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Em sentido genérico e comum, verossimilhança é a qualidade ou o caráter do que é verossímil ou verossimilhante; e verossímil, o que é semelhante à verdade, que tem a aparência de verdadeiro, que não repugna à verdade provável. Como se sabe, o entendimento do que seja verossimilhança é fundamental para o estudo da literatura e das artes em geral desde a Poética de Aristóteles, que entendia que “pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade” (Aristóteles, Poética, Abril Cultural, 1984).

Diferentemente da noção de verdade e de verdadeiro, entende-se desde então por verossímil na ordem narrativa tudo o que está ligado ao campo das possibilidades simbólicas relativas ao homem e à história. Desde então, todo questionamento quanto aos possíveis sentidos da verossimilhança está relacionado ao entendimento das referências que norteiam a sua constituição.

Passou-se assim à possibilidade de consideração de duas grandes modalidades ou formas de verossimilhança inter-relacionadas: (a) a interna, que emerge da própria estrutura da obra apresentando os componentes fundamentais de sua coesão interna, congruentes com as demais partes da construção narrativa que dessa forma não parece imposta ou enxertada como um corpo estranho dentro da obra narrativa. Esta forma de verossimilhança está diretamente relacionada ao modo mesmo como a obra está sendo concebida como objeto de representação lingüística e simbólica e assim confunde-se com a própria mímese tanto em seu sentido de produto como de produção; (b) a externa, que estuda principalmente a estrutura do discurso narrativo e suas possíveis relações com a série dos outros discursos disponíveis na sociedade e na cultura onde a obra se dissemina e tem o seu modo de recepção. Isto assim posto significa que todo critério de verossimilhança que venha a se estabelecer é relativo e em parte dependente da ordem constituinte dos discursos que o cercam e se constituem como princípio de realidade ou de referencialidade. Porque em última instância, é disso que se trata: qual a realidade que a obra literária apresenta e representa ao leitor?

A verossimilhança externa utiliza um conhecimento já sedimentado por parte do receptor da obra artística, o que facilita sua leitura e aceitação. Aí se integram tanto exemplos de Aristóteles sobre a referência às famílias ilustres apresentadas pelos trágicos, quanto às modernas novelas de televisão que reciclam constantemente a mesma narrativa, tornando a qualidade desta verossímil a cada vez por um processo de redundância típica da cultura de massa. A certeza do receptor, ou no caso, do consumidor, decorre de indicadores externos, de discurso já arqueologicamente constituído e fixados como sentido comum. A verossimilhança interna, ao contrário, apóia-se intrinsecamente na necessidade morfológica da própria organização da narrativa. Na verossimilhança externa, a referência é bastante explícita ou pelo menos de mais fácil verificação. Na interna, depende da composição, do arranjo das partes entre si e da significação que pode então produzir. Segundo Luiz Costa Lima “verossimilhança (…) sempre resulta de um cálculo sobre a possibilidade de real contida pelo texto e sua afirmação depende menos da obra que do juízo exercido pelo destinatário. A obra por si não se descobre verossímil ou não. Este caráter lhe é concedido de acordo com o grau de redundância que contém” (Luiz Costa Lima, Estruturalismo e Teoria da Literatura, Vozes, 1973). A partir deste foco, a especificidade do que seja artístico fica na dependência da ordem de interpretação ou recepção do destinatário que com ela dialoga.

Conforme ficou anteriormente dito, o conceito de verossimilhança está na dependência do possível e do necessário. Sem esses elementos, a mímese, como pensada por Aristóteles, ainda seria dependente do modelo platônico que estabelecia uma relação de sacralidade com a idéia original, e a criação artística pôde deixar de ser uma imitação da imitação, uma forma menor da atividade humana. O conceito de mímese só adquiriu seu sentido próprio quando, ao discutir a noção de unidade de ação, Aristóteles considerou que a unidade de qualquer objeto que possa ser objeto da mímese não decorre da pura e simples imitação, pois “há muitos acontecimentos e infinitamente variáveis, respeitantes a um só indivíduo, entre os quais não é possível estabelecer unidade alguma” (Aristóteles, Poética, Abril Cultural, 1984). É a partir deste momento da Poética que se estabelece relação estreita entre verossimilhança, possibilidade e necessidade. Ou seja, que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu e sim de representar o que poderia acontecer, aquilo que é possível, verossímil e o necessário à organização de uma determinada obra. Por isso poeta e historiador são figuras tão distintas entre si, pois o primeiro narra fatos sucedidos e o segundo, fatos possíveis.

Podemos então perceber que qualquer operação mimética é conduzida por um critério fundamental que, em última instância, é a verossimilhança. É ela que situa a mímese na fronteira do possível, objeto morfológico da mímese por excelência e não verdade ou realidade em qualquer de suas acepções. Devemos então considerar que é o critério de verossimilhança que subordina a dupla articulação da mímese: a externa, ligada às referências exteriores de tempo e espaço, e a interna, referida à seleção e disposição estrutural do material discursivo do tema desenvolvido. Dada a ênfase aristotélica na dependência maior da mímese ao seu princípio de organização, a verossimilhança interna acaba por se impor como critério fundamental para a produção literária ou artística, onde tudo é verossímil ou possível, mesmo aquilo que possa vir a ser considerado como inverossímil, desde que devidamente determinado, representado ou simulado como possível ou admissível por aqueles que interagem com a obra artística e suas possíveis leituras.

A verossimilhança, cujo grau maior exigido pela ação é a necessidade, tem por função principal a coesão e a unidade entre as partes da narrativa que assim não precisa ser historicamente “verdadeira”, bastando que seja verossímil dado que o poeta, o artista tem liberdades e obrigações no que diz respeito à ação e seus desdobramentos. É por essa razão que o maravilhoso, comentado por Aristóteles em sua Poética, não apresenta nenhuma contradição frente às possibilidades da produção da mímese e sua competência como possível e verossímil.

{bibliografia}

Aristóteles. Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

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Luiz Costa Lima. Estruturalismo e Teoria da Literatura. Petrópolis: Vozes, 1973.

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René Wellek e Austin Warren. Teoria da Literatura. Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 1976.

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