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A referência ou a designação é uma das funções da linguagem que consiste no processo pelo qual uma expressão é levada a remeter para coisas, objectos, factos, pessoas, estados de coisas, de factos ou de pessoas, quer reais quer imaginários, pondo assim em relevo a relação entre a linguagem e o mundo ou entre os nomes e as coisas. Também pode consistir no processo de identificação das instâncias que intervêm no processo da enunciação.

O papel da referência na significação não é entendido por todos os autores do mesmo modo, podendo situar-se as diferentes posições em torno de duas perspectivas opostas: a dos autores que consideram a referência como constitutiva da própria significação e a dos que sublinham a autonomia da significação em relação à referência.

Os autores que consideram a referência como uma componente intrínseca da significação tendem a considerar a linguagem como a realização de actos que intervêm de algum modo no mundo, ao passo que os autores que vêem a significação como um processo independente da referência distinguem na linguagem, por um lado, a língua ou o sistema abstracto das unidades verbais, constituído pelas relações, diferenciais ou paradigmáticas e opositivas ou sintagmáticas, que cada uma das unidades verbais estabelece com as outras unidades pertencentes ao sistema, e, por outro lado, a fala ou a actualização pelos falantes do sistema.

Para os autores que adoptam a segunda perspectiva, a referência é um processo extra-linguístico que pertence à fala ou à produção do discurso e não à língua, ao passo que os autores que consideram a referência como um processo constitutivo da significação ou não fazem a distinção entre o sistema e a sua actualização ou encaram o sistema como o resultado da prática discursiva dos falantes. Estas duas perspectivas recobrem, em grande medida, a oposição entre a linguística anglo-saxónica e a linguística continental.

Existem duas modalidades de referência. Temos, por um lado, a referência às instâncias da enunciação e, por outro lado, a referência aos objectos, aos factos, às pessoas, aos estados das coisas, dos factos e das pessoas para que o discurso remete. Tanto num caso como no outro, a referência pode depender daquilo que é manifestamente evidente aos interlocutores, mas pode ser manifestada verbalmente através de determinadas categorias de unidades verbais a que damos o nome elementos dícticos (do termo grego que significa manifestação ou ostensão). As unidades verbais que melhor se prestam a um uso díctico são os pronomes demonstrativos, como no enunciado «Dá-me esse livro que está em cima da mesa.» Aos elementos dícticos que remetem para as instâncias da enunciação deu Roman Jakobson o nome de shifters, termo que Emile Benveniste traduziu por embraiadores.

As instâncias da enunciação são o locutor, o tempo e o lugar em que ocorre a produção do enunciado. Embora qualquer unidade verbal possa ser usada como embraiadora, os elementos verbais que se prestam a desempenhar essa função são os pronomes pessoas, as desinências verbais que marcam a pessoa e o tempo dos verbos, os advérbios de lugar e os advérbios de tempo. No enunciado: «Peço-te que me telefones daqui a uma hora para minha casa», podemos facilmente identificar os embraiadores de pessoa (a 1ª pessoa do singular do verbo pedir, o pronome pessoal te), um embraiador de tempo (o sintagma daqui a uma hora) e um embraiador de lugar (o sintagma para minha casa).

Os dícticos podem ser usados gestualmente, como no caso do enunciado «Esta porta é de madeira», que exige habitualmente da parte do locutor um gesto indicador para que o alocutário possa identificar a porta a que o locutor se refere, ou ser usados simbolicamente, como no caso do enunciado «Esta cidade é muito bonita», que se refere habitualmente à cidade onde tanto o locutor como o alocutário se encontram no momento em que o locutor o enuncia.

Uma das características dos embraiadores é o facto de a sua referência depender em cada caso da enunciação. Como diz Emile Benveniste, «é “eu” quem diz “eu” no presente acto de enunciação». De igual modo, “tu” é aquele a quem o locutor dirige o seu enunciado, “aqui” é o lugar em que o locutor fala, “agora” é o momento em que o locutor fala. Mas não é só a identificação dos embraiadores que depende da enunciação, também a sua dimensão e duração dependem da estratégia enunciativa do locutor. “Aqui” tanto pode ter a dimensão do espaço ocupado pelo locutor, como ter a dimensão da seu alojamento, da cidade, do país ou do continente em que se encontra no momento em que fala. Do mesmo modo, “agora” tanto pode ter a duração do instante, como da semana, do mês, do ano, da década ou do século. A delimitação das instâncias da enunciação tanto pode ser precisa como vaga ou difusa, deixando, neste último caso, ao critério do alocutário a responsabilidade de decidir quais as fronteiras que as delimitam. Comparem-se os enunciados «Aqui, está um tempo maravilhoso, mas aí, na Ásia, há chuvas torrenciais», «Agora, toda a gente quer ter tudo, mas no meu tempo as pessoas contentavam-se com pouca coisa.»

{bibliografia}

Emile Benveniste, Problèmes de Linguistique Générale, Tel, Paris, ed. Gallimard, 1985, vol. 1., páginas 225 e ss.; vol. 2, 1985, páginas 67 e ss., 97 e ss.; Roman Jakobson, “Closing Statements: Linguistics and Poetics”, in T. A. Sebeok, ed., Style in Language, New York, 1960 (texto inserido em Roman Jakobson, Essais de Linguistique Générale, vol. 1, Paris, ed. de Minuit, 1963, reimpresso em 1986, páginas 176 e ss.); Catherine Kerbrat-Orecchioni, L’Enonciation, Paris, ed Armand Colin, 1997, páginas 34-70, 149-150, 175-176; Stephen c. Levinson, Pragmatics, Cambridge Univ. Press, 1983, páginas 54-96,169-174, 249-250, 313-315.