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Termo relativo ao sujeito implícito ou explícito no texto literário; é o conjunto de manifestações discursivas afectas ao sujeito implicado num texto quer seja o autor, o narrador, a personagem ou o sujeito de uma composição poética. Opõe-se comummente a objectividade, que designa os aspectos referentes à opacidade dos factos representada no texto. A subjectividade diz respeito ao conhecimento de um sujeito/indivíduo em contacto com o mundo quer o objecto de conhecimento seja ele próprio quer sejam aspectos desse mesmo mundo.

A época moderna deu um lugar central ao conceito de sujeito. Abandonando o carácter abstracto no entendimento do ser individual da antiguidade, a modernidade é caracterizada por uma estrutura de auto-relação referente à subjectividade. Para Hegel, o princípio do mundo moderno é a liberdade da subjectividade. Esta implica quatro conotações: individualismo; direito à crítica; autonomia do agir; a filosofia idealista.

É durante o século XIX que a subjectividade moderna configura, de facto, a cultura ocidental. A arte romântica, por exemplo, é determinada por uma interioridade absoluta, que remete inegavelmente para a subjectividade. A realização expressiva própria do romantismo, que é também uma forma de vida, apreende a realidade como uma manifestação através do eu. Segundo Hegel, a vida religiosa, o Estado e a sociedade, tal como a ciência, a moral e a arte tornam-se incarnações do já referido princípio da subjectividade. A subjectividade torna-se, então o princípio universal e efectivo de uma nova forma do mundo, a moderna.

A universalidade do sujeito individual corresponde ao dualismo espírito (alma) / corpo na medida em que só o espiritual é universal. A espiritualidade apontada toma também a designação de racionalidade enquanto razão centrada no sujeito. Deste modo, a subjectividade adquire um valor supremo, facto cultural que tem vindo a ser criticado. Com antecessores como Marx, Nietzsche e Heidegger até contemporâneos como Bataille, Lacan, Foucault e Derrida, todos acusam a razão (vector organizativo das sociedades ocidentais), que é fundada na subjectividade universal e que é erigida como um absoluto. As obras destes autores, sendo em si muito diferentes, são estratégias para superar o positivismo da razão. Apresentam a consciencialização e a emancipação modernas como instrumentos de objectalização e de controle sob formas de dominação dissimulada. A crítica mais radical vem de Nietzsche cuja obra pretende desmascarar uma racionalidade orientada para fins específicos e centrada no sujeito, que mais não é do que poder, a vontade de poder, oculta pela suposta universalidade da razão e do sujeito.

De um modo mais restrito, a subjectividade, manifesta no texto literário, acompanhou o processo de descrédito já mencionado. No início da época moderna, foi encarada como um princípio libertador, fonte de confessionalismo, que se desenvolveu nas literaturas românticas mas, progressivamente, o seu impacto tem vindo a diluir-se. Desde o simbolismo, e acentuando-se com os modernismos, a subjectividade tem vindo a ser entendida como a possibilidade que o escritor tem de interpretar a vida e o mundo enquanto idiolecto de autor visto que os aspectos subjectivos do texto literário já não dizem respeito apenas à vontade, ao entendimento e à razão de um indivíduo, o autor. Estes valores tornaram-se relativos (porque insuficientes) à luz das várias desconstruções de finais do século XIX, a de Freud, a de Marx, a de Nietzsche. Deste modo, a subjectividade tornou-se sinónimo de “impoder” pela transgressão desindividualizada. O não poder atribuído à subjectividade é uma forma de resistência ao totalitarismo da realidade, que o escritor pode optar por rejeitar. No caso actual, as sociedades democráticas modernas (as europeias e a norte-americana) produzem um modelo de realidade para o qual, neste final de século XX, não se vêem alternativas. A literatura pode responder ao “asfixiamento” presente, em que se tornou a realidade individual e social contemporânea, através de uma dialéctica negativa. Por exemplo, o romance moderno surge como forma cognitiva e simbólica, constituindo um espaço próprio, o para-narrativo.

O pós-modernismo, quando entendido como o código dominante na literatura ocidental desde os anos 50, representa o estilhaçamento da subjectividade moderna. Num tempo de secularização absoluta, que é o actual, a escrita pós-modernista define-se por acolher todas as propostas, muitos pontos de vista, por rejeitar as hierarquias discriminadoras, acabando por não distinguir entre verdade e ficção, entre passado e presente, entre significativo e irrelevante. Na narrativa, tais características manifestam-se pelos finais múltiplos, enredos labirínticos, arbitrariedade, descontinuidade. De facto, o romance do último pós-guerra nega a certeza da representação (que lhe era próprio) e institui-se como anti ou auto-representação, havendo nesta passagem uma “perda de referente” devido à instabilidade da narração e à variabilidade dos campos narrativos e temáticos. Num mundo de consumo generalizado, de indiferenciação de categorias devido à necessidade moderna de neutralidade, de objectividade e de democratização, o próprio conceito de subjectividade perde a pertinência visto que os sujeitos surgem como entidades reificadas pela comunicação ilimitada, pela globalização das estruturas sociais e económicas. O desgaste do princípio de realidade advém da transparência da sociedade, que desrealiza os acontecimentos pela imagem; todas as coisas que existem são objecto de conhecimento, de análise e de visionamento, petrificando-se. Perante a acumulação de informação transbordante, a literatura tem que assegurar um espaço autónomo. A distinção dos discursos literários decorre do primado da escrita como prática intransitiva, estética por excelência, liberta da comunicação comum, que, consequentemente, os reenvia enquanto realização da função poética da linguagem.

A diluição da subjectividade prende-se também, em larga medida, com a crise da ideia de História como curso unitário. O enquadramento dado pela História é, hoje em dia, paradoxal. Por um lado, desenha-se para alguns o “fim da História” pela generalização imanente do modelo liberal e democrático; por outro lado, as narrativas históricas multiplicam-se, pondo em causa um ser humano ideal (o homem europeu moderno). Diluição que dá origem à multiplicidade de subjectividades, já não universais mas locais, expurgando-as de referências generalizáveis. O posicionamento do sujeito face ao mundo é, agora, difícil e, por vezes, insustentável. A subjectividade é literalmente atravessada pela repetição, pela saturação e pela metamorfose. A tematização da subjectividade é configurada pela multiplicidade de perspectivas e já não é tributária de uma subjectividade de carácter auto-reflexivo. Esta expressão radical pode inscrever os signos vazios da subjectividade; tal é o caso de inúmeros textos de Samuel Beckett.

Esta confluência negativa pode também ser interpretada como a passagem do registo realista para o poético. Na narrativa, por exemplo, o narrador-sujeito, partindo da subjectividade (e rejeitando uma objectividade de teor realista), inscreve, frequentemente no texto, diversos registos de discurso como o ensaístico, o filosófico, o lírico, etc..No final, não é tanto a subjectividade que impera (à maneira romântica) mas o perspectivismo como abertura do texto às possibilidades do mundo. O percurso literário de Vergílio Ferreira é sintomático dessa opção gradual por uma subjectividade descentrado, aberta e fragmentária. De Manhã Submersa (1954) a Para Sempre (1983), o autor transmite, no texto romanesco, uma subjectividade cada vez menos afecta apenas ao narrador-personagem e cada vez mais sinónimo de uma transfiguração poética do mundo narrado.

{bibliografia}

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