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Modalidade literária que se refere à vida dos pastores e seu contexto campestre de uma forma idealizada. O termo Pastoral abrange vários géneros históricos, em prosa de ficção, drama e poesia lírica de que o exemplo mais antigo são os Ídilios de Teócritos, poeta grego (c. 316-260 a. C.) natural de Siracusa na Sicília. Naste obra de Teócrito têm origem algumas das convenções da poesia pastoral: monólogos ou diálogos em verso entre pastores, acompanhados de cantos, numa abreviada forma dramática. O uso do refrão nos cantos em que é proposto um tema para debate situa-os nas canções populares, mas o vocabulário requintado e evidente erudição literária revela o artifício artístico inerente à estrutura poética do Pastoral.

O poeta latino Virgílio (70-19 a. C.) recuperou nas suas éclogas o modelo dos Idílios de Teocrítico. Ao eleger a Arcádia como espaço idílico dos pastores, associando a essa província grega a noção de locus amoenos, Virgílio cria uma tradição que prevalece até hoje na cultura ocidental. os nomes gregos atribuídos aos pastores arcadianos e a presença do Pastoral transmitidos através dos séculos.

Virgílio não pretendeu representar duma forma realista nem os pastores nem o espaço onde estes convivem com os deuses da mitologia grega. Na sua Arcádia fundem-se o mito e a realidade empírica, favorecendo um ambiente onde o homem comunica com a natureza através das próprias emoções. A metáfora pastoril, ao estabelecer a dicotonomia cidade/campo, exaltando este último de modo a pôr em realce a degradação da sociedade citadina, permite-lhe, também, a crítica social.

Durante a Idade Média, o Pastoral manifesta-se através de géneros periféricos como a Pastorela e a Bergerie em vernáculo, dotada de convenções próprias. Ao contrário do processo artístico que cria o pastor/poeta da écloga clássica, o processo típico do pastoril medieval consiste em utilizar a figura do pastor com elementos realistas tornados, por vezes, transcendentes pela simbologia que lhe advém da identificação de Cristo com a figura do Bom-Pastor e do Cordeiro de Deus.

Quando o drama Religioso Medieval passa do latim para as línguas vernáculas, aos dramaturgos recorrem às convenções de Bergerie para recriarem a acção dos pastores durante a vigília que precede a visita a Belém. Como figura antitética do pastor virtuoso surge a clown rústico caracterizado pela sua rudeza e ignorância. A literatura pastoril medieval, em vernáculo, abrange um grande espectro de tonalidade de sentido que vão desde o idílico ao grosseiro, do místico ao obsceno.

Ainda nos finais da Idade Média, Dante retomou o modelo de Teócrito e Virgílio escrevendo éclogas em latim, permeadas, no entanto, pela influência medieval que acentuara a versão alegórica do pastoril, no que é seguido por Petrarca e Bocácio. São contudo as éclogas em latim, também de um italiano, Mantuanus, Adolescencia (1460), as mais divulgadas nas escolas humanistas europeias.

Na Literatura Ibérica o Pastoral foi uma modalidade importante na transição da poesia cortês do séc. XV para a ítalo-clássica do séc. XVI. Em Espanha, Boscán e Garcilaso, em Portugal, Bernardim Ribeiro e Cristóvão Falcão, introduzem a écloga clássica, no que são seguidos por Sá Miranda (que em Itália contactara grandes poetas, como Bembo, Sannazaro e Ariosto) e Camões, secundados pelos poetas que neles se inspiraram.

As éclogas dramatizadas de Juan del Encina têm a sua correspondência na Literatura Portuguesa nos Autos Pastoris de Gil Vicente.

O Pastoral ibérico atinge fama europeia com o romance pastoril do português Jorge de Montemor, escrito em castelhano, Los siete libros de la Diana (c. 155).

O romance de Montemor teve como modelo Arcadia (1504) de Sannazaro, a mais importante criação Pastoral renancentista italiana, composta de 12 éclogas ligadas entre si por 12 secções em prosa.

O romance pastorial tem como antecendente o romance grego Daphis e Chloe de Longo (c. séc. V. a C.), cuja intriga se centra no pseudo-inocente despertar do amor entre dois jovens pseudo-pastores, uma vez que será revelado serem filhos de nobres, abandonados no campo e crescendo entregues aos seus instintos naturais.

Afastando-se da tonalidade erótica que emana do romance de Longo, Sannazaro segue na esteira de Virgílio, absorvendo o estilo de Petrarca na sublimação da melancolia amorosa. Sannazaro transforma a sua Arcádia num santuário da poesia, espaço idílico imaginário onde o relacionamento entre o amor e beleza encontra a expressão simbólica que caracteriza o espírito da renascença. A acção passa-se num mundo mitológico de templos e ninfas onde o amor, quase sempre não correspondido, é o acontecimento central. A cantada simplicidade arcádia exprime-se, paradoxalmente, em elaborado virtuosismo de linguagem e exibição de técnicas na arte de versejar, próprias do experimentalismo que caracteriza os poetas renascentistas.

A versão arcadiana do Pastoral surge, também em Itália, na forma dramática da tragicomédia, com Aminta (1581) de Tasso e Il Pastor Fido (1585) de Guarani. A influência italiana faz-se sentir em todas as Literaturas Europeias.

Em Portugal o exemplo de Sannazaro e de Montemor é sobretudo evidente em Primavera (1601) de Francisco Rodrigues Lobo e Lusitânia Transformada (1607) de Fernão Álvares de Oriente.

Na Literatura espanhola o grande sucesso de Diana de Montemor, obra logo traduzida para francês, inglês e alemão, dá lugar a uma suposta continuação do romance do romance, Segunda parte de la Diana (1564) da autoria de Alonso Pérez e de Diana Enamorada (1567) de Garpar Gil Polo. Nas obras de Cervantes encontramos o romance pastoril Galateia que testemunha a grande popularidade do género na literatura de então.

Em Inglaterra Philip Sidney segue o modelo de Sannazaro e de Montemor no romance pastoril Arcadia (1590), enquanto Edmund Spencer em Shepheard’s Calender procura imitar Teócrito, Virgílio e Mantuanus. A estrutura de ‘Calendário’ vincula esta obra de Spencer ao pastoril medieval mas as éclogas procuram recuperar o mundo idealizado do Pastoral clássico, tal como em Colin Clout’s Come Home Again e nos cantos elegíacos Daphnaida e Astrphil, do mesmo autor. Com origem em Teócrito, o Pastoral elegíaco tem a sua expressão mais notável, na literatura inglesa, em Lycidas (1637) de Milton.

O romance pastoril Rosalynde (1590) de thomas Lodge deve a sua notoriedade a ter sido a fonte principal de peça de Shakespeare As You Like it.

Na forma dramática, o modelo de Tasso e Guarani é seguido por John Fletcher em The Faithful Shepherdess (1608) e Ben Jonson The Sad Shepherd (1641), peça inacabada. O Pastoral é ainda aproveitado, na poesia inglesa, no Masque como em Comus (1634) de Milton.

Na pátria da Bergerie, a França, o Pastoral clássico nas suas diversas formas, desperta a atenção dos poetas da Pléiade, mas são do séc. XVII as obras mais conhecidas como a Bergerie (1600) de Montchrétien e Les Amantes ou la grande pastrourelle (1613) de Nicolas Chreestien de Croix e outras, de que se destaca L’Astrée (1607-27) de Honoré d’Urfé, versão francesa do romance arcadiano de Sannazaro.

A época áurea do Pastoral, nas Literaturas Europeias, foram os séculos XVI e XVII, emergindo ainda em obras posteriores que procuram reviver ou a virtuosidade técnica que caracteriza essa modalidade ou alguns aspectos da sua temática.

A ideia dominante do Pastoral é a procura de um refúgio no mundo natural, idealizado, como lenitivo e protecção contra conflitos e agressões sofridas na sociedade urbana ou na corte. É assim uma forma de primitivismo ou saudade de um passado edénico – o Paraíso Perdido da mitologia cristã – ou a Idade de Ouro difundida por Hesíodo, Virgílio e Ovídio.

No renascimento os poetas procuram recriar no mundo arcadiano essa vivência de uma felicidade primitiva, mas as atracções mito-poética do paraíso pastoril serão por vezes substituídas pela utopia, o ideal de uma sociedade perfeita construída pelo homem e não dádiva gratuita dos deuses.

{bibliografia}

Menéndez Pelayo, Origenes de la novela, 1943; Helen Cooper, Pastoral: Mediaeval into Renaissance, 1977; Bryan Loughrey (ed.), The Pastoral Mode “A Casebook”, 1984.