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Área de estudos e de investigação desenvolvida ao longo do século XX, mas cujo termo concreto surgiu e foi desenvolvido, particularmente, durante a década de 90, nos EUA. A Queer Theory destaca-se pelo seu potencial interdisciplinar, propondo-se a analisar a influência que a identidade de género e a orientação sexual podem exercer em diferentes campos (política, filosofia, economia, cultura, literatura, etc.), com o intuito  de desconstruir uma perspetiva heteronormativa destes mesmos campos. Apesar de incerta, a cunhagem do termo pode ser atribuída a Teresa de Lauretis, responsável pela edição especial de um número da revista differences, em 1991, com o título “Queer Theory: Lesbian and Gay Sexualities.”.

Na sua introdução, a autora estabelece que a utilização do termo queer pretendia diluir as barreiras identitárias que eram representadas pelos vocábulos commumente utilizados de  lesbian e gay, que para além de evocarem culturas, grupos e vivências distintas, excluiriam todo um leque de outras identidades de género e de orientação sexual, do discurso produzido. Tal como Lauretis refere: “Today we have, on the one hand, the terms “lesbian” and “gay” to designate distinct kinds of life-styles, sexualities, sexual practices, communities, issues, publications, and discourses; on the other hand, the phrase “gay and lesbian” or, more and more frequently, “lesbian and gay” (ladies first), has become standard currency. Coming Up was called the Gay/Lesbian Newspaper and Calendar of Events in the Bay Area, while the more recent Out/Look defines itself as National Gay Quarterly Magazine (…). In a sense, “queer theorywas arrived at in an effort to avoid all of these fine distinctions in our discursive protocols, not to adhere to any one of the given terms, not to assume their ideological liabilities, but instead to both transgress and transcend them- or at the very least problematize them.” (p. v).

Para além desta tentativa de adotar um termo abarcante, para que mais identidades possam ser representadas, tema abordado adiante, em relação ao choque entre Queer Theory e identity politics, Annamarie Jagose evidencia que a utilização do termo queer surgiu também como uma reconfiguração da carga semântica perniciosa da palavra enquanto insulto, evitando igualmente definições concretas e estanques, com o intuito de representar a fluidez identitária dos diferentes grupos de género e de orientação sexual: “it maps that very mobility, and situates it within a history of sexual categories which have evolved over the last hundred years or so (…) As queer is unaligned with any specific identity category, it has the potential to be annexed profitably to any number of discussions. (Queer Theory, An Intoduction, 1996, p. 2). Por sua vez, o objetivo do vocábulo queer, marcado por esta possibilidade de evocar uma pluralidade de pontos de vista, subculturas e de discursos, espelha a própria resistência de autodefinição da Queer Theory enquanto área: “To attempt an overview of queer theory and to identify it as a significant school of thought, which those in pursuit of general knowledge should be familiar with, is to risk domesticating it, and fixing it in ways that queer theory resists fixing itself” (ibid., pp. 1-2).

Apesar destes objetivos, é igualmente importante referir que o surgimento deste termo como alternativa lexical efetuou-se não só para referências gerais ou coloquiais pela sociedade, mas para toda uma produção intelectual e académica já existente, que se foi desenvolvendo ao longo do século sob o termo lesbian and gay studies. Transparecendo uma certa carência de consenso, esta problemática referencial é perfeitamente simbolizada pela publicação da obra The Lesbian and Gay Studies Reader, pela Routledge, em 1993. Por um lado, compreendendo mais de 600 páginas e 42 ensaios, este Reader pretendia expor, tal como seria o objetivo da Queer Theory, uma extensa e compreensiva produção intelectual, a partir de abordagens de múltiplos campos diferentes: “The forty-two essays gathered here (…) are derived from a wide variety of disciplines- philosophy, classics, history, anthropology, sociology, African-American studies, ethnic studies, literary studies, and cultural studies. They produce and engage many different kinds of knowledge and meaning; they suggest many different topics and subjects for further inquiry; they demonstrate the cogency of many different methods, theories, styles, and approaches; and taken together, they transform our view of our cultures and our world.” (p. xv). Por outro, os próprios editores abordam diretamente a ambiguidade de denominação do seu campo de estudos e do título da sua própria obra: “It was difficult to decide what to title this anthology. We have reluctantly chosen not to speak here and in our title of “queer studies,” despite our own attachment to the term, because we wish to acknowledge the force of current usage. The forms of study whose institutionalization we seek to further have tended, so far at least, to go by the names of “lesbian” and “gay.” The field designated by them has become a site for inquiry into many kinds of sexual non-conformity, including, for instance, bisexuality, trans-sexualism, and sadomasochism. Moreover, the names “lesbian” and “gay” are probably more widely preferred than is the name “queer.” And the names “lesbian” and “gay” are not assimilationist. Just as the project of seeking legitimate institutional and intellectual space for lesbian/gay studies need not render less forceful its challenge to the scholarly and critical status quo, so our choice of “lesbian/gay” indicates no wish on our part to make lesbian/gay studies look less assertive, less unsettling, and less queer than it already does.” (p. xvii).

No âmbito dos estudos sobre a sexualidade, algumas obras deste campo pretenderam analisar manifestações histórico-culturais de práticas sexuais entre pessoas do mesmo género, ou mesmo a análise da sexualidade em si e o modo como a mesma se manifesta, sendo importante ter em conta instâncias de esbatimento de barreiras de género ou do binário de sexualidade, que se evidenciaram em diferentes culturas, diferentes períodos históricos e diferentes áreas geográficas do mundo. Exemplificando, obras como Greek Homossexuality de K. Dover (1978) e History of Sexuality vol. I, de Michel Foucault (1976) foram verdadeiros pilares teóricos que influenciaram e intensificaram a investigação académica nos Lesbian and Gay Studies e Queer Theory. Destacaram-se posteriormente as obras Between Men: English Literature and Male Homosocial Desire (1985) e Epistemology of the Closet (1990), de Eve Kosofsky Sedgwick, One Hundred Years of Homosexuality (1990), de David Halperin, bem como outros autores como Judith Butler, Michael Warner e Lauren Berlant.

No discurso produzido acerca da natureza da sexualidade humana, destacou-se um contínuo debate entre duas posições distintas, a “essencialista” e a “construcionista”: “Whereas essentialists regard identity as natural, fixed and innate, constructionists assume identity is fluid, the effect of social conditioning and available cultural models for understanding oneself. Essentialists assume that homosexuality exists across time as a universal phenomenon which has a marginalised but continuous and coherent history of its own. Constructionists, by contrast, assume that because same-sex sex acts have different cultural meanings in different historical contexts, they are not identical across time and space (…); moreover, they would argue that ‘identity’ is not a demonstrably empirical category but the product of processes of identification.” (Jagose, 8-9).

Tal como Jagose analisa em seguida, ambas as posições não constituem propriamente um binómio ou uma oposição absoluta. Apesar de apresentarem interpretações distintas acerca da sexualidade e o modo como a mesma se pode manifestar, ambas as posições foram interpretadas e reconfiguradas em diferentes moldes: “It is often assumed that essentialist understandings of homosexuality are conservative, if not reactionary, (…), whereas constructionist understandings of homosexuality lend themselves to progressive or even radical strategies. (…) The essentialist claim that some people are born homosexual has been used in anti-homophobic attempts to secure civil rights-based recognition for homosexuals; on the other hand, the constructionist view that homosexuality is somehow or other acquired has been aligned with homophobic attempts to suggest that homosexual orientations can and should be corrected.” (p. 9).

Neste seguimento, a teoria construcionista, tendo raízes nas conceções foucaltianas de sexualidade expostas em The History of Sexuality, foi particularmente produtiva no campo de estudos em análise. Porém,  é importante referir que a incidência destas obras e o objetivo desta área, não seria apenas um estudo da «homossexualidade» ou «bissexualidade» enquanto categorias identitárias individuais e concretas. Aliás, a noção de uma identidade ‘homossexual’, tal como hoje concebemos, é relativamente recente, remontando ao século XIX, à figura do alemão Karl Ulrichs e à sua cunhagem dos termos Urning, para uma pessoa homossexual, e Dioning, para uma pessoa heterossexual, ambas derivadas de figuras da mitologia grega (Urano e Dione, respetivamente), com base no discurso da personagem Pausânias de O Banquete, de Platão (Nikki Sullivan: A Critical Introduction to Queer Theory, p. 5).

O seu âmago seria então, analisar o modo como a sexualidade intercecciona e é moldada pela cultura e vivência do individuo, bem como o modo como a mesma pautua e molda a experiência de vida do mesmo, nas mais variadas áreas, remetendo-nos mais uma vez para a tendência e defesa de uma abordagem interdisciplinar por parte da Queer Theory. Neste ponto, estes teorizadores delinearam um paralelo entre a sua tentativa de analise do sexo, da sexualidade e das identidades de género, e a abordagem e objetivo intelectual dos women studies, em relação à preponderância do género na vida a mulher, sendo digno de constituir uma categoria concreta de análise histórica: “women’s history seeks to establish the centrality of gender as a fundamental category of historical analysis and understanding-a category central, in other words, to each of those previously existing sub-departments of history. Thus, women’s studies is not limited to the study of women’s lives and contributions: it includes any research that treats gender (whether female or male) as a central category of analysis and that operates within the broad horizons of that diverse political and intellectual movement known as feminism.” (The Lesbian and Gay Studies Reader, p. xv).

Por fim, com base nas questões de interdisciplinaridade e o intuito da adoção do termo queer anteriormente desenvolvidas, denota-se que a Queer Theory primava, não só pela manutenção do discurso e produção intelectual acerca da homossexualidade e dos vários grupos  que hoje agrupamos através da sigla LGBTQIA+, mas de uma tentativa de mitigar instâncias anteriores de falta de representatividade e de discriminação dentro desta mesma comunidade, levando a uma complexa relação com o ideal de identity politics, radicada nos movimentos de libertação e reivindicação de direitos civis, após a Revolta de Stonewall, em 1969.

Tal como refere Steven Seidman no seu ensaio “Identity and Politics in a ‘Postmodern’ Gay Culture: Some Historical and Conceptual Notes”, a organização destes grupos assumiu, inicialmente, um discurso de identidade que se aproximava da consciência coletiva de uma etnia, modelo de categoria identitária que não se coadunava com a heterogeneidade das várias orientações sexuais e identidades de género: “liberationism gave way in the late 1970s to an ethnic/minority sociopolitical agenda. Although this model proved effective in socially mobilizing lesbians and gay men, its emphasis on a unitary identity and community marginalized individuals who deviated from its implicitly white, middle-class social norms.” (p. 111). Neste sentido, a tentativa de expressar uma experiencia universal e comum nestes movimentos de libertação denotava uma marcada carência de análise e representação da interseccionalidade de diferentes categorias (por exemplo, etnia, classe social, género), que influenciam a experiência de cada individuo: “individuals do not have a core gay identity around which race or class add mere social nuance. Rather, individuals are simultaneously gay, male, African-American, Latino, or working-class, each identification being shaped and shaping the others.” (ibid., pp. 120-121). Além disso, a exclusão e marginalização de vários grupos identitários evidenciou-se ainda pela utilização de uma retórica essencialista no discurso destes movimentos, bem como uma oposição entre as posições sociopolíticas separatistas e assimilacionistas das comunidades em relação à sociedade em geral, dominada pela cultura heteronormativa.

Posteriormente, os preceitos das teorias construcionistas que se afirmaram durante as décadas de 70 e 80, analisando o modo como práticas homossexuais podem não ser equivalentes em diferentes culturas e meios, vieram em parte contrariar esta acepção de que as comunidades homossexuais tivessem uma experiência universalmente comum (ibid., p. 126).

Seidman refere ainda os moldes como o pós-estruturalismo influenciou o modo como as dinâmicas políticas e sociais entre as categorias de hetero e homossexualidade deveriam ser interpretadas. Por um lado, através da análise de ambas as categorias e da relação hierárquica de significado oposto que estabelecem entre si, com base na desconstrução de Derrida. Por outro, referindo que certos autores pretendem frisar a centralidade que a relação  deste binómio contém no panorama geral da cultura ocidental, como é o caso da obra já referida, Epistemology of the Closet, de Eve Sedgwick. Por fim, que os conflitos anteriormente referidos entre a comunidade e identity politics evoluíram para uma desconstrução e rejeição da ‘identidade’ em si: “The poststructural turn edges beyond an anti-identity politics to a politics against identity per se.” (ibid., p. 133). A partir deste ponto de vista, o autor compara esta abordagem pós-estruturalista em relação ao conceito de identidade e do sujeito, com a afirmação do grupo ativista Queer Nation, remetendo-nos às aceções de queer apresentadas no início do verbete: “Like the poststructural refusal of identity, under the undifferentiated sign of Queer are united all those heterogeneous desires and interests that are marginalized and excluded in the straight and gay mainstream. Queers are not united by any unitary identity but only by their opposition to disciplining, normalizing social forces. Queer Nation aims to be the voice of all the disempowered and to stand for the proliferation of social differences.” (ibid., p. 133).

 

Bibliografia

Annamarie Jagose: Queer Theory: An Introduction (1996); David Halperin: One Hundred Years of Homosexuality (1990); David Halperin, Henry Abelove & Michèle Aina Barale (eds): The Lesbian and Gay Studies Reader (1993); Nikki Sullivan: A Critical Introduction to Queer Theory (2003); Steven Seidman: “Identity and Politics in a “Postmodern” Gay Culture: Some Historical and Conceptual Notes”, in Fear of a Queer Planet, Queer Politics and Social Theory (2004). pp. 105-142; Teresa de Lauretis: “Queer Theory: Lesbian and Gay Sexualities, An Introduction”, in differences: A Journal of Feminist and Cultural Studies vol. 3, n. 2 (1991). pp. iii-xviii.

https://www.encyclopedia.com/history/dictionaries-thesauruses-pictures-and-press-releases/queer-theory