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Termo latino (decoro, em port. vulgar) sinónimo de circunspecção, compostura, comedimento, educação, etc. e que em literatura traduz aquilo é considerado adequado a uma determinada norma de comportamento social. O termo tem a sua origem na literatura greco-latina. Platão trata-o em O Político (283d-85a), onde assegura que todas as artes devem a sua beleza ao respeito por esta norma de conduta. Aristóteles retoma o tema nos seus escritos sobre ética, moral e teoria literária, considerando que o decorum (to prepon) no comportamento de um actor numa obra dramática deve ser “correcto” e o autor não nos deve mostrar a realidade comum do quotidiano, mas antes os aspectos mais nobres da vida. Aristóteles estendeu o princípio do decorum à ética (observando a moderação das emoções e adequando-as a cada situação), à retórica (observando a boa dicção e a escolha de vocabulário adequado, evitando a linguagem familiar, por exemplo) e ao direito (observando a equidade). São nessa altura consideradas faltas de decorum a expressão exagerada da sensualidade e as imagens de violência e de morte. O estilo literário dos autores está sujeito à mesma moderação: ter um estilo decoroso significa a rigor não se ser nem demasiado erudito nem demasiado rude. Os escritores latinos como Horácio (na poesia) e Cícero (na oratória) são geralmente considerados os modelos a seguir no respeito pela regra imposta pela poética de Aristóteles. Procurar o melhor sentido das palavras (a sapientia) e aquilo que for mais decoroso (quid deceat), afirma Cícero, é o primeiro objectivo da eloquência: “Prepon é o nome que os gregos dão a isto, nós chamar-lhe-emos decorum.” (Orator, 70-71). Um estilo decoroso é, então, aquele que sempre consegue ajustar-se à importância do assunto tratado. Santo Agostinho adaptou o conceito à oratória cristã, em De doctrina cristiana.

A partir do Renascimento, sobretudo, os teóricos da literatura insistem na salvaguarda do decorum na construção de personagens nas obras literárias, por um lado, e no estilo utilizado pelos autores, por outro. Esta preocupação estética é quase uma regra de ouro para os escritores neo-clássicos do século XVIII. Tomam-se como exemplos clássicos de respeito pelo decorum as obras de Homero e de Virgílio, em particular. O teatro francês ao tempo de Racine e de Corneille observa esta norma com rigor, tendo em vista sempre a boa recepção do público. Chamou-se a este tipo de contenção estilística bienséance.

O decorum é uma questão de gosto literário ou uma forma de respeito pela sensibilidade do leitor. De um ponto de vista crítico, a partir dos decadentistas franceses do século XIX, a literatura descobre que a falta de decorum também pode ser uma forma de literatura e quase todas as vanguardas posteriores se serviram da quebra do decorum para fundar a sua estética. Contudo, teríamos que regressar às origens do romance de paródia (Dom Quixote, Tristram Shandy, etc.) para ilustrar com propriedade o que é que significa desafiar a ética imposta pela sociedade.

bibliografia

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