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Para uma apresentação da Etnocrítica é importante considerarmos a definição geral do conceito e o seu enquadramento epistemológico e disciplinar.

Devemos a Arnold Krupat e a uma das suas obras fundamentais: Ethnocriticism: ethnography, history, literature (1992), a fixação duradoura deste termo e um produtivo debate  interdisciplinar.

A Etnocrítica parte do pressuposto de que existem formas de pensamento e de conhecimento nativo, de que os discursos a elas associados existem em situação de fronteira e de que dar voz ao Outro comporta riscos de mimetização e de generalização cultural exigindo negociações textuais permanentes, bem como a rejeição de leituras eurocêntricas. Não se ocupa do estudo de etnicidades, mas antes do estudo de globalidade(s), o que vem no alinhamento de pressupostos enunciados por outros autores, nomeadamente Spivak.

O título  da obra acima referida é claro quanto às premissas interdisciplinares que fundamentam a Etnocrítica, que se constrói na intersecção de disciplinas como Etnografia, História e Literatura. Krupat define a autonomia epistemológica deste campo de estudo por meio de uma metodologia de largo escopo, ao mesmo tempo que o enquadra dentro de um território teórico de natureza multidisciplinar.

Num quadro de discussão abrangente sobre partilha comunicativa, apropria nomeadamente textos resultantes de práticas comuns no processo etnográfico de trabalho de campo e de observação cultural, bem como modelos críticos dos discursos histórico e literário. As noções de middleground (que vai buscar a Todorov), e de fronteira, acima mencionada, operam tanto na configuração de um quadro teórico negociável em permanência, como na definição dos diferentes sujeitos culturais e da sua natureza ontológica. A esta mobilidade teórica corresponde também uma partilha textual especialmente produtiva quando considerada como dissidente, partilhada, partilhável, intertribal e mediada.

Os encontros de fronteira são ao mesmo tempo manifestações de ordem e de desordem. Reagindo a todas as formas de homogeneidade cultural, Krupat parte de um método centrado em micro-experiências textuais, como forma de evitar compromissos com uma resiliente episteme ocidental ou com imperialismos domésticos de qualquer ordem.

Aceitando que não existem teorias em viagem, cada produto importado de uma teoria para outra terá sempre a forma da sua apropriação mais do que a sua forma original ou processual, o que justifica ajustamentos metodológicos, mas também a regulação instrumental dos objectos da experiência através da monitorização dos instrumentos de observação, do investigador cultural e do lugar de onde se observa o Outro.

A Etnocrítica encontra a sua legitimação em primeira instância no método que, através de leituras culturais situadas, favorece a perspectiva do sujeito nativo em contraponto com uma visão ocidental do mundo, vista como insuficiente e parcial no exercício da tradução cultural. Krupat reconhece que esta escolha assenta no entanto no paradoxo de que uma hipótese revisionista das heranças da crítica contemporânea seja associável a uma hermenêutica não logocêntrica e inequivocamente secular.