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Palavra latina com a mesma raiz de cultus, de que derivam cultivo e culto, do verbo colo, is, ere, ui, ultum (cultivar), aplicado a domínios diversos, em especial aos campos, às letras e à amizade. Cícero fala do cultivo da humanitas, isto é: daquilo que torna humana a pessoa, a faz sentir-se vinculada a outras pessoas, designadamente através de condições de educação e segundo ideais formativos a que os Gregos chamavam globalmente paideia. A cultura animi ou cultura do espírito, que os latinos pressupunham como base da humanitas, pode definir-se como acção das pessoas sobre si próprias, enquanto indivíduos e sociedade, no sentido da realização plena das suas capacidades e potencialidades humanas. Mas a cultura, num plano mais vasto, associa a tal sentido também a acção susceptível de preservar ou melhorar o ambiente e o património, assim com os modos, práticas e tradições a que se atribui valor por testemunharem e contribuírem para a dignificação da vida. Neste plano mais geral, contudo, o termo ‘cultura’ expande-se sobretudo a partir de meados do século XVIII; e o termo ‘civilização’, para muitos identificável com o termo ‘cultura’, tem divulgação acentuada aproximadamente desde a mesma época, embora termos conexos como civilità já antes ocorram ocasionalmente (cf. Dante, Il convivio). Civilização (acção de tornar civil), todavia, designa, antes de mais, esforços organizados ou programados para melhorar o bem estar e a qualidade de vida, especialmente na cidade e no domínio do ter, da riqueza, do conforto, da eficácia dos equipamentos colectivos, das condições materiais de convívio. A palavra ‘cultura’ tem o seu âmbito de aplicação mais específica no domínio do ser, das realizações não meramente materiais, da criatividade do espírito, implicando muitas vezes o não absolutamente programável ou previsível. Civilização é algo que surge intimamente ligado, portanto, às condições de cultura (inclusive a escola e a escolaridade), enquanto cultura subentende mais a realização de aptidões, talentos e a manifestação daquilo que habitualmente se designa por génio. Entre as metas da cultura, contam-se o gosto pelas artes e ciências, o refinamento de maneiras e do saber, mas sobretudo a sabedoria, com inerente capacidade de digerir ou elaborar símbolos, ideias e pensamentos. Os sentidos etnológico e etnográfico dos termos ‘cultura’ e ‘civilização’, quer identificados, quer demarcados segundo a distinção atrás sugerida, enraízam-se igualmente a partir da época setecentista, a par do crescente interesse pelo modo de vida ou pelos costumes dos povos. A definição de vários autores, entre os quais T. S. Eliot (cf. Notes Towards the Definition of Culture), de cultura, precisamente como ‘modo de vida de um povo’, articula-se com a identificação dos termos ‘civilização’ e ‘cultura’, envolvendo uma abrangência etnológica que ocasionalmente parece coexistir com positiva e indiscriminada aceitação de uma grande variedade de componentes características das respectivas tradições (o que, aliás, nem todo o texto de Eliot porventura corrobora). O frequente uso no plural dos termos ‘cultura’ e ‘civilização’ tem acompanhado o desenvolvimento dos estudos etnológicos e etnográficos até aos nossos dias, numa crescente curiosidade e tolerância moderna, relativa à variedade distintiva e individualizante do modo de vida e ser de cada povo.

bibliografia

A. L. Kroeber e Clyde Kluckohn: Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions (1963); C. P. Snow: The Two Cultures and a Second Look (1959, várias reimp.); Manuel Antunes: História da Cultura Clássica, vol. fotocopiado de notas das aulas teóricas e práticas, Faculdade de Letras de Lisboa, 1967/68, pp. 33-7; Raymond Williams: Culture (1981, várias reimp.); T. S. Eliot: Notes Towards the Definition of Culture (1948, várias reimp.); Victor Hell: L’idée de culture (1981).