Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

O sem-sentido; a inconformidade com as leis da coerência e da lógica; diz-se de todo o texto que não possua lógica interna e não obedeça a determinadas regras ou condições. O trabalho de desconstrução textual pode ser considerado uma tentativa de redução de um texto a um estado ad absurdum, pela revelação das suas contradições internas e impossibilidades lógicas, quer sejam imanentes a esse texto quer lhe sejam impostas. Falamos então dos absurdos de um texto quando nos referimos às suas proposições, ideias ou teses sem sentido.

Na história da filosofia, o absurdo é um conceito que remonta aos eleatas, sobretudo aos paradoxos de Zenão de Eleia que reduziram à condição de absurdo as teses pitagóricas. Diógenes de Laércio considerou inclusive Zenão de Eleia o criador da dialéctica, então entendida como a lógica que se reduziu ao absurdo. Este tipo de redução será ainda explorado pelos escolásticos, em dois métodos principais (que hoje podemos reconhecer, por exemplo, quer nas estratégias desconstrucionistas quer nos processos de construção de discursos parodísticos de muita literatura pós-moderna): a probatio per absurdum (a “prova pelo absurdo”, isto é, a demonstração da verdade de uma proposição pela falsidade evidente da proposição que se lhe opõe) e a reductio ad absurdum (a “redução ao absurdo”, um método irónico que visava ridicularizar uma doutrina adversária pela demonstração da falsidade de uma proposição levada até ao extremo das suas consequências). Na história da lógica até à Escolástica, vemos que o absurdo é tomado como sinónimo do falso.

Na história da teologia, o termo está testado em Tertuliano (160?-230), fundador da Igreja, que argumentou que a maior verdade do Cristianismo era a sua absurdidade: Creo quia absurdum est. (“Creio porque é absurdo.” – frase atribuída erradamente a Santo Agostinho) foi a sua resposta, perante o facto de ser tão irracional ter existido alguém que tenha sofrido tanto pela humanidade que tal só pode ser verdade, pois ninguém iria inventar tamanha absurdidade. Esta tese será retomada por Kierkegaard muitos séculos mais tarde.

Contemporaneamente, o termo está relacionado com o existencialismo francês, tendo sido aplicado a muita literatura do género. O absurdo é o que resiste a todas as questões existenciais; é o que fica depois de perguntarmos qual o sentido da existência. Neste sentido, o ensaio de Albert Camus sobre o absurdo, O Mito de Sísifo, fez escola, mostrando que todo o esforço humano, representado na figura mítica de Sísifo, é inútil. A tradição racionalista que colocava o homem no centro de uma ordem social equilibrada, onde se revelava sempre ou como herói ou como indivíduo que respeita os bons costumes, sucede agora uma visão do homem como indivíduo solitário, destituído de qualquer moral, jamais possuindo qualquer verdade, e sempre angustiado perante o nada para onde terá que caminhar irremediavelmente. O universo de Camus é um mundo feito de despropósitos, onde nada tem valor ou sentido. Portanto, a existência humana que aí se observa tem ela própria uma natureza absurda. As personagens da ficção de Kafka, por exemplo, vivem muito desta condição de absurdidade, pois são empurradas para situações incompreensíveis das quais não se vislumbra nenhuma saída. Este tipo de situação tem sido explorado de forma singular no drama contemporâneo, sobretudo a partir do teatro de Beckett, constituindo inclusive um género autónomo conhecido por teatro do absurdo. Quer neste tipo de teatro quer na ficção que explora a absurdidade, o denominador comum é a crença numa condição humana desprovida de sentido, a qual só pode ser revelada por obras literárias que sejam também elas próprias, pelo menos na aparência, marcadas pela mesmo sem sentido. A principal diferença entre os dramaturgos do absurdo e os romancistas existencialistas consiste na tentativa de explicação do real que apenas os segundos admitem ser possível.

O nonsense, ou o absolutamente sem-sentido, o grotesco, ou representação do ridículo, o fantástico, ou as representações para além do real, o humor negro, ou o mero recurso cómico ao macabro, são conceitos próximos do absurdo, mas devem ser distinguidos entre si. A distinção mais difícil talvez seja entre o sem-sentido (ou nonsense) e o absurdo, que apresentámos como sinónimos na definição de abertura do termo (tese defendida, por exemplo, por Thomas Hobbes, em Leviatã e em De Corpore, onde apresenta uma tábua de proposições absurdas). Em Investigações Lógicas (III, 12), Husserl entende-os como diferentes entre si, porque o sem-sentido não possui uma gramática, isto é, não tem leis naturais de significação, ao passo que o absurdo é apenas visto como uma parte especial do que tem sentido, sendo por isso sinónimo de contrasenso. Sendo este tudo o que é contrário ao bom-senso, portanto, tudo o que imobiliza o senso comum, a literatura do absurdo tende a não distinguir estes termos. Esta literatura pode ser identificada no teatro de Plauton, nas paródias medievais, nas nursery rhymes, no Book of Nonsense (1846), de Edward Lear, em Through the Looking-Glass (1871), de Lewis Carroll, no teatro do absurdo, que explora todas as formas de ausência ou incapacidade de comunicação.

 

Bibliografia:

 

Albert Camus: O Mito de Sísifo: Ensaio sobre o Absurdo (2ª ed. rev. e aum., 1945); Arnold P. Hinchliffe: The Absurd (1969); B. K. Banker: “Albert Camus and the Concept of the Absurd”, Commonwealth Quarterly, 5, 17 (Karnataka State, India, 1980); Charles B. Harris: Contemporary American Novelists of the Absurd, (1971); David D. Galloway: The Absurd Hero in American Fiction: Updike, Styron, Bellow and Salinger (1966); Donald Palumbo: “The Question of God’s Existence, the Absurd, and Irony: Their Interconnection in the Philosophical and Literary Works of Sartre and Camus”, Lamar: Journal of the Humanities, 12, 1 (Beaumont, TX, 1986); Elizabeth Sotirova: “The Absurd as a Specific Form of Realism”, History of European Ideas, 20, 1-3 (Tarrytown, NY, 1995); Gerhard Hoffmann: “The Absurd and Its Forms of Reduction in Postmodern American Fiction”, in Approaching Postmodernism: Papers Presented at a Workshop on Postmodernism, ed. por Douwe Fokkema e Hans Bertens (1986); H. Gene Blocker: The Metaphysics of Absurdity (1979); Henri Peyre: “The Notion of the Absurd in Contemporay French Literature”, Prose, 4 (Nova Iorque, 1972); J. Cruickshansk: Albert Camus and the Literature of Revolt (1959); J. Quilles: Jean-Paul Sartre: El existencialismo del absurdo (1949); Jacqueline Lévi Valensi: “Aspects de l’absurde dans quelques romans français contemporains”, Francofonia, 10 (Florença, 1986); Jean Bessière: “Mimesis de l’absurde”, La Revue des lettres modernes, 767-770 (Fleury-sur-Orne, 1986); L. Kofler: Arte abstracto y literatura del absurdo (1974); Naomi Lebowitz: Humanism and the Absurd in the Modern Novel (1971); P. van den Bosech: Les Enfants de l’absurde (1955); Raymond Poulin: «Les Figures de l’absurde dans les récits et essais d’Albert Camus», Tese de Doutoramento (Univ. de Montreal, 1992); Richard Boyd Hauck: A Cheerful Nihilism: Confidence and “the absurd” in American Humorus Fiction (1971); Richard E. Baker: The Dynamics of the Absurd in the Existencialist Novel (1993); Richard Law: “The Absurd and Science Fiction”, Pennsylvania English, 10, 2 (1984); Robert A. Hipkiss: The American Absurd: Pynchon, Vonnegut, and Barth (1984); S. Cantaro: El absurdo o filosofía del absurdo (1952); Stephen M. Halloran: “Language and the Absurd”, Philosophy and Rhetoric, 6 (1973); W. F. Haug: Kritik des Absurdismus. Untersuchungen zur Konstruktion des “Absurden” vor allen bei J.-P. Sartre (2ªed., 1977).