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Termo de dupla significação, indica, por um lado, o conjunto dos mitos ou narrativas míticas relativas a seres sobrenaturais, fantásticos ou de valor superhumano e, por outro lado, o estudo ou interpretação dos mitos. A necessidade de estudar e compreender a matéria mítica, património cultural de uma civilização, sente-se desde cedo na cultura grega arcaica, quando o homem descobre que é importante encontrar uma explicação literária ou supostamente mais objectiva do mundo que o rodeava. Os complexos fenómenos da natureza foram certamente os primeiros a serem explicados de forma fantástica, sendo aí que nasce verdadeiramente o primeiro conjunto de narrativas míticas organizadas em texto escrito, muito depois de terem circulado de geração em geração até ao tempo de Homero e de Hesíodo.

Enquanto ciência que estuda os mitos, a mitologia conhece a sua melhor aplicação prática na poesia, sobretudo nas epopeias e nos grandes poemas de glorificação social. A partir do momento em que um mito fica sujeito à livre interpretação de um poeta, ele não mais é o mesmo desde o primeiro relato conhecido. Mas essa é a força do estudo mitológico, que está sempre preparado para a renovação e para a recriação. O mito do primeiro homem, descendente do titã Jápeto, o qual teve quatro filhos, entre os quais Prometeu, o criador dos homens, através da modelagem pela argila (génese em tudo semelhante a um outro mito que mais tarde vai ser relatado no Génesis do Velho Testamento), é um relato homérico que já à época conhecia diferentes versões. O estudo de um mito tem que ter sempre em consideração o desvio criativo investido pelo seu relator em relação à primeira história conhecida. Com o aparecimento da sofística, no século VI a.C., a mitologia deixa de ser encarada como simples expressão cultural de um povo, para começar a ser estudo sistematizado de narrativas complexas. Importa nesta altura discutir a relação entre o mythos (ou história, narrativa, fábula) e o logos (palavra, discurso, razão). A tese de Platão sobre o objecto de estudo da mitologia, uma mera questão de ficções antigas transpostas para a poesia, será amplamente discutida, sobretudo porque infere que a mitologia se funda em interpretações subjectivas e inúteis, infundadas do ponto de vista racional.

Da antiguidade clássica ao renascimento, o homem virou-se para os deuses da mitologia sempre com o intuito de melhor se compreender a si próprio ou para se convencer de que era possível qualquer forma de transcendência divina, à qual só seres extraordinários teriam acesso. As aproximações entre o sagrado e o profano na Idade Média e a gradual humanização da matéria mítica antiga no renascimento, provam que o homem soube adaptar ao seu tempo as visões antigas sobre o mundo fantástico dos deuses e dos heróis vencedores de todos os desafios que a natureza impôs à humanidade.

Depois de um combate intelectual à mitologia iniciado pelo iluminismo europeu, recusando-a como ciência que estuda as narrativas míticas e aproximando-a da pura superstição, o romantismo redescobre o gosto pela literatura dos mitos gregos e latinos antigos. O século XX devotou-lhe inúmeros estudos sistemáticos, desde The Golden Bough (13 volumes, editados em 1915), de James George Frazer, até aos estudos de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung e aos trabalhos escola antropológica de Claude Lévi-Strauss, reforçando a ligação dos mitos aos outros aspectos da sociedade e da cultura. No campo dos estudos literários, destacam-se a crítica arquetípica de Northrop Frye e as propostas da escola estruturalista francesa, que substituíram de alguma forma a mitologia enquanto estudo sistémico dos mitos por uma mitocrítica, cujo expoente é Gilbert Durand, que publica em 1960 As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Considera Durand que o mito ultrapassa em muito a pessoa, os seus comportamentos e a sua ideologia.

 

{bibliografia}

Claude Lévi-Strauss: Mito e Significado (1978); J. Humbert: La mitologia grega y romana. La mitologia – su origen y utilidad (1980); Luis Diez Del Corral, La functión del mito clasico en la literatura contemporanea (1974); Mircea Eliade: Aspects du mythe (1963); Victor Jabouille: Iniciação à Ciência dos Mitos (1986)