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Termo aplicado a um conjunto de romances franceses publicados no pós guerra (depois de 1945) da autoria de Alain Robbe Grillet, Nathalie Sarraute, Michel Butor, Marguerite Duras, Claude Simon. O termo é sobretudo da responsabilidade dos jornalistas, que tiveram que encontrar uma designação acessível respeitante à renovação romanesca ocorrida no panorama da literatura francesa da década de 50. Mas, de facto, não existem afinidades claras entre as várias produções literárias; o que existiu foi uma confluência dessas produções numa editora, Éditions de Minuit e uma vontade de renovar o romance, rejeitando a maioria das suas características tradicionais. Por vezes, estes romances lembram o anti romance e têm como antecessores Kafka, Louis Ferdinand Céline, William Faulkner, Samuel Beckett e Albert Camus. Apesar do nome mais notório do agrupamento arbitrário de romancistas ser o de Alain Robbe Grillet, muitos consideram que um dos primeiros passos para o estabelecimento do “novo romance” foi dado com a publicação de Tropismes (1938) de Nathalie Sarraute. Roland Barthes, num texto de 1958, “Não há escola Robbe Grillet”, demonstra a dissemelhança entre os romances de Robbe Grillet e os de Butor: os do primeiro autor recusam a História, a psicologia das motivações e a significação dos objectos; os do segundo instituem uma dimensão simbólica. Assim sendo, Robbe Grillet encontra se do lado da negatividade própria de muita produção romanesca do pós guerra e Butor do lado de uma positividade absoluta. Conclui Barthes que não se pode imaginar duas artes mais opostas do que as referidas. No entanto, todos os romancistas deste período literário escrevem contra os padrões tradicionais do enredo romanesco.

Analisados os principais vectores que atravessam o termo em questão, nouveau roman designa o “romance em superfície” (R. Barthes) de características anti humanistas, que acabam por ser as encontradas na produção romanesca de Robbe Grillet. De facto, os seus romances exprimem, por um lado, uma negação ao nível das técnicas romanescas. A novidade consiste na recusa em representar sentidos para o mundo, instituindo o “nada humano do objecto” (R. Barthes). Por outro lado, Robbe Grillet teorizou sobre o novo romance em Por Um Novo Romance (1963), afirmando, no entanto, logo no início do livro, que não era um teórico do género. De qualquer forma, a polémica causada pela sua escrita levou o a justificar se. O posicionamento deste autor representa, por um lado, a aceitação da história literária, ao dizer: “Flaubert escrevia o novo romance de 1860, Proust o de 1910”, mas, por outro lado, representa também a crença num devir incerto da forma literária romance.

Frequentemente, nouveau roman designa um outro termo école du regard como sinónimo da técnica romanesca de Robbe Grillet. As características mais vanguardísticas dos romances de Robbe Grillet decorrem do descompromisso típico da literatura do pós guerra. Afirma o autor: “Ora o mundo não é significante nem absurdo. Existe, muito simplesmente” (Por um Novo Romance). Apesar da sua filiação não ser existencialista, sobressai um aspecto da fenomenologia husserliana, que é a experiência directa dos dados do mundo em que a validade do conhecimento é fundada de um modo imediato. Este tipo de experiência crucial na representação da realidade nos romances do autor referido é considerado na ausência total de pressupostos. O primado da percepção significa que a objectividade se constitui a partir de actos subjectivos. Com efeito, Robbe Grillet defende que o novo romance visa uma subjectividade total, opondo se muito claramente à objectividade implícita na visão omnisciente do romance tradicional. Nesta medida, as conjecturas do autor são antitradicionalistas e entram na categoria de uma poética da obra aberta tal como Umberto Eco a concebe em Obra Aberta (1962). A experiência directa de Robbe Grillet é semelhante à transmissão directa de acontecimentos característica da estética televisiva segundo Eco. O “novo romance” de Alain Robbe Grillet caracteriza se por se manter à superfície do objecto, dando se por isso uma “promoção do visual” (R. Barthes); a descrição é semelhante à pintura moderna porque destrói a unidade do objecto, ao criar um novo espaço com uma profundidade temporal. No fundo, trata se de uma escrita marcada pelo “estranhamento” ou “desfamiliarização” no sentido em que o mundo “objectalista” representa o “carácter inabitual do mundo que nos rodeia” (A. Robbe Grillet).

Outro marco da definição do termo advém de um conjunto de ensaios sobre o romance da autoria de Nathalie Sarraute, A Era da Suspeita (1956). A suspeita decorre da indiferença e da descrença notórias na sociosfera europeia do pós guerra; neste caso, a suspeita é aplicável ao romance psicológico aqui considerado como um romance do passado na medida em que a verdade individual tem muitas facetas, o que torna a preferência dada à psicologia uma convenção literária tão estéril como outras. A autora considera o ser humano como um “corpo sem alma”, um “euanónimo. A impessoalidade é reivindicada para a narrativa romanesca, dando se, então, de novo o triunfo da exterioridade. Jacques Leenhardt vai no mesmo sentido quando define o termo a partir de uma ruptura com todos os determinismos constitutivos do romance anterior a este “novo romance”, os de ordem psicológica, sociológica e metafísica. Há, por isso, uma inversão total: é o mundo, o exterior que determina o que chamamos a interioridade e o eu. O nouveau roman dá conta da “pregnância da exterioridade”.

Ficou célebre na época a interpretação do nouveau roman por Lucien Goldmann no sentido de uma análise das relações do romance de Robbe Grillet com a teoria marxista da reificação. A hipótese de trabalho é a de que existe uma relação de homologia entre as estruturas sociais marcadas pelo fetichismo da mercadoria (a reificação) e as estruturas romanescas em causa. A sociedade capitalista ocidental define se, no século XX, pelo desaparecimento progressivo do indivíduo como realidade essencial e pela independência crescente dos objectos. O mundo circundante é, então, um mundo de objectos como um universo autónomo de qualquer vontade humana. Por isso, para este autor, o desaparecimento da importância e da significação da acção individual torna os “romances novos” (como os de Robbe Grillet) os mais realistas da literatura contemporânea.

No panorama da literatura portuguesa, no início da década de 60, dois escritores aderiram ao nouveau roman, Alfredo Margarido com o romance A Centopeia (1961) e Artur Portela Filho com o volume de contos Avenida de Roma (1961). Foram considerados romances de resistência à tradição romanesca amplamente rejeitada nestes textos mas, apesar da polémica na imprensa cultural da época, a influência do novo romance foi relativamente limitada.

{bibliografia}

Barthes, Roland, Ensaios Críticos, Edições 70, Lisboa, 1977; Butor, Michel e AA VV., Nouveau Roman: hier, aujourd’hui, U.G.E., 10/18, Paris, 1972; Eco, Umberto, Obra Aberta, Difel, Lisboa, 1989; Goldmann, Lucien, Pour une Sociologie du Roman, Gallimard, Paris, 1964; Margarido, Alfredo e Portela Filho, Artur, O Novo Romance, Editorial Presença, Lisboa, 1962; Ricardou, Jean, Pour une Théorie du Nouveau Roman, Seuil, Paris, 1971; Ricardou, Jean, Le Nouveau Roman, Seuil, Paris, 1973; Robbe Grillet, Alain, Por um Novo Romance, Publicações Europa América, Lisboa, 1965; Sarraute, Nathalie, A Era da Suspeita, Guimarães Editores, Lisboa, 1963; Tadié, Jean Yves, O Romance no Século XX, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992.