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A legitimação é um conceito de origem político-jurídica que designa o reconhecimento, pelas instituições do poder e segundo articulações discursivas que esse mesmo poder domina, de determinados factos sociais, sejam eles processos ou objectos. Como produto social que sempre é, a literatura esteve, desde a origem, sujeita a essa mesma legitimação. Para recorrermos a um exemplo historicamente importante para os estudos literários, podemos dizer que a Poética de Aristóteles é um documento fundador do processo de legitimação literária. Silvina Rodrigues Lopes, na sua tese de doutoramento, A legitimação em literatura (1994), obra fundamental sobre a matéria deste artigo, acentua a como factores geralmente constituintes do processo legitimado e fundador da instituição literária, a crítica literária, a formação teórica, a opinião pública, os direitos de autor e – de modo decisivo – a integração da disciplina de literatura no sistema de ensino (p.124-127).

De um modo geral, todo o funcionamento da instituição literária assenta em modos e níveis diversos de sociabilidade: procura por parte do público leitor e/ou espectador (no caso do teatro), reconhecimento dos valores de determinados textos na prática do ensino, agrupamentos de praticantes (mais ou menos profissionais) e apreciadores em academias ou colectividades similares (associações, arcádias) e o lugar que a função autor ocupa na sociedade, e como a sua actividade se recorta em relação a outras funções e actividades reconhecidas nessa mesma sociedade (cf. Carlos Reis, 1995: 21-22 e 59-61).

Deve dizer-se, no entanto, que se todos esses aspectos eram reconhecidos desde a antiguidade até muito recentemente, a legitimação era praticada sem ser problemática em si. É a partir da posições teórica pós estruturalistas, porém, que a questão da legitimidade se integra explicitamente como problemática da teoria literária. Se, antes, ela era assegurada sem questionamento na tradição da mimesis (imitar um mestre era tão evidentemente necessário como imitar as acções do homem) e, posteriormente, num percurso que começa no século XVII e culmina com o romantismo se afirma a legitimidade (sem a questionar) através de discursos e instituições que já acima descrevemos, com o desenvolvimento das perspectivas da recepção (em que, neste caso, incluiríamos, algo abusivamente, o próprio desconstrucionismo), o conhecimento da objecto literário deixa de ser “evidente” (porque o objecto só se constitui pelo acto de leitura, pelo reconhecimento que lhe é dado pelo leitor ou intérprete, e pela que lhe atribuem as instâncias que o aceitam ou recusam) e a legitimação institui-se como problema. Basta lembramos a posição de Stanley Fish que, partindo duma posição pragmática questiona de modo empírico e experimental a noção de texto literário, para percebermos como dessa atitude, que dá ao leitor o pleno direito de qualificar e validar qualquer texto, se passa à problematização vertiginosa da legitimação literária: em princípio, o literário é o que funciona como literário para os código culturais de uma comunidade, mas nada nos garante que os códigos de uma comunidade sejam os de outra ou que uma comunidade tenha de os ter.

A legitimação tem, assim, dois campos fundamentais de interrogação: o que é que constitui o literário como literário?; o que é que pode legitimamente ser incluído como texto no campo literário?

{bibliografia}

Carlos Reis: O Conhecimento da Literatura (1995); Silvina Rodrigues Lopes: A Legitimação em Literatura (1994); Vítor Manuel de Aguiar e Silva: Teoria da Literatura (1988).