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Como falar: semiologia ou semiótica? Essa nomenclatura designa, grosso modo (mas há, também, uma delicadeza dos signos), a ciência dos signos e dos sistemas significantes (lingüísticos ou não-lingüísticos, como o teatro, o cinema, os ritos etc.); podemos, também, de maneira geral, enunciar que uma mesma diligência dissimula-se por detrás das diferentes denominações de “semiologia” e “semiótica”, oposição fundada, primeiramente, em razões históricas: o filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e o lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) conceberam, simultânea e independentemente (em sincronicidade, diria Jung – 1875-1961), um estudo dos sistemas de signos, e, de um modo mais geral, um estudo dos sistemas de significação, nomeado “semiotics”, pelo fundador do pragmatismo estadunidense, e “sémiologie” pelo mestre genebrino. Por outro lado, alguns estudiosos, como A Greimas, lituano, e J. Courtès, francês, propõem designar-se por “semiótica” a ciência dos signos concernente a um domínio particular (cinema, literatura, por exemplo) e de fazer da “semiologia” a “teoria geral de todas as semióticas particulares” . Já outros teóricos reservariam o termo “semiologia” aos objetos lingüísticos e o vocábulo “semiótica” aos objetos não-lingüísticos; para uma outra corrente de pensadores, a semiologia corresponderia às ciências humanas, ao passo que a semiótica teria como objeto as ciências do natureza. Se é incerta, talvez competitiva, a distinção entre semiologia e semiótica, pode-se observar que a designação “semiologia” diz respeito, sobretudo, aos trabalhos de Saussure e por ele inspirados, enquanto que o significante “semiótica” é mais utilizado pela tradição anglo-saxã, veiculando-se, amplamente, na cultura pós-moderna por força mesmo da hegemonia norte-americana. Ponderam Greimas e Courtès: “Essas sutilezas terminológicas, aparentemente fúteis, parecem-nos, entretanto, necessárias para servir de ponto de referência, porque permitem situar as opções fundamentais que presidiram à diferenciação progressiva entre a semiologia e a semiótica “.

Ligando-se à tradição da semiótica filosófica dos dois séculos que o precederam, Peirce lança as bases da semiótica como disciplina autônoma. O estado fragmentário de seus escritos, publicados postumamente (Escritos recolhidos – 8 volumes, 1931-1958), tornou e torna ainda difícil uma plena recepção de sua obra de pioneiro. Mencionamos aqui que também Ferdinand de Saussure nada publicou em vida, sendo suas aulas, ministradas em 1907, somente editadas, em 1916, como Cours de linguistique générale, por seus discípulos Charles Bailly e Albert Séchehaye. Será estigma dos grandes fundadores – Buda, Sócrates, Jesus Cristo, Maomé – não publicarem, deixando às gerações a missão da interpretação, o “conflito das interpretações” (Paul Ricoeur)? Entre os aspectos mais importantes da teoria peirciana, vale lembrar: a noção de “interpretante”, como um signo que interpreta um outro signo, e a tripartição dos signos: índice, ícone e símbolo (segundo se opere uma relação de contigüidade, de similitude ou de pura convencionalidade entre o signo e o referente). A Peirce liga-se Charles Morris (1901-1979), filósofo norte-americano, autor, entre outros livros, de Fundamentos de uma teoria dos signos (1938) e de Signos, linguagem comportamento (1946). A originalidade de Morris reside, principalmente, em ter ele tentado uma síntese entre a instância pragmatista e os aspectos da análise lingüística elaborada pelo neopositivismo. Conforme Morris, podem os signos ser estudados sob três diversos pontos de vista: o semântico, isto é, em relação com o referente; o sintático, em sua relação de combinação recíproca; o pragmático, em sua relação com o uso.

Semiologia ou semiótica? A escolha não é apenas terminológica, mas teórica. Gênios antitéticos, Saussure e Peirce conceberam, ignorando-se um ao outro, e, praticamente, ao mesmo tempo, a possibilidade de uma ciência dos signos, que procuraram instaurar. Se, apoiando-se em Locke, adotou Peirce o termo “semiótica “ (semiotics) para designar a investigação do universo dos signos, Saussure, por seu turno, através da “semiologia geral” (sémiologie générale), cujo objeto é os códigos e, sem exclusividade, todos os sistemas de signos -, procurou construir a semiologia da língua como sistema. Para Peirce, “l’homme entier est un signe, sa pensée est un signe, son émotion est un signe. Mais finalement ces signes, étant tous signes les uns des autres, de quoi pourront-ils être signes qui ne soit pas signe? Pour trouver le point d’ancrage du signe il faut que tout signe soit pris et compris dans le système de signe. Là est laconditionde la signifiance… “

No cerne de tudo – semiologia ou semiótica –, o signo, tema central para também um outro discurso: o signo, produtor complexo da semiose. Ora, como faz notar Umberto Eco: “A semiose é o fenômeno, típico dos seres humanos (e, segundo alguns, também dos anjos e dos animais), pelo qual – como diz Peirce – entram em jogo um signo, seu objeto (ou conteúdo) e sua interpretação. A semiótica é a reflexão teórica sobre o que seja a semiose. Em conseqüência o semiótico é aquele que nunca sabe o que seja semiose, mas está disposto a apostar a própria vida no fato de que ela exista “.

No labirinto, atraente e ameaçador, da ciência dos signos – uma aventura semiológica, segundo o semiólogo francês Roland Barthes -, só temos a trêmula certeza, enunciada , no final esteticista de mais um século, do alto de sua epistemologia poética, por Mallarmé (1842-1898) – aquele poeta mesmo da poesia como “jogo de dados”: “le monde est fait pour aboutir à un beau livre”. Não será esse “belo livro” uma infinita tessitura de signos, que a semiologia, ou semiótica, lê e recria?

{bibliografia}

Charles S. PEIRCE. Semiótica ( 1977). Ferdinand de SAUSSURE. Cours de linguistique générale (1965). A.J., GREIMAS, . e J. COURTÈS, Dicionário de semiótica, p. 405-408 (1999). Émile BENVENISTE. Problèmes de linguistique générale. ( 1974). Umberto ECO, Sobre os espelhos, p. 11, nota (1989).

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