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Escola de Frankfurt é a designação histórico-institucional para Teoria Crítica, nome de resto resumitivo para Teoria Crítica Social. O que mais tarde faria escola começou de facto como uma escola, fundada em 1923 na Universidade de Frankfurt, mas independente desta: o Istitut für Sozialforschung. A maioria dos fundadores era constituída por filhos assimilados de famílias judias da classe média alemã. Concebido por Felix Weil, Horkheimer e Pollock, a Escola de Frankfurt corporizaria uma das configurações paradigmáticas do chamado Marxismo Ocidental (Anderson, 1972, Merquior, 19872).

Entre os nomes mais conhecidos da Escola contam-se Horkheimer, Adorno, Marcuse, Fromm, Lowenthal para a primeira geração; Habermas, Wellmer e Apel, para a segunda. Não tendo pertencido de facto à Escola, não devem esquecer-se Benjamin e Kracauer. Durante a guerra, a Escola emigraria para os Estados Unidos, repartindo-se por Nova Iorque e por Los Angeles. O retorno à Alemanha só se produziria por 1950. Pecora (1997) identifica cinco motivos que dariam especial consistência à Teoria Crítica desenvolvida pela primeira geração: 1) Reinterpretação do marxismo a partir da rejeição das suas concretizações dogmáticas: totalização simples da história, relações de espelhismo mecânico entre infra-estrutura e super-estrutura, centralidade da luta de classes e posicionamento providencial do proletariado como sujeito da história. 2) Rejeição do “intelectual flutuante” de Manheim e de concepções afins, sobretudo no campo da sociologia. A teoria deve ser “crítica”, historicizada e comprometida, por isso que a neutralidade científica não seria senão adaptabilidade prática às condições sociais existentes tidas por inaceitáveis. 3) Investigação das condições socio-psíquicas de enraizamento e subsistência do autoritarismo e da hegemonia social. 4) Crítica radical do Iluminismo enquanto triunfo da razão instrumental. 5) Postulação da estética como lugar privilegiado de exercício da Teoria Crítica.

A Teoria Crítica é crítica porque, interessada em rejeitar a civilização moderna que subsistiria pela implantação de uma “vida diminuída”, não aceita o cientismo marxista, como em geral acha inaceitável qualquer um. Rejeita, pois, o ideal cientista aplicado ao domínio humano; e definir-se-ia, em contrapartida, por uma prática teórica ecléctica, interessada em discernir nas chamadas ciências humanas (psicologia, sociologia, história, etc.) o potencial crítico. Assim, seria também crítica porque não dogmática — seria, enfim, dialéctica. A dialéctica em causa é a hegeliana, ressalvada. Merquior fala mesmo de um hegelianismo de esquerda redivivo.

No que respeita àqueles pontos, há-de notar-se não apenas o questionamento de todas as formas de dedução simplista do super-estrutural a partir do infra-estrutural, mas uma predilecção de facto pela super-estrutura. Na verdade, coube a estes marxistas explicar porque não houve ou não há revolução, e o porquê da imobilidade do seu putativo sujeito e protagonista.

Este “marxismo da super-estrutura” (Merquior, op. cit., p. 15) deduz os motivos da imobilidade a partir da cultura e da ideologia, as quais originariam a “psicologia social” que melhor se adequa aos interesses socialmente hegemónicos.

A primeira formulação dessa psicologia, de resto nunca posta em causa, deve-se a Fromm, o qual a estabeleceu em termos de sadomasoquismo. Grosseiramente, o autoritarismo sadomasoquista, possibilitado pelo enfraquecimento da família como instância primordial de socialização, tiraria prazer da inferioridade na libertação da ansiedade e na ilusão de participação no mando, por identificação com os poderes de “cima”, passivamente aceites. Os valores sociais correspondentes seriam, quão protestantes!, o ascetismo e a renúncia. (apud Jay, 1984)

Não é apenas sintomático que se escolham tão amplas globalidades como sejam as designadas por ideologia e por cultura (elas coincidem, por assim dizer, com toda a super-estrutura); mais sintomático, porventura, é que os factos de hegemonia social sejam muito consistentemente identificados com o autoritarismo.

A transplantação para os Estados Unidos dos corifeus da Teoria Crítica (e Marcuse, entre outros, não regressaria) representa um instante capital na identificação de hegemonia e autoritarismo. A efectividade do autoritarismo passa a decorrer dos produtos da “indústria cultural” (expressão mais tarde aprofundada por Enzensberger para “indústria das consciências”). A cultura de massas seria o produto ideológico perfeito: um produtor de “cimento social”, que, agindo através da distracção e da satisfação de desejos “deslocados”, intensificaria a passividade. (apud Jay, op. cit.) Este desaparecimento da individualidade autónoma seria adialéctico in res, uma vez que o desenvolvimento histórico seria substituído pela repetição mítica (Adorno diagnostica na sociedade de massas americana uma “decadência da temporalidade”). Em qualquer caso, a Teoria Crítica não assimila este novo objecto ao autoritarismo sem reajustamento; em Marcuse (19826) desemboca nos conhecidos tópicos da dessublimação repressiva e da unidimensionalidade.

Por outro lado, e isso é muito característico das feições dialécticas da Teoria Crítica, aquela servidão voluntária, por muito que as fórmulas críticas não pareçam permitir perspectivas libertadoras, não aparece como positividade plena. Em primeiro lugar, é suposição base da Escola — e quase “acrítica” – que a cultura (a Alta Cultura, realmente) se opõe de alguma forma à sociedade. A cultura seria de si emancipativa, como a sociedade não é e não deixa que aquela seja. A cultura seria acompanhada pela capacidade de superar, ou pelo fantasma dela — de superar, dizia, a configuração social insatisfatória.

Através de mais uma ressalva “negativa”, a Teoria Crítica coloca-se, todavia, na posição de constatar que, como escreve Jay, a cultura nunca consegue transcender plenamente a sociedade (op. cit. p. 291). Essa impotência é integrada pela Teoria Crítica à própria definição da cultura na sua verdade (a qual verdade é certamente a arte). O instante de verdade da Arte consistiria, assim, na “participação nas trevas”, sublinhada esta pela não concretizada “promesse de bonheur” que acompanha aquela. Em suma, a Arte exemplifica de forma modelar um dos “axiomas” da Teoria Crítica na sua auto (e alta) definição dialéctica: a verdade acolhe-se na negação.

A arte, enquanto fantasma da arte, repete a posição “estrutural” do proletariado. De facto, o proletariado, enquanto nome de uma situação providencial na história, não é realmente questionado pela Teoria Crítica. É justamente aquilo que da Teoria Crítica faz teoria.

Importa agora arrumar esta pequena questão com algo que me parece muito afim da identificação da dialéctica crítica na realidade — ou antes, num instante de realidade. Poder-se-ia dizer (e retomo Adorno) que ideologia e cultura de seu nos oferecem um instante de verdade crítico, como sucederia com a paranóia: negando o imediatamente dado (e de certo modo, a isto chama-se “mediação”), transcendem a concepção positivista e ingénua do mundo, a qual não é mais do que essa que elas mesmas “produzem”. Nada na ideologia é falso, senão a pretensão do acordo com a realidade.

Introduzidas que foram a “mediação”, a “afirmação” e a “negação”, podemos tentar concluir sobre o que seja esta dialéctica que substanciaria o adjunto “crítico” aposto a “teoria”. Para além da contraposição ao positivismo e ao dogmatismo (ou àquilo que a Teoria baptizou como identidade e pensamento identitário), esta dialéctica pretende afirmar o seu carácter histórico, i.e. aquela sua relação não fetichista com a totalidade que a tornaria não-ideológica.

A teoria crítica exercer-se-ia assim sobre a história passada, sobre a história presente e projectar-se-ia no futuro, percorrendo toda a escala de contradições e mediações existentes entre as três instâncias. (Jay, op. cit.) Não tomaria a parte pelo todo, nem encararia a parte como subsistindo isolada. Também não concluiria, nem sequer formalmente, para não dar azo à constituição de figuras da (falsa) conciliação superadora das contradições sociais presentes.

Se, como nos diz Merquior, (op. cit.) a Totalidade hegeliana é um sujeito e um conjunto direccional dinâmico, a Totalidade na dialéctica crítica é uma atenção à “mediação” que obriga a um ressalvar contínuo e grandemente circular, que, se faz conjunto, não é de todo direccional, e cujo “dinamismo”, a existir, se poderia bem traduzir pelo estretor sem fim. Do mesmo modo, poderíamos assemelhar o “sujeito” ao esquilo que, prisioneiro dessa gaiola, a faz girar a moto perpetuo. De resto, Adorno o disse, a dialéctica em causa é negativa; recusa a síntese. Ou, em fórmula completamente anti-hegeliana: o todo é o falso. (Adorno, 19904) Esta dialéctica rejeita, portanto, a identidade sujeito / objecto e afirma o carácter dúplice de todos os momentos de um qualquer processo dialéctico.

Na verdade, a Teoria não só nunca abandonou a díade sujeito / objecto, como do seu trabalho dialéctico — exemplificável, entre outros textos, na Teoria Estética (Adorno, 1982) — se pode deduzir a imagem “utópica” de um todo capaz de inactivar-se como totalidade. Uma Totalidade, portanto, de que se pressuporia a existência a priori.

Para além de Hegel e Marx, patronos intelectuais da Teoria Crítica são certamente Weber e Freud. O Weber em causa é, sobretudo, o da modernização e da racionalidade como desencantamento do mundo (tópicos, aliás, já relidos pelo marxismo ocidental de Lukács em termos de alienação e reificação); o Freud em causa é sobremodo o último, preocupado com o mal-estar constitutivo da cultura. A Teoria Crítica acentua certos traços de um e de outro, de modo que a modernidade tende nela a aparecer como factualidade inamovível (e diga-se, nos próprios termos Teoria: um fatum assaz “mítico”). Deste modo me parece a si mesma destinar-se a várias modalidades de interpretação interminável. Não podemos não dizer que Adorno não esteja disso consciente; basta ver como nos situa num mundo depois da oportunidade perdida da sua transformação e por isso “intransformável”.

Progressivamente, cultura e ideologia vão configurar uma “super-estrutura” de carácter substancialmente trans-histórico que garante a permanência “eterna” de uns simples factos “infra-estruturais”: o domínio do homem sobre o homem e do homem sobre a natureza. É o que se deduz da Dialéctica do Iluminismo. (Adorno e Horkheimer, 1987) Alienação, reificação, fetichismo ou desencantamento são apenas os nomes modernos dessa eterna pobreza.

Aquele livro, publicado em 1940, afirma não apenas a responsabilidade da razão iluminista quanto ao domínio da “razão instrumental” sobre o “mundo administrado”; já detecta o nosso destino cultural na Odisseia, e nas aventuras do seu (anti-)herói, Ulisses. Quando o astucioso diz a Polifemo chamar-se Ninguém, engana este ser natural, apresentando-lhe uma coisa moderna – tão moderna que não é una com o seu nome —, e a si mesmo se ludibria: é já o homem ocidental moderno que perdeu a identidade e transformou já a linguagem no sentido em que as Luzes a transformaram: incapaz de conceptualizar e de desidentificar. As aventuras de Ulisses valorizam a autonegação e a renúncia, como condição de dominação de subordinados e da natureza. Assim, os companheiros de Ulisses não podem ouvir as sereias, ou deixariam de ser corpos de trabalho; assim, Ulisses, ao ouvi-las, põe já em cena a “cultura afirmativa” dos privilegiados que dissocia mundo cultural e mundo natural: o canto promete bonheur, mas assegura, tranquilizante, que este não se realizará. Etc., etc., etc.

A Teoria Crítica introduz assim entre os seus objectos os dois mais privilegiados: natureza e mimese. Ora, mesmo quando a natureza dominada e a subjugada mimese (mormente como afinidade para o natural, anterior a qualquer diferenciação racional) não nos devam ser restituídas tal qual, mas apenas nos devam orientar como recuperada memória delas, estamos decerto, como lembra Habermas, longe do materialismo e no cerne de uma impossibilitação crítica (que o freudismo, mitigador da reificação em “recalcamento”, de todo não consegue reparar). A Totalidade não apenas se inactiva; corre a desarmar-se.

Em geral, o que a Teoria Crítica investiga e explica é aquilo que fundamenta necessariamente o fracasso da sua crítica.

Encerremos o verbete com a segunda geração. Esta surge como bastante crítica da primeira. Peter Bürger põe em causa, como se sabe, a Teoria Estética adorniana, nela revelando uma escassez de historicização; (1984) Wellmer (1991) criticará a impossibilitação da Teoria Crítica às mãos da epistemologia orientada pela díade sujeito / objecto, de que acha a mimese um correlato necessário, e proporá a substituição daquela díade pela interacção comunicativa; Habermas (1972, 1984, 1986), mantendo a possibilitação da crítica pela ligação de cognição e interesse, verá um saída do círculo de ferro da razão instrumental numa razão comunicacional, fundamentada em universais pragmáticos — a qual, de resto, teria tido uma espécie de concretização histórica na esfera pública burguesa.

Diga-se, para concluir, que há Teoria Crítica nas margens da Escola. Recomendaria a leitura do que nos diz um Said em The World, the Text, and the Critic. A utilização de teorias como a de Foucault — e também do abandono delas —, segue muito exactamente as linhas frankfurtianas de definição necessária da crítica em termos de comprometimento, historicização e não dogmatismo. Finalmente, num sociólogo como Graig Calhoun a Teoria Crítica parece sofrer uma redefinição imposta pelo “multiculturalismo” contemporâneo. A Teoria Crítica, nesta perspectiva, continua a definir-se pela crença no potencial crítico das Ciências Humanas, mas é muito mais “antropológica”: menos dada à fundamentação teórica e ao discurso genérico, e mais interventiva porque mais atenta ao potencial crítico imanente das instituições históricas da esfera pública.

Nem um Calhoun nem um Said fazem da crítica a emanação fantasmática de um morto — daquele morto que tornaria a crítica efectiva porque, chame-se ele proletariado, partido, esfera pública burguesa ou teoria da razão comunicacional, capaz enquanto vivo da transformação revolucionária de todo o existente. A Teoria Crítica foi refém desse ser suposto.

{bibliografia}

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