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Arte de pôr em cena, transformar em espectáculo um texto escrito; o efeito dessa arte. A origem do termo surge como elemento constituinte e inseparável do teatro, sendo através dele que se verifica a evolução técnica e estética desse mesmo teatro. Tendo em conta a tradição europeia, as primeiras encenações de carácter teatral tiveram lugar no séc. VI a. C. na Grécia, para o qual foi utilizado um cenário portátil, mais conhecido por carroça de Téspis. O seu emprego devia ser idêntico ao da skene (cenografia) dos futuros teatros construídos não só na Grécia como também em Roma. Na Idade Média, a encenação surgiu nas demonstrações de certas passagens litúrgicas representadas por sacerdotes, durante as cerimónias religiosas. E aqui o teatro cristão, tal como no teatro clássico, nasce da ritologia. Com relação à Idade Moderna, a encenação manteve as características medievais em toda a Europa, com excepção da Itália onde o teatro era já uma arte de humanistas com um público culturalmente aberto e sensível. Ainda nos sécs. XV e  XVI, países como Inglaterra, Espanha, França e Alemanha, mostravam um teatro medieval encarado, unicamente, como diversão popular. Na Itália, pelo contrário, surge a perspectiva pictórica (séc. XV), sendo adoptada pelo teatro para a cenografia.

O mérito da invenção dos cenários em perspectiva tem sido dado a Bramante que, juntamente com o seu discípulo Peruzzi, os pôs em prática pela primeira vez no séc. XVI. Pode-se dizer com convicção que foi o teatro italiano, tanto o popular (Commici dell’ Arte– cómicos profissionais) que se apresentavam com máscaras recorrendo à mímica corporal e à acrobacia, (embora os seus espectáculos brilhassem pelo seu movimento), como o erudito, com a sua arquitectura admirável e os seus fascinantes inventos mecânicos, as conhecidas tramóias, que influenciando quase todo o continente se tornou, a partir da segunda metade do séc. XVI, o meio que possibilitou a renovação da encenação e abriu as portas para a encenação moderna. Finalmente, nos nossos dias, a encenação, condicionada pelo desenvolvimento das formas dramáticas e sob influência do melodrama, mostra-se artificial, feita de excesso de elementos cénicos, decorativos e arqueológicos, envolta em pormenores complicados e convencionais. Várias vozes se fazem ouvir contra este sistema plástico, no entanto, só a estética naturalista é que se destaca a partir de 1877, em  Paris, do Théâtre Libre de André Antoine (1858-1943). Ao ser introduzida no teatro, esta estética naturalista deu  primazia à reprodução rigorosíssima da vida quotidiana, provocando, deste modo, a renovação completa de sistemas até aí creditados. No entanto, o naturalismo conduzirá o teatro aos próprios excessos convencionais que antes combatera, dando azo ao surgimento da literatura simbolista que se impõe como reacção aos seus exageros através do Teatro de Arte (1887-1890) de Paul Fort. As doutrinas paralelas de Adolphe Appia (1862-1928) e Gordon Craig (1872-1966) mostrar-se-ão reacções muito mais profundas a nível teórico. Enquanto Appia partia da natureza da personagem para descobrir o sentido abstractizante do envolvimento cénico, concebido à base de cubos, planos, escadas, etc, Craig dava relevância à lucidez e automatização integral do jogo cénico, o qual o levaram a abstractizar e despersonalizar o actor, concebido este como uma «supermarionette». Na Alemanha do pós-guerra, aparece uma corrente anti-naturalista
mais violenta que traduzia a simbologia estilizada da desumanização da sociedade através do recurso exuberante aos meios cénicos, às linhas de cor e luz, ao som, à despersonalização da personagem, concebendo ainda o encenador como soberano, como elemento fundamental da criação dramatúrgica.

Em 1913, e desta feita ainda antes da guerra, surge um movimento renovador com maior relevo quando Jacques  Copeau fundou em Paris o Théâtre du Vieux- colombier, concedendo a depuração e simplificação do espectáculo cénico através da valorização do texto, da pureza da encenação e do equilíbrio dos diversos elementos. Por seu lado, também a Rússia Soviética, logo após a Revolução de 1917, se interessou pela experiência teatral através de Vsevolod Meyerhold (1938-1940) que tentou a construção de espectáculos ideológicos, baseados nas suas concepções de biomecânica, despersonalização do actor e neutralidade do texto.

É com Bertolt Brecht (1898-1956) que se dá uma das mais importantes renovações do espectáculo moderno, e será o carácter ideológico e didáctico do seu teatro que marcarão para sempre o grande encenador que foi. E nesta linha será, também, um dos profundos teorizadores da moderna arte de encenação. Ao exigir uma perfeita lucidez do espectador perante a peça, que não é «vivida» mas «contada» pelos actores, Brecht dividia a obra em pequenas cenas,  intercalando-as de elementos que permitiam ao espectador a consciencialização crítica das teses defendidas. A isto se deu o nome de «efeito V» ou da «distanciação».

A partir das décadas de 80 e 90, a cena europeia desenvolverá experiências com base em programas bem  estruturados de renovação dos métodos do espectáculo. Desde 1950 que variadíssimas pequenas performances experimentais contrastam e coexistem com a modernização da ópera e a internacionalização dos grandes espectáculos musicais, por um lado, e a criação de espectáculos musicados por outro. Ambos os casos são fruto de grandes vagas renovadoras que há cinquenta anos Brecht, Beckett e Ionesco provocaram, quer ao nível do texto, quer ao nível do espectáculo.

A idade da encenação só pode ser considerada de meio século, se tivermos em conta o encenador como elemento mais elevado na hierarquia teatral, restabelecedor do equilíbrio necessário à dignidade do teatro. Foi só com o recurso à arte e técnica modernas que o texto dramático ganhou verdadeira forma, isto é, segundo as palavras de André Veinstein, «a encenação começou, então,  a tomar consciência de si própria».  A encenação consiste numa  apresentação, numa leitura possível entre outras, num ponto de vista particular, neste caso do encenador, não negando, mas participando da multiplicidade do sentido. É uma arte complexa e difícil porque trabalha com os homens e as coisas (colectiva ou isoladamente), evocando tanto o aspecto ou os caracteres físicos dos seus variados  elementos, como o seu papel moral, o seu toque pessoal e especial no conjunto definido e harmonioso da acção. Nesta perspectiva, esta arte deve prolongar-se até às relações mútuas e recíprocas dos homens e das coisas, nos  variadíssimos domínios arqueológico, histórico, geográfico e episódico. Por outro lado, ao transformar em espectáculo um texto escrito, a encenação transpõe todo um mundo de imagens conceptuais para recrear forma, movimento, som e cor. Nas palavras de António Pedro, a encenação vai «valorizar o verbo e corporizá-lo na carne das personagens e compor o seu agir» (Pequeno Tratado de Encenação, Confluência, Porto, 1962, p. 16).

De um ponto de vista mais técnico, a encenação conta com determinados elementos que têm o objectivo de dar forma  no espaço e em movimento e tempos reais à fábula – a composição da acção, parte do drama considerada mais importante por Aristóteles. Um desses elementos é a determinação concreta do lugar dramático, papel este destinado ao cenário (adereços, mobiliário e os próprios actores, segundo alguns teóricos, pelo espaço que ocupam em cena) que será montado num palco do qual dependerá, pela sua forma, medida e maquinaria, toda a concepção e execução do jogo cénico: o estilo possível de representação, o processo de implantação do cenário e utilização de planos praticáveis, movimentação em cena e seu aproveitamento estético e psicológico, a valorização e desvalorização das cenas, o tempo dos movimentos, as marcações, etc.

Actualmente, os principais tipos de palco existentes nos nossos teatros são o palco à «italiana», de proscénio prolongado (ou à «inglesa»), de anfiteatro, de teatro de arena e ainda, o simples tablado descoberto (do francês «tréteaux»), destinado, sobretudo, a espectáculos ao ar livre.

A figuração e a representação das personagens são outro elemento que contribuirão para a concretização de uma ilusão perfeita. Esta é a actividade primordial dos actores que contam com o cenário, a luz, o movimento, a ambientação sonora e todo o complicado aparato de cena para a sua valorização e da sua interpretação. Por outro lado, o tipo de actor e o seu tipo de criação habitual conciliado com o papel que lhe é destinado, fornecerá ao encenador as directrizes para o mover em cena e explorar as suas possibilidades. A partir do momento em que se determina a figuração e a representação das personagens, dependerá a escolha de uma táctica e de um critério de orientação que possibilitem um sentido geral necessário para se conceber uma encenação, e também os mecanismos a estabelecer para dar conta dos pormenores. É através da figuração e representação das personagens que a  encenação concretiza o seu principal objectivo artístico: representar em forma, movimento e tempos reais o drama. O actor faz parte da encenação tanto como elemento do próprio cenário como intérprete, por outras palavras, é através dele «que a palavra do poeta se encarna e é pelo seu agir que se vivifica e transforma a potência em acto, de virtualidade em ser» (António Pedro, Pequeno Tratado De Encenação, Confluência, Porto, 1962, p. 54).

declamação das palavras do poema vai completar a interpretação das personagens e da própria peça, para além de ser um elemento que conflui para a composição da acção.

bibliografia

António Pedro: Pequeno Tratado de Encenação (1962); António Solmer: Manual de Teatro (1999); Jean-Marie Piemme: L’Invention de la Mise en Scéne- Dix Textes sur la Représentation Théâtrale (1989); Joaquim de Oliveira: O Teatro Novo- o «Knock» e o seu Encenador (1925-1950); Léon Moussinac: História do Teatro – das Origens aos Nossos Dias (1957); Manfred Wekwerth: A Encenação no Teatro de Amadores (1976); Redondo Junior: A Encenação e a Maioridade do Teatro (1959); René Passeron (dir.): La Présentation (1985).