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Expressão criada por P. Ricoeur para designar a atitude existencial que subjaz a toda a hermenêutica que se desenvolveu na tradição, como “ars interpretandi”,como compreensão da vida que se exprime através dos seus sinais ( obras , textos significativos), e como modo específico de ser do existir humano (cf. hermenêutica). Este tipo de hermenêutica caracteriza-se pelo facto de partir de uma atituda de confiança, ou boa vontade , isto é, pelo facto de acreditar fundamentalmente no poder revelador da palavra.Trata-se de uma interpretação que pressupõe a ideia de que existe uma verdade dos símbolos, que deve ser explicitada, uma vez que a função do símbolo é sempre a de representação, e nunca a de dissimulação – aquela que com Nietszche e Freud e Marx dá origem a uma hermenêutica da suspeita, ou redução de ilusões.

Para Ricoeur o modelo típico desta hermenêutica da confiança ou interpretação pela palavra é o da fenomenologia da religião (DI, 38), para a qual existe inegavelmente uma verdade dos símbolos que só o trabalho da interpetação permite revelar .Neste contexto de plena confiança na linguagem, esta aparece como fundamentalmente ligada a algo que a transcende e, no entanto, apenas se diz por meio do duplo sentido simbólico.O pano de fundo desta hermenêutica é o seguinte: o homem é um ser capaz de ser tocado pela palavra significante. Precisa de crer para compreender e compreender para crer. Logo, compreender é, em primeiro lugar, aceitar o desafio do texto, poder ser interpelado pela sua palavra e, finalmente, desimplicar o seu sentido. A confiança básica do homem na linguagem e no seu poder kerigmático é o verdadeiro núcleo deste tipo de hermenêutica, que adopta assim uma atitude descritiva e participativa , isto é, não redutora. Neste contexto de plena adesão à linguagem, compreender é não só recolher o sentido do objecto visado pelo poder analógico do símbolo, mas também entender o sentido como uma palavra que nos é dirigida à maneira de um repto. Acredita-se que a linguagem que suporta os símbolos é menos falada pelos homens do que falada aos homens e que estes nasceram no seio da linguagem, no meio da luz do logos que ilumina todo o homem que chega ao mundo(DI., 38).A verdadeira luz é para o homem a luz da palavra.

Este tipo de hermenêutica da confiança ou interpretação pela palavra pressupõe ainda, e em última análise, toda uma dimensão ontológica do existir que descobre o homem como antecipação da plenitude , inovação e possibilidade de ser.A tónica é posta no futuro, numa poética dos possíveis, que tem o seu núcleo na formação pelo poder dialógico retórico da palavra. Deste modo se exclui qualquer redução do que para o homem tem sentido a um originário energético e económico, absolutamente necessário e dissimulado.

Pelo contrário, o movimento é aqui o de abertura , de ultrapassagem das particularidades próprias, por meio de uma formação pelas figurações já realizadas da vida (textos, obras de arte, monumentos) e pela apropriação hermenêutica do seu sentido actual. Para esta concepção o que é originário não está dado à partida mas forma-se pelo próprio movimento da interpretação.

Poder ser interpelado ou interpretado pela palavra do outro , pelos textos ou pelas diferentes figurações da vida, tal é o grande pressuposto desta atitude que pensa o homem como uma abertura inefável, isto é, como uma estrutura fundamentalmente relacional, crente e questionante. O desejo de ser interpelado é, pois, neste contexto, o grande motor da interpretação.Esta, fundamentalmente preocupada com o objecto intencional do texto ou linguagem, pressupõe ainda a ideia de que as coisas só interpelam realmente o humano e lhe chegam por meio da lógica dialéctica dos possíveis operados pela obra da palavra (38).Interpretar é participar, jogar ,sendo jogado, o jogo do sentido que , à medida que ganha tempo, ganha contornos.

{bibliografia}

P. RICOEUR, Le Conflit des Interprétations. Essais d´Herméneutique,Paris, Seuil, 1969; ID., De L´Interprétation. Essai sur Freud, Paris , Seuil, 1965; P. L., BOURGEOIS, Extension of Ricoeur‘s Hermeneutic,The Hague, Martinus Nijhoff, 1975; T., NKERAMIHIGO, L´Hommme et la Transcendence selon P. Ricoeur, Paris, Lethielleux, 1984:; A. DUMAS, “ Savoir, croyance, foi” in MADISON, G. B.(ed) Sens et Existence. En Hommage à P. Ricoeur, Paris, 1975, 160-169.