Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Movimento caracteristicamente filosófico com manifestação e incidências no campo literário (no romance e na novela) e artístico (no teatro e no cinema), na teologia (Bultmann) e na psiquiatria (Binswanger), tendo exercido a sua maior influência nos meados do séc. XX. O vocábulo “existencialismo” é  ambíguo; sob um ponto de vista estritamente filosófico, é preferível a utilização do termo “filosofia” ou “filosofias da existência” em vez de “existencialismo”, dado que muitos filósofos contemporâneos rejeitam a qualificação de “existencialistas”. De todo o modo, é sempre do homem concreto que se trata, limitado no tempo, em relação com os outros, procurando um sentido para o seu viver. As filosofias da existência aliam o empirismo metafísico (a facticidade) com a tendência romântica e opõem-se a toda a tradição da filosofia clássica, estabelecendo uma ruptura com o pensamento filosófico moderno. O método utilizado no seu desenvolvimento é o método fenomenológico, como atitude de análise e de descrição; a fenomenologia husserliana exerceu influência decisiva na maioria dos filósofos da existência, embora nem todos a tenham seguido na totalidade das suas implicações.

Enquanto representa uma atitude humanista, esta corrente teve já como precursores, entre outros, Sócrates e S. Agostinho. Em sentido restrito, a origem do existencialismo remonta a Kierkegaard, o qual, por oposição à filosofia especulativa de Hegel, delineou uma filosofia segundo a qual o sujeito está implicado vitalmente na sua realização e, enquanto pensante, inclui-se a si mesmo no pensar, não se limitando a uma mera objectivação no campo da reflexão.

Para o existencialismo, o homem não é o seu próprio fim, uma vez que não existe senão enquanto se projecta para além de si mesmo. Segundo o existencialismo, o homem existe antes de ser. O homem deve dar à sua existência um sentido, uma vez que não é senão aquilo que ele próprio faz de si mesmo; ser é escolher-se através de um livre compromisso. O homem é “liberdade absoluta”: “está condenado a ser livre”. Desta situação resulta a angústia como experiência metafísica consubstanciada no sentimento da possibilidade de o homem perder a sua própria existência; através da angústia, o homem experiencia o nada e pressente a incerteza das escolhas que o conduzirão ao ser. A existência é lançada num total abandono de si mesma; isto equivale a dizer que é absoluta liberdade, na medida em que depende exclusivamente de si. Liberdade significa, assim, contingência absoluta e, através dela, define-se o ser da existência. Daqui se conclui que a existência nunca poderá ser apreendida senão sob a forma de uma história; em cada instante, o homem está condenado a inventar o homem. O existencialismo é, assim, uma filosofia que tem como objectivo a análise e a descrição da existência concreta considerada como acto de uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente como génese ou fundamento esta afirmação de si.

Esta corrente filosófica desenvolveu-se, na Europa, entre as duas guerras mundiais; constitui uma reacção contra todas as formas de alienação do homem; este não é um mero ente, mas antes um existente. Não é algo que possa ser determinado objectivamente; o seu ser é um constituir-se contínuo de si mesmo. O homem não é, pois, nenhuma substância, susceptível de ser determinada objectivamente. No processo da sua constituição existencial, o homem pode gerar o âmbito de inteligibilidade que lhe permitirá compreender-se a si mesmo e à sua situação com os outros, no mundo.

O existencialismo é, primordialmente, um modo de entender a existência enquanto existência humana; a sua atenção centra-se na análise da existência. Este vocábulo designa o modo de estar-no-mundo do próprio homem; enquanto existência, o homem está sempre ligado ao mundo. O mundo manifesta-se nas estruturas que constituem o homem como existência; mas o homem está intimamente ligado aos outros homens. Se a existência se refere sempre a uma situação, também a coexistência, a comunicação e a alteridade constituem uma referência fundamental do homem: existir é sempre ser-com. Pour-soi, em Sartre, Existenz, em K. Jaspers, Dasein, em Heidegger, são termos que traduzem a existência concreta que não se pode captar pela razão. A existência é uma realidade individual, singular, subjectiva e finita que não se define nem se traduz conceptualmente. Esta filosofia dirige-se ao existente singular em ordem a compreendê-lo como possibilidade e como projecto; neste sentido, a existência está intimamente ligada à temporalidade.

O existencialismo surgiu como reacção contra as construções filosóficas sistemáticas que dissolviam o homem na série das abstracções, despersonalizando-o; é, por outro lado, uma reacção contra os resultados das ciências positivas que estudaram o homem em vários domínios, perdendo de vista a unidade da sua realidade concreta, enquanto autor de um destino individual; constitui também uma reacção perante uma sociedade cada vez mais orientada pela técnica que dissolveu o homem num complexo de funções; foi por isso que o existencialismo assumiu uma forma de humanismo, apontando para uma valorização pessoal e responsável do homem através de uma abertura temporal para o mundo em moldes exclusivamente terrenos, negadores de qualquer Transcendência (existencialismo fechado – Sartre), ou admitindo uma abertura ao Absoluto (existencialismo aberto – G. Marcel, K. Jaspers). Kierkegaard procurou a valorização do homem num sentido espiritualista, mas em nítida oposição a Hegel; Nietzsche, num sentido materialista.

O existencialismo é uma corrente caracterizada por um irracionalismo    extremo, ao chamar a atenção para a insuficiência dos processos da razão na compreensão dos problemas especificamente humanos, contribuindo para suscitar um novo conceito de razão, abrindo novos caminhos para a ontologia.

A caracterização fundamental do existencialismo reside, assim, na análise da existência na modalidade de ser-aberto-para-as-coisas-do-mundo, no qual essas coisas se consciencializam; tal existência é o homem concreto, em situação, aberto para as coisas do mundo e para os outros homens. Esta existência cria a sua própria essência num desenvolvimento livre através do tempo. A existência não é uma actualidade absoluta, mas essencialmente temporal; está lançada para fora de si numa construção de si mesma e do seu mundo. Ganhando consciência de si e das suas possibilidades, a existência só é autenticamente na sua temporalização. A prioridade da existência sobre a essência significa que a existência não tem essência distinta dela mesma, ou seja, que esta essência não é mais do que a manifestação das possibilidades da existência desenvolvidas através do tempo. Na sua realização, a existência depende exclusivamente de si mesma e, por isso, é essencialmente liberdade; neste seu desenvolvimento livre, é responsável, devido ao seu compromisso com os outros na realidade concreta do viver; daqui brota a angústia, a insegurança e a inquietação. Só o homem é capaz desta “ex-sistência”; por isso, o existencialismo é uma filosofia do homem e, neste sentido, um humanismo.

Uma característica comum a todas as filosofias da existência reside no facto de repousarem na vivência pessoal da existência. Esta não se pode captar pela razão, referida ao geral e constituindo um sistema.  As filosofias da existência dirigem-se, assim, ao existente singular, mas não como facto empírico nem como ideia abstracta; propõem-se compreendê-lo como possibilidade no ser profundo donde são extraídas as suas realizações; o homem não está encerrado em si mesmo; como realidade inacabada, está intimamente ligado ao mundo que se manifesta nas estruturas que constituem o homem como existência; mas estas estruturas são os modos possíveis de relacionamento do homem com o mundo.

As principais categorias das filosofias existenciais que passaram para a literatura existencialista são  a subjectividade, a temporalidade, o nada, a angústia, a comunicação, o paradoxo, a ambiguidade, a contingência, a autenticidade, a liberdade, a alienação, a escolha, a decisão, a situação, o compromisso, o estar-no-mundo, a morte, o fazer-se a si mesmo, o fracasso e a esperança.

 

Bibliografia

Abbagnano: La struttura dell´esistenza (1939);

Breaufret, J., Introduction aux philosophes de l´existence. De Kierkegaard à Heidegger, Paris, 1971;

Castelli, E., Esistenzialismo cristiano, Pádua, 1947;

Fabro, C., Introduzione all´esistenzialismo, Milão, 1943;

Foulquié, P., L´Existentialisme, Paris, 1953;

Grene, M., Introduction to existentialism, Chicago, 1959;

Hessen, J., Existenzphilosophie, Essen, 1948;

Jolivet, R., Les doctrines existentialistes de Kierkegaard à J.- P. Sartre,  Paris, 1948;

Leite Rainho, A., Filosofias do concreto, Lisboa, 1954;

Mancini, I., Filosofi esistenzialisti, Urbino, 1963;

Marías, J., El existencialismo en España, Bogotá, 1953;

Martins, D., Existencialismo, Braga, 1955;

Moeller, J., Existenzphilosophie und katolische theologie, Baden-Baden, 1952;

Mounier, E., Introduction aux existentialismes, Paris, 1950;

Pareyson, L., Studi sull´esistenzialismo, Florença, 1943;

Prini, P., Esistenzialismo, Bari, 1957;

Stefanini, L., Esistenzialismo ateo ed esistenzialismo teístico, Pádua, 1952;

Troisfontaines, R., Existentialisme et pensée chrétienne, Lovaina, 1948;

Verneaux, Leçons sur l´existentialisme et ses formes principales, Paris, 1964;

Wahl, J., Existence et transcendence, Paris, 1944;

               Esquisse pour une histoire de l´existentialisme, Paris,1949; 

Les philosophies de l´existence, Paris, 1964;