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Versão portuguesa da expressão science fiction, cunhada em 1929 pelo engenheiro, inventor e editor norte-americano Hugo Gernsback . Embora as narrativas com esta designação sejam por muitos consideradas como pertencentes a um género autónomo, tal perspectiva está longe de me- recer uma concordância unânime. Entre os críticos e os amadores em geral, é corrente sulinhar a dificuldade praticamente intransponível de esboçar uma definicão operativa e abrangente de ficção científica, dada a extrema variedade dos textos que a ela se circunscrevem. Também se aceita em regra que faz parte da imensa esfera genológica do fantástico lato sensu designada em inglês por fantasy. Revela, nessa me- dida, semelhanças e afinidades mais ou menos numerosas e profundas com os géneros estranho, fantástico e maravilhoso. É particularmente notória a sua contiguidade com este último, assinalada, entre outros, por Tzvetan Todorov que a apelidou de “ maravilhoso científico.” Porém, não só numerosos textos inte- gráveis na ficção científica estão longe de corresponder ao maravilhoso, mas também muitos outros recor- rem a ucronias, gadgets ou experiências apenas como cenário para a evocação de questões sociais e políticas, dramas humanos ou debates intelectuais de vária ordem. Torna-se, portanto, bastante aleatório e, em regra, pouco fecundo pretender avançar muito mais na busca de uma definição rigorosa de ficção científica.

Todavia, se existem óbvias dificuldades em a delimitar com precisão do resto da literatura, ela já se revela satisfatoriamente caracterizável com base em diversos traços quase por completo radicáveis no plano semântico das obras. Nessa medida, tentar-se-á aqui delinear a ficção científica por duas vias. A primeira implica esboçá-la, por assim dizer, “em vazio,” demarcando-a face aos géneros e a outras classes de textos que, sendo-lhe embora exteriores, com ela partilham diversos elementos e formas de organização. Tal permite, de algum modo, estabelecer o que não é, mas, em certo sentido, também é. A ficção científica distingue-se, desde logo, da utopia, embora dela recolha, entre outros aspectos, a evasão vicarial para espaços longínquos e sociedades alternativas, adoptando-lhe ainda quer o optimismo eutópico, quer, principalmente, o pessimismo distópico. Porventura ainda mais fortes são os vínculos que, para além da hereditariedade, a ligam ao romance científico oitocentista, como, por exemplo, sucede com Frankenstein de Mary Shelley, De la Terre à la Lune de Jules Verne ou The Island of Dr Moreau de H. G. Wells. De qualquer modo, embora sobre o assunto as opiniões divirjam bastante, estas e outras obras similares não correspondem (ainda, sublinhe-se) plenamente ao que mais tarde se denominaria ficção científica. Acresce que os textos nela incluíveis raramente se confundem com os de antecipação ou de ficção política, embora todos partilhem diversas áreas temáticas ou preocupações ideológicas. Contudo, em vez de sugerirem projecções lineares e a médio prazo da época em que vive o autor, as narrativas de ficção científica referem-se-lhe transpondo-a para eras futuras ou passadas, descontínuas e não raro longínquas, de modo a melhor e mais livremente explorarem o efeito parabólico permitido por tal distanciação. Portanto, apesar de não se confundirem com fábulas ou parábolas, muitas procuram inculcar uma espécie de moral, além de empregarem frequentemente um tom didáctico, bem como certos esquemas e artifícios a elas inerentes.

Por outro lado, ainda que por vezes recorra ao verosímil, a uma narração tensa e sincopada, assim como a outros processos correntes no fantástico, a ficção científica raramente visa o principal objectivo daquele género: evocar a irrupção do sobrenatural no mundo quotidiano em termos de intensa ambiguidade. De igual modo, pode revelar estreitas afinidades com as narrativas de terror e de horror, sobretudo as que se circunscrevem ao género estranho, quando, por exemplo, evoca seres alienígenas monstruosos ou ameaçadores. Sem embargo, também neste particular é frequente surgirem diferenças susceptíveis de as demarcar reciprocamente.Torna-se, ainda, no mínimo discutível englobar na ficção científica certas histórias não obstante com ela aparentadas, como sucede com as aventuras em diversos tempos e mundos, muito próximas do maravilhoso, que correm sob as etiquetas de heroic fantasy ou sword and sorcery. O mesmo, de resto, se poderá dizer dos seus sucedâneos mais simplistas, populares embora entre os leitores menos exigentes, muito vulgares em filmes ou séries televisivas e depreciativamente designados pela expressão space opera. Por fim, convirá alertar contra qualquer confusão, de resto fomentada por certas editoras, entre ela e os textos sobre esoterismo, advinhação, astrologia, ocultismo ou alegados encontros com extraterrestres, publicações que, um pouco por toda a parte, exploram o apelo do mistério ou a pura superstição.

Referidas as classes de textos que maiores analogias revelam com a ficção científica e cujo confronto permite, até certo ponto, delimitá-la, torna-se necessário proceder ao seu delineamento pela segunda via, acima proposta, mediante uma breve panorâmica de vários traços que a caracterizam, os quais, sublinhe- -se de novo, relevam sobretudo da esfera semântica das obras. Em primeiro lugar, este tipo de narrativas assume-se como a área da literatura mais profundamente interessada em discutir os objectivos, as virtualidades, os condicionalismos e os limites da ciência, circunstância já notória quando Gernsback lhe conferiu a denominação. Com efeito, revê-se em quase todos os atributos e valores geralmente associados à actividade científica e aos seus mais nobres cultores: o método, o rigor, a probidade intelectual, o empenho desinteressado na busca da verdade e, sobretudo, a progressão no conhecimento mediante recurso a hipóteses à primeira vista improváveis ou, mesmo, absurdas. Daí a relevância diegética e temática em regra conferida a toda a sorte de experiências, com resultados e sequelas geralmente inesperados e, não raro, de duvidoso alcance ético. Daí, também, um outro elemento central em diversas narrativas: a neces- sidade premente de enfrentar seres ou quaisquer manifestações enigmáticas e ameaçadoras de origem desconhecida. Todavia, apesar de haver tomado forma com o auge do prestígio da ciência, a ficção científica pouco se deixou contagiar por ele, vindo, em particular após a Segunda Guerra Mundial, a ecoar perspectivas menos favoráveis ou, mesmo, a adiantar-se a elas. Retomando e desenvolvendo preocupa- ções já formuladas em Frankenstein nos princípios do século XIX, desde cedo abandonou a fase das eu- logias. Enveredou, assim, em muitos casos, por juízos, ora apreensivos e decepcionados ora críticos e seminais, quanto às aplicações mais perigosas, inumanas ou estreitamente economicistas do pensamento científico. Explorando interrogações desencadeadas pela relatividade, pela mecânica quântica e por outros quadros conceptuais, tanto questiona ou põe em causa a viabilidade e a consistência do conhecimento obtido como lhe aponta a índole relativa e contigente. Nestas narrativas, por outro lado, para além do cientista, da experiêmcia ou do invento, avultam temas e motivos como civilizações futuras, contactos com alienígenas, descoberta de outros tempos e mundos, a par de alterações do indivíduo ou da espécie. De igual modo relevantes são em regra os aparelhos, mecanismos ou sistemas artificiais de qualquer tipo, em particular naves espaciais ou simulacros de seres humanos, como robots, andróides ou cyborgs. Também ocorrem frequentemente referências a momentos históricos reais ou imaginários, passados ou futuros, possíveis ou não, em muitos casos envolvidas num tom profético e milenarista.

Particularmente característico dos textos de ficção científica, porém, é o facto de efabularem relações e interferências de vária ordem e em ambos os sentidos entre diferentes tipos de passado, de presente e de futuro, de algum modo lhes alterando as sequências ou os nexos de causa e efeito. Assim fazem, por exemplo, Ray Bradbury em “A Sound of Thunder”, Anthony Boucher em “The Quest for Saint Aquin” ou Philip K. Dick em The Man in the High Castle, respectivamente quanto à evolução das espécies, a um hipotético futuro da Igreja Católica Romana ou a também imaginárias consequências da Segunda Guerra Mundial. Surge aqui outro factor que, a par do interesse pela ciência ou em combinação com ele, poderá parecer susceptível de conferir à ficção científica a tão procurada especificidade. Trata-se da sua vertente ucrónica, da sua propensão para desmontar, subverter e metamorfosear o tempo, além de a ele circunscrever grande parte da sua esfera semântica. Com efeito, porventura mais do que qualquer outra classe de narrativas, a ficção científica joga com o devir cronológico, justificando a muitos títulos ser designada “ficção do tempo.” Projecta as acções, as personagens e as questões que evoca num qualquer futuro ou (em geral, episodicamente) num qualquer passado, os quais, todavia, continuam, a cada momento, a remeter de forma irrecusável para a época e as preocupações do autor. Também neste domínio se configura uma estreita sim- biose com a ciência. Na maioria dos textos, a sequência dos acontecimentos continua, naturalmente, a respeitar a concepção newtoniana (e, ainda hoje convencional) do tempo, reproduzindo-o como um absoluto linear e irreversível. Não obstante, vários autores preferem explorar as virtualidades ficcionais do continuum einsteiniano, ou, mais recentemente, relacioná-lo com hipóteses sobre a física dos buracos negros e das chamadas “singularidades”. A manipulação das categorias temporais confere à ficção científica um traço que poderia revelar-se distintivo se não fosse em grande medida comum à maioria das obras utópicas e de antecipação, para além de surgir ocasionalmente noutras. Acresce que nenhum dos caracteres atrás aludidos forma, por si só ou em combinação com qualquer número dos restantes, um todo coerente e sistémico capaz de enquadrar o mare magnum aqui discutido e de o autonomizar por completo do resto da literatura. Afinal, não só esses traços relevam quase apenas da esfera semântica das obras, mas também estão longe de ser indubitavelmente distintivos, dado reportarem-se a categorias partilhadas por outros tipos de textos. Em consequência, embora evidencie um certo número de elementos temáticos e de formas de organização que lhe conferem alguma homogeneidade e, até certo ponto, lhe justificam o nome, a ficção cien- tífica não constitui plenamente o que se costuma entender por um género.

No concernente às suas origens, convirá, desde logo, sublinhar os intensos e porventura desnecessários esforços despendidos pela crítica especializada para lhe encontrar uma ascendência tão dignificante e vetusta quanto possível. Entre as obras mais frequentemente consideradas para tal fim, incluem-se Vera Historia (c. de 150) de Luciano de Samósata, Utopia (1516) de Thomas More, The New Atlantis (1626) de Francis Bacon e Histoire comique des états et empires de la Lune (1656) de Cyrano de Bergerac. Também se inclui, obviamente, o romance científico do século XIX, sobretudo várias narrativas de Jules Verne, como Voyage au centre de la Terre (1864), De la Terre à la Lune (1865) ou Vingt mille lieues sous les mers (1869). De qualquer modo, embora conte com estes e muitos outros alegados ( quando não forçados) antecessores, a ficção científica desenvolveu-se na Grã-Bretanha finissecular, vindo posteriormente a encontrar nos Estados Unidos um caldo de cultura que se revelaria ainda mais fecundo. Para críticos como Robert Scholes e Eric S. Rabkin, quase todas as suas futuras características são já detectáveis em Franken- stein ( 1818 ) de Mary Shelley. Porém, esta obra é, em regra, considerada ainda demasiado próxima do ro- mance gótico, pelo que se associam os primórdios da ficção científica a outras muito mais tardias de H. G. Wells, entre as quais The Time Machine ( 1895 ), The Island of Dr Moreau ( 1896 ) ou The First Men in the Moon (1901). As consequências da Primeira Guerra Mundial e a ascensão do fascismo também se fi- zeram sentir fortemente em narrativas britânicas de antecipação e especulação como Last and First Men (1930) de Olaf Stapledon, Brave New World (1932) de Aldous Huxley ou The Shape of Things to Come (1933) de H. G. Wells. Poucos anos mais tarde, C. S. Lewis iniciava a sua célebre triologia com Out of the Silent Planet (1938), a que se seguiriam Perelandra (1939) e That Hideous Strength (1945). Entretan- to, os textos desta área que vinham a lume nos Estados Unidos mostravam-se ainda bastante convencio- nais, quando não extremamente simplistas. Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, havia lançado em 1912 a voga das viagens interplanetárias na história intitulada A Princess of Mars. Com os seus heróis, monstros, naves espaciais e visões optimistas do futuro, as narrativas subsequentes deste e de outros autores pouco mais continham do que aventuras no espaço ou noutros planetas, sendo em breve depreciativa- mente alcunhadas space opera. Surgiam quase exclusivamente em revistas populares caracterizadas pela má qualidade do seu papel (pulp magazines), numa das quais (Amazing Stories ) Gernsback empregou o termo scientifiction que mais tarde mudaria para science fiction. Com a Depressão e a Segunda Guerra Mundial, a ficção científica norte-americana tornava-se gradualmente mais amadurecida, crítica e imaginativa graças a várias figuras cujas obras mais relevantes apenas apareceriam nas décadas seguintes. Entre elas, justifica-se destacar os nomes de Isaac Asimov, com I, Robot ( 1950 ) e Foundation ( 1951 ), Robert Heinlein (Stranger in a Strange Land, 1961 ), Clifford D. Simak ( City, 1952 ) ou Theodore Stur- geon (More Than Human, 1953). No tocante à Grã-Bretanha, a maior proximidade da guerra, com os seus horrores e sequelas, contribuiu para conferir um pendor mais amargo e desenganado a várias narrativas de diversa índole mas com claras afinidades com a classe de textos aqui examinada.Tal se verifica particu- larmente em relação a duas, ambas publicadas em 1949: Ape and Essence de Aldous Huxley e Nineteen Eighty-Four de George Orwell. Propriamente no campo da ficção científica, o panorama mostrava-se mais variado, surgindo, a par de obras desencantadas, sombrias e empenhadas em reflectir sobre ques- tões políticas e sociais, outras centradas em acontecimentos catastróficos, no confronto com alienígenas, na ameaça nuclear ou no futuro da espécie humana. Para além de escritores que apenas tiveram grande ê- xito na época, como John Wyndham, convém destacar muito em especial Brian Aldiss (Greybeard, 1964) e o físico e inventor Arthur C. Clarke, mundialmente conhecido por Childhood’s End ( 1953 ) ou pelos guiões de 2001: A Space Odissey (1968) e 2010: Odissey Two (1982). Nos Estados Unidos, ao longo dos anos 40, a ficção científica abandonou gradualmente os pulps, passando a ser publicada sobretudo em edi- ções de bolso. Por outro lado, encontrava uma aceitação crescente e sem qualquer paralelo anterior, tanto entre o público norte-americano como no plano internacional, atingindo, após a Segunda Guerra Mundial e até aos inícios da década de 60, o que se pode considerar a sua primeira culminância, de resto, significa- tivamente denominada golden age. A época produziu uma notável plêiade de autores, entre os quais cumpre referir em primeiro lugar Ray Bradbury. Pela sua obra, envoltos num tom vagamente poético, per- passam quer o racismo, a “caça às bruxas”, a censura, a Guerra Fria ou o temor de um confronto nuclear, quer a nostalgia da adolescência e da vida nas pequenas cidades rurais. Para além da novela intitulada Fahrenheit 451 (1953), devem-se-lhe sobretudo fascinantes colectâneas de contos, como The Martian Chronicles (1950), The Illustrated Man (1951) ou The Golden Apples of the Sun (1953). Não obstante, numerosos outros nomes se destacaram, devendo ser mencionados, pelo menos, Frederik Pohl e Cyril M. Kornbluth (The Space Merchants, 1953), Alfred Bester (The Demolished Man, 1953), Theodore Sturgeon (More than Human,1953), James Blish (A Case of Conscience, 1958) e Walter M. Miller ( A Canticle for Leibowitz, 1960). A propósito dos três ultimos, convirá também lembrar que, desde o início da golden age, se tem tornado crescentemente visível em diversos autores um acentuado interesse por assuntos teológicos ou mais amplamente metafísicos. Anthony Boucher, Clifford D. Simak, Arthur C. Clarke, Philip K. Dick ou Ursula Le Guin, são apenas alguns de uma longa lista.

Desde os meados da década de 60, desenvolveram-se na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos várias tendências experimentalistas em certos casos bastante divergentes umas das outras, mas, apesar disso, globalmente conhecidas por new wave. Recorrendo a processos narrativos inovadores, ao pastiche ou, mesmo, à paródia em enredos não raro densos e permeados por um maior ou menor radicalismo político, apostavam na busca de experiências e caminhos diferentes dos até então seguidos pela ficção científica. Paralelamente, procuravam em regra aproximá-la às manifestações mais vanguardistas, prospectivas e se- minais que permeavam a literatura da época. O desencadear desta inflexão de sentido deve-se em grande medida à actividade editorial de dois escritores: Michael Moorcock ( The Warlord of the Air, 1971 ), na Grã-Bretanha, e, pouco mais tarde, Harlan Ellison (“I Have no Mouth and I Must Scream”,1967) nos Estados Unidos.Entre as figuras mais relevantes usualmente identificadas com a new wave, contam-se os bri- tânicos Brian Aldiss ( Report on Probability A, 1968; Barefoot in the Head, 1969 ) e J. G. Ballard ( The Terminal Beach, 1964; The Atrocity Exhibition, 1970; Crash, 1973 ), assim como os norte-americanos Roger Zelazny ( Lord of Light, 1967 ), Thomas M. Disch (334, 1974) e Samuel R. Delany (Triton, 1976). Porém, alguns autores contemporâneos da new wave, não obstante a sua elevada qualidade estética e o fa- cto de escreverem principalmente textos de ficção científica, nunca se identificaram com aquela tendência. Assumidamente nada afecto a escolas e correntes, mas evidenciando alguns traços comuns à new wave e aspirando a ser conotado com a “grande” literatura, Philip K. Dick tornou-se um marco funda- mental da ficção científica até à sua morte em 1982, sendo também considerado próximo da tendência cyberpunk. Com uma ironia lúcida e amarga, explorou a desumanização individual e social, o avesso do sonho americano, a prepotência económica e política ou as relações entre a inteligência humana e a artificial numa obra em que se destacam The Man in the High Castle (1962), Do Androids Dream of Electric Sheep? (1969) ou VALIS (1981). Contudo, para além de Dick, pelo menos dois escritores de grande relevo se mantiveram alheados da new wave. São eles John Brunner ( Stand on Zanzibar, 1968; The Shockwave Rider, 1976) e Ursula Le Guin. Esta última tornou-se a mais importante figura de um crescente número de autoras que se vem afirmando na ficção científica e a tem levado a reflectir com maior frequência sobre a condição feminina. Adquiriu, por outro lado, imenso prestígio na literatura mundial com obras co- mo The Left Hand of Darkness (1969), The Word for World is Forest (1972), The Dispossessed (1974) ou The Beginning Place ( 1980 ). De um maravilhoso intensamente onírico e poético, muitas das suas narrativas sugerem algo como um humanismo visionário em que preocupações sociais e políticas se entre- laçam com propostas metafísicas e, tanto através da ciência como da magia, se busca o equilíbrio entre os indivíduos e o grande todo. Embora predominantemente anglo-americana, quer nas origens quer no de- senvolvimento subsequente, a ficção científica também encontrou numerosos cultores e grande receptividade do público noutros países, em especial na França, na Polónia ou na antiga União Soviética. Entre os autores europeus da segunda metade do século XX, destaca-se facilmente o polaco Estanislau Lem, com uma obra complexa e pessimista mas profunda e inteligentemente reflexiva. Tendo escrito contos e romances apenas comparáveis aos melhores publicados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, é sobretudo conhecido por Solaris (1961).

O crescente prestígio da ficção científica e de vários dos seus autores nos meios intelectuais e artisticos transparece claramente no facto de, a partir dos anos 70, passarem a ser incluídos em programas de cursos universitários norte-americanos e de outros países como Portugal. Assim, nas décadas seguintes, a ficção científica, cada vez mais multiforme, foi superando uma condição ainda algo marginal, saiu do seu ghetto e tem-se, até certo ponto, diluído na literatura dita mainstream, sendo, afinal, por ela também invadida. Com efeito, numerosos escritores não especificamente conotados com esta classe de textos têm vindo a recorrer com assinalável frequência a temas e a processos narrativos que lhe são característicos. Já visível com Huxley, Orwell e outros, tal circunstância repetiu-se, por exemplo, em A Clockwork Orange (1962), de Anthony Burgess, Slaughterhouse Five (1969) de Kurt Vonnegut, Gravity’s Rainbow (1973) de Thomas Pynchon ou Kalki (1978) de Gore Vidal. De qualquer modo, adquiriu porventura ainda maior relevo posteriormente, quando se verificou com uma romancista como Doris Lessing. Efectivamente, esta publicaria várias narrativas de ficção científica, desde Re: Colonised Planet 5, Shikasta (1979) a Documents Relating to the Sentimental Agents in the Volyen Empire (1983). A concluir, convirá sublinhar algu- mas das linhas mestras mais notórias na evolução recente da ficção científica. Em primeiro lugar, um acentuado amadurecimento estético e intelectual. Depois, um alargamento do seu território genológico, o que, embora naturalmente positivo, a tornará cada vez mais difícil de definir. Finalmente, um franco au- mento de respeitabilidade no quadro geral da literatura mainstream, com a qual se tem vindo a miscegenar crescentemente. Entre os seus êxitos nesse campo, recorde-se, por exemplo, que teorizadores como Fredric Jameson e Brian McHale têm apontado diversas homologias entre ela e o pós-modernismo, tal per- mitindo porventura encará-la como uma espécie de protótipo daquele, especialmente operativo no estudo do respectivo percurso histórico.

{bibliografia}

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