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Ciência que estuda as propriedades acústicas dos sons da fala, as condições fisiológicas necessárias para a produção dos mesmos e a forma como estes são percebidos, independentemente das oposições paradigmáticas ou das combinações sintagmáticas que os sons possam estabelecer nas línguas particulares, campo de estudo cuja responsabilidade já é da alçada da fonologia.

A fonética divide-se em três grandes ramos, de acordo com os estádios sucessivos que possibilitam a transmissão de uma mensagem de um locutor para um ouvinte, num acto de comunicação oral. Deste modo, numa primeira fase da elaboração da mensagem, irão intervir os mecanismos de produção da fala, o seja, todas as estruturas anatómicas e as configurações articulatórias fundamentais para a produção de sons, processo este estudado pela fonética articulatória ou fisiológica; numa segunda fase, será necessário analisar a natureza física dos sons produzidos pelo falante, aspecto de que se irá ocupar a fonética acústica; finalmente, numa última fase, há que ter em conta os mecanismos de percepção do ouvinte, cujo estudo se designa tradicionalmente como fonética perceptiva ou auditiva. Assim, segundo a linguista Maria Helena Mira Mateus, os objectivos da fonética, enquanto disciplina linguística, passam não só pelo estabelecimento das “(…) propriedades acústicas, articulatórias e perceptivas (…) que ocorrem nas línguas particulares”, mas também pelo modo como aqueles se relacionam entre si e pelo “(…) entendimento da natureza da relação entre as representações linguísticas e as representações sonoras” (Fonética, Fonologia e Morfologia do Português, Universidade Aberta, Lisboa, 1990, p.24) .

A fonética articulatória tem contribuído fundamentalmente para a fundação da descrição linguística, permitindo a classificação dos sons da fala de acordo com o contexto no qual os mesmos são articulados. A classificação mais importante é aquela que distingue as vogais das consoantes, muito embora alguns estudiosos ponham em causa a sua validade, devido à dificuldade em estabelecer uma definição precisa da diferença articulatória entre estas duas classes de sons.

O ramo da fonética acústica tem-se dedicado essencialmente à análise das propriedades físicas dos sons da fala e às correspondências entre traços acústicos e elementos dos sistemas fonológicos das línguas. De modo a concretizar este objectivo, a referida disciplina recorre a métodos de investigação e técnicas instrumentais entre as quais se devem destacar o uso de espectrogramas de sons, nas décadas de 50 e 60, e a utilização de técnicas informáticas de processamento da fala, a partir da década de 70. Importa, porém, frisar que o real interesse da física do som assenta na relação que esta estabelece com os outros domínios da investigação do sistema linguístico, nomeadamente o articulatório e o perceptivo.

Relativamente ao estudo da percepção da fala, este tem sido desenvolvido com base em diversas técnicas de análise que envolvem as respostas do ouvido, do nervo auditivo e do cérebro aos sons da fala. Segundo o linguista Peter Ladefoged (1982), dois dos métodos que mais têm contribuído para o avanço da fonética perceptiva são aqueles que se baseiam em experiências envolvendo a speech synthesis e a manipulação do natural speech stimuli. Tais experiências têm contribuído para a construção de um sistema informático cuja função é a produção de respostas adequadas a um vasto leque de dados acústicos, no decorrer das décadas de 80 e 90.

Todo o processo de análise linguística referido anteriormente pode ser perspectivado de acordo com diversos tipos de estudos fonéticos, tais como a fonética comparada (estudo comparativo dos sons em duas ou mais línguas diferentes), a fonética histórica (estudo da evolução dos sons no curso da história da língua) e a fonética descritiva (análise dos sons de uma língua num momento dado da sua evolução), entre outros.

No que se refere à tradição do estudo da fala e da linguagem, esta não provém da Europa Ocidental, como possa parecer, mas sim da Índia, país onde , entre os séculos VI e II antes de Cristo, diversos escritores tentaram, pela primeira vez, formular uma doutrina de classificação dos sons da fala. Os seus esforços foram continuados por autores gregos , entre os quais se devem destacar nomes como Hipócrates, Aristóteles e Galeno. Os dados reunidos neste período, muito embora fossem inconsistentes e pouco sistemáticos, constituíram a base para o aprofundamento do estudo da fala durante o Renascimento, com a ajuda de figuras como Leonardo da Vinci e Vesalius.

Com a chegada do século XVIII e mais tarde do XIX, os estudos sobre fonética passam sobretudo a relacionar-se com questões sobre a maneira correcta de falar, preocupação esta que permitiu o desenvolvimento de uma das teorias mais populares da época – a teoria fonética articulatória clássica – cujo fulcro, em certa medida, encontrou continuidade em algumas teorias fonéticas mais recentes, como a teoria dos traço distintivos de Chomsky e Halle (1968). Outro aspecto importante que irá marcar as investigações fonéticas a partir deste período será a substituição da natureza qualitativa das pesquisas efectuadas até então por métodos quantitativos mais fiáveis e o crescente contributo de outras áreas científicas, tais como a engenharia electrotécnica, a física, a fisiologia e a psicologia para o estudo da disciplina em questão.

O desenvolvimento da fonética moderna teve ainda como contributo importante a formulação da teoria acústica da produção da fala pelo físico alemão Muller em 1848, graças à qual foi possível relacionar os estádios articulatório e acústico da produção da fala. O aprofundamento desta linha de investigação permitiu a obtenção de resultados importantes, por diversos estudiosos, até à década de 60, resultados estes que viriam a revelar-se o alicerce para o estudo compreensivo das propriedades fonéticas da fala, dotando a fonética com o estatuto de disciplina linguística autónoma.

Mais recentemente, têm-se vindo a aprofundar outras linhas de estudo da fonética, nomeadamente no que diz respeito à investigação de ponta, apenas concretizada a nível laboratorial (fonética experimental) e à perspectivação da fala como um sistema fisiológico, no qual interagem, de diversas maneiras, as variáveis articulatórias do aparelho vocal (fonética paramétrica).

{bibliografia}

David Abercrombie: Elements of General Phonetics (1967); John C. Catford: Fundamental Problems in Phonetics (1977); John Clark e Colin Yallop: An Introduction to Phonetics and Phonology (1996); L. Kaiser (ed.): Manual of Phonetics (1957); Maria Helena Mira Mateus: Fonétia, Fonologia e Morfologia do Português (1990); Peter Ladefoged: A Course in Phonetics (1982); Peter MacNeilage: The Production of Speech (1983); R. Jackobson, C. G. M. Fant e M. Halle: Preliminaries to Speech Analyses (1952).