatro sílabas tónicas, a que normalmente correspondem oito sílabas métricas, e pares de três sílabas tónicas (seis sílabas métricas), podendo ou não existir refrão. Em termos rimáticos prevalecem os padrões /abcb/ ou /abab/, dispondo por vezes o terceiro verso de rima interna a nível da cesura. Quanto à ballade francesa, cultivada sobretudo nos séculos XIV e XV através, respectivamente, de Eustace Deschamps (c.1346-c.1406) e François Villon (1431-63?), trata-se de uma forma lírica e palaciana com características estrofico-rimáticas mais complexas, adoptando regra geral três oitavas com rima /ababbcbc/ e uma quadra com rima /bcbc/ (envoi) que funcionava como fecho, conclusão ou finda; o último verso de cada estrofe e do envoi constituía o refrão.

O facto de ao verbo latino corresponder em algumas línguas românicas o moderno “bailar” (francês, italiano, castelhano e português, embora, no primeiro e último casos, com ressonâncias arcaicas) parece indiciar o papel originalmente desempenhado pela dança, pelo acompanhamento musical e pelo canto na execução ou no desempenho (performance) do texto baladístico, que seria, pois, o resultado, produto ou cruzamento de várias actividades e linguagens. Curiosamente, essa vertente musical (aqui não contemplada, ao contrário do que fatalmente sucederia num Dicionário de Termos Musicais) ressurge em algumas composições de ritmo mais lento a que hoje chamamos “baladas”, quer de índole romântica, quer de apontamento, observação ou registo de um quotidiano muitas vezes cinzento, alienador ou hostil, quer ainda animadas de propósitos de intervenção politico-ideológica.

Feita a ressalva, a balada poderia assim ser apresentada como um tipo de poema narrativo, cuja literariedade foi ao longo dos séculos objecto de debate e reapreciação, que tende em regra a organizar a história num enredo algo depurado (muitas vezes centrado numa só personagem, num só acontecimento/episódio, num só conflito ou numa só temática), reduzido a lances capitais narrados de forma linear e sintética, lacónica ou até elíptica, característica infelizmente agravada pela condição fragmentária ou lacunar de que padecem muitas baladas antigas. Esse sintetismo explica não só a tendência para a compactação, por vezes sincrónica ou até acrónica, dos acontecimentos narrados por um narrador impessoal ou invisível, mas também para a extremização ou polarização dos conflitos e das personagens, tendência essa que, reforçada pelo recurso ao diálogo e pela frequente presença de um atmosfera trágica ou ominosa, confere à balada um cunho acentuadamente dramático. A ele vem por vezes juntar-se o elemento mágico, maravilhoso ou sobrenatural responsável pela inverosimilhança, pela implausibilidade e pelo irrealismo da balada, criticados e condenados por épocas, gostos, sectores e indivíduos mais racionalistas.

Importa uma vez mais acentuar a importância da oralidade na composição, execução, transmissão e consequente perpetuação de um texto — não obstante o esforço e o desafio que representa, em plena era do hipertexto, a concepção de textos ainda não escritos ou não impressos —, já que, se tivermos em conta o contexto contemporâneo da génese da balada, a omnipresença da oralidade e o desconhecimento até meados do séc. XV da fixação tipográfica poderão explicar a frequente existência de variantes dispersas no tempo e no espaço, mas por vezes veiculadas por um mesmo indivíduo; por outras palavras, em resultado ou não da passagem do tempo (e dos consequentes perigos do esquecimento de quem conta e/ou do que é contado), boa parte das baladas revela a existência de um fundo ou núcleo narrativo razoavelmente estanque, mas passível de ser veiculado com alguma liberdade. O apoio numa memorização, ainda que parcial, pode, por seu turno, explicar o recurso a fórmulas convencionais (símbolos, números, termos e expressões) repetidas no interior de uma mesma estrofe ou de forma inter-estrófica, o que implica também uma repetição ou um transporte de informação, por vezes com ligeiros acrescentamentos (repetição incremental ou incremental repetition).

A questão da autoria da balada tradicional popular tem sido objecto de debate e controvérsia, congraçando especialistas de áreas não estritamente literárias – ou mesmo não–literárias – como a antropologia, a sociologia, os diferentes ramos da história e a musicologia. Foi já sugerido, por exemplo, que a balada não teria um autor individual e identificável, mas colectivo e anónimo que mais não seria, afinal, do que uma comunidade ou um povo encarada(o) de forma trans-geracional ou atemporal. Se esta perspectiva vê, pois, na balada uma espécie de “cantiga da rua” apresentada num conhecido filme português (O Costa do Castelo, realizado por Leitão de Barros, 1943) como “(…) nem minha nem tua, / mas de toda a gente (…)”, a verdade é que ela permite ajudar a explicar as mutações ou o devir permanente do texto baladístico na sua fase oral, se bem que, como é evidente, uma recitação não lida de um texto já dotado de fixação gráfica possa eventualmente introduzir ou conduzir a novas alterações; note-se que, retomando a analogia cinematográfica, o sema da mutabilidade, flexibilidade ou impermanência subjaz à asserção de que essa cantiga da rua “(…) jamais se habitua / aos lábios de alguém. / Inconstante e louca, / vai de boca em boca, / não é de ninguém.” Não obstante a existência de partidários das teses comunalistas, conforme são conhecidas, entre os quais Francis B. Gummere, parece insustentável e até pouco sensato negar ou contestar a existência, para cada balada, de um primeiro autor, se bem que eventualmente alguém cujo nome se perdeu na noite dos tempos, pela inexistência de uma lógica e de mecanismos administrativos de registo individual da propriedade literária. Em contrapartida, conhecem-se os nomes de alguns autores das baladas impressas não tradicionais, de qualidade variável e carácter fortemente tópico, que, a partir do séc. XVI, começam a surgir no âmbito da chamada literatura de cordel, se bem que esta não tenha descurado por completo a edição das baladas tradicionais, contribuindo assim para o seu não esquecimento.

Outro problema já aflorado é o da literariedade da balada tradicional individual e colectivamente considerada, i. e., enquanto texto e género. Sem nos debruçarmos sobre o conceito de “literariedade” em si, importa ter presente que boa parte das ‘falhas’ ou dos ‘defeitos’ apontados à balada tradicional (por exemplo, a concisão nua e crua da forma, crueza essa muitas vezes estendida ao conteúdo e à própria temática, de uma ‘barbaridade’ imputada aos tempos e modos culturais de que a balada provinha e que, por conseguinte, reflectiria; o delinear algo primário dos conflitos e das personagens; a inverosimilhança de lances, situações e desenlaces; o vocabulário pouco elevado, com um evidente recurso à ‘prosaica’ linguagem corrente e a dispensa de determinados ornatos e figuras de estilo tidos como de bom tom ou inclusão obrigatória; os erros gramaticais e até gráficos…) ajudaria à depreciação e condenação do género por uma crítica literária normativa, prescritiva, de matriz clássica e neoclássica (clássico, neoclassicismo) proponente de uma filosofia mais imitativa do que expressiva da produção literária, ao conceber, produzir e avaliar uma obra segundo padrões, modelos e critérios exógenos.

Se tivermos um vez mais presente o caso inglês, é importante constatar alterações na apreciação da balada a partir do início do séc. XVIII, fundamentalmente por três razões: por a balada tradicional espelhar, como sublinharia o periodista Joseph Addison (1672-1719), uma grandeza épica semelhante à da própria épica clássica; por consubstanciar representações, tidas como verosímeis, da natureza, das emoções e dos sentimentos humanos; e finalmente por, prescindindo de ociosos ou perniciosos ornatos, praticar o Evangelho da simplicidade, da clareza e do rigor quase matemáticos de expressão pregado pela Royal Society (fund. 1660). Se a estas alterações de sensibilidade, do gosto e da recepção literários somarmos, a partir dos meados do século, a crescente valorização do elemento meta-empírico (mágico, maravilhoso, fantástico ou sobrenatural), bem como o facto de na balada alegadamente se ouvir, com maior pureza e genuinidade, a voz e a alma ou espírito de um povo, de uma comunidade ou de uma nação, conforme pretendia Herder (1744-1803), compreender-se-á o entusiasmo despertado nos diferentes romantismos por textos até então considerados “bárbaros” e que, numa fase inicial, terão começado por atrair — por vezes à contre coeur — a atenção ou curiosidade diletante de antiquários, coleccionadores e editores, como no caso pioneiro de Thomas Percy (1729-1811) e das suas Reliques of Ancient English Poetry (1765), um verdadeiro best-seller à escala europeia e a fonte onde beberiam, entre outros, Sir Walter Scott (1771-1832) e Almeida Garrett (1799-1854), respectivamente editores de Minstrelsy of the Scottish Border (1802-3) e Romanceiro (1828-51). A redescoberta do género levaria, de resto, alguns autores a compor as suas próprias baladas, apresentando-as por vezes como genuinamente antigas (vejam-se os casos emblemáticos de James Macpherson, 1736-96, e Thomas Chatterton, 1752-70) e dando início à chamada “balada literária” de que são exemplo na Alemanha Lenore (1773), de Gottfried August Burger (1747-94), e em Inglaterra The Rime of the Ancient Mariner (1798), de S. T. Coleridge (1772-1834), La Belle Dame Sans Merci (1819), de John Keats (1795-1821) ou, mais recentemente, Barrack-Room Ballads (1892), de Rudyard Kipling (1865-1936), A Shropshire Lad (1896), de A. E. Housman (1854-1936) e The Ballad of Reading Gaol (1898), de Oscar Wilde (1854-1900).

Por falar nos primeiros coleccionadores e editores de baladas, foram, sem dúvida, eles os antepassados dos investigadores que, desde o século passado, de bloco-notas ou gravador em punho, têm vindo a reconstituir, recolher e registar testemunhos de um património ameaçado ou até perdido. Dito de outro modo: o coleccionismo, a recolha e a edição de textos baladísticos — e grosso modo da poesia tradicional e popular — perfilam-se simultaneamente como etapas necessárias e conducentes à análise do género empreendida por nomes como N. F. S. Grundtvig (1783-1872), Francis James Child (1825-96), Ramon Menéndez Pidal (1869-1968) e, entre nós, Teófilo Braga (1843-1924), Carolina Michaelis de Vasconcelos (1851-1925), J. Leite de Vasconcelos (1858-1941) ou Pedro Ferré (n.1953).

{bibliografia}

Alan Bold: The Ballad (1979); António Coimbra Martins: “Balada” in Jacinto do Prado Coelho (dir.): Dicionário de Literatura (1987); David C. Fowler: A Literary History of the Popular Ballad (1968); Leslie Shepard: The Broadside Ballad. A Study in Origins and Meaning (1978); P. Zumthor: Essai de poétique médiévale (Paris, 1972); V. Beltran: “La balada provenzal en la poesia galego-portuguesa”, in La Lengua y la literatura en la corte de Alfonso X el Sabio. Actas del Congreso Internacional, Murcia, 5-10 de Março de 1984 (1985); V. de Sola Pinto e ª E. Rodway: The Common Muse (1950); W. J. Entwistle: European Balladry (ed. rev., 1951).