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O termo actor, se bem que possa ser confundido com o de personagem ou o de dramatis persona, encontra‑se escorado por todo um quadro conceptual próprio que lhe confere um estatuto específico no âmbito do projecto semiótico greimasiano. Em Du Sens II, Greimas considera que o actor se encontra, relativamente aos empregos sintácticos, numa situação comparável à de um lexema nominal prestando‑se a todas as manipulações sintácticas (Greimas, 1983: 59). Presume‑se, portanto, que se trata de um feixe de traços sémicos relativamente estável que sobrevive ao longo do texto independentemente dos desenvolvimentos sintácticos entretanto registados.

O actor não só é o operador das transformações narrativas, como ainda representa o ponto de convergência das estruturas narrativas e das discursivas uma vez que nele se conjugam um ou mais papéis actanciais (resultantes da combinação de diferentes modalidades (v.) conferindo ao sujeito do fazer uma competência específica dentro de um programa narrativo dado) e um ou mais papéis temáticos (que mais não são do que a condensação dos percursos figurativos patentes na componente discursiva do texto). Recebe assim os investimentos da sintaxe narrativa de superfície e da semântica discursiva.

O actor não se manifesta forçosamente como indivíduo nem tem que ser figurativo. Por vezes apresenta‑se como uma entidade colectiva (os troianos, na ópera de Berlioz, ou o povo luso na epopeia camoneana) e pode chegar a representar conceitos não‑figurativos, como “a Morte”, no Sétimo Selo de Igmar Bergman, ou “a Providência” em Robinson Crusoe.

Actante e actor, encontrando‑se embora estreitamente ligados, não devem ser confundidos. O primeiro possui uma existência puramente sintáctica ao qual, a fim de se construirem os enunciados narrativos simples, são atribuídos determinados predicados, sejam eles qualificativos ou funcionais. Consoante a posição do actante no encadeamento da narrativa, consoante as modalidades que vai adquirindo, assim também se vão definindo os vários papéis actanciais que assume: tem‑se então em consideração não só as dicotomias que se instauram entre sujeito e objecto, entre destinador e destinatário, entre adjuvante e oponente, mas igualmente os investimentos modais que qualificam o sujeito como sendo do querer, do saber, ou do poder. Falarmos, todavia, do sujeito não é o mesmo que falarmos da trágica filha de Édipo e Jocasta, Antígona, que corajosamente se opõe ao seu tio Creonte, ou de Julien Sorel, o temerário jovem de Le rouge et le noir, ou ainda de Gustav Aschenbach, o escritor enamorado que percorre em delírio de morte as páginas de Der Tod in Venedig.

Na realidade, se o actante nos aparece como um conceito operatório apenas válido no domínio da análise do plano semionarrativo, considera‑se o actor como a sua concretização ao nível do discurso, marcado pelo sema individuação e portator de um nome próprio ou de um nome comum (neste último caso designando o papel temático por ele desempenhado, como sejam “a fada”, “o príncipe“, “o padre”, etc.). A onomástica e a individuação — aqui entendida sempre como um efeito de sentido — são, portanto, os dois elementos essenciais para a instituição da identidade actorial. Esta última, através do recurso à anaforização, permite o estatuto suprafrásico do actor e, consequentemente, assegura a sua permanência ao longo do texto. Se é possível que vários lexemas dispersos num dado texto remetam para um mesmo objecto semiótico, isso significa que um determinado actor (digamos, “Julien Sorel”) nos pode surgir referenciado por via de algo tão simples como deícticos ou de algo um pouco mais elaborado como perífrases mais ou menos complexas (“o filho do serrador”; “o jovem ambicioso”; “o perceptor honrado”; “um condenado à morte”), sendo que cada um destes não só denomina um papel temático ditado pelas configurações patentes no discurso, como ainda deixa perceber o papel actancial que nesse preciso instante ele desempenha no plano narrativo (se ao “jovem ambicioso” corresponde o sujeito do querer poder, já o “perceptor honrado” será a manifestação do sujeito do saber, enquanto que o “condenado à morte” emolda o sujeito do não‑poder querer).

Convém, no entanto, lembrar que da mesma forma como a um único actor podem ser atribuídos vários papéis actanciais, assim também estes se podem distribuir por uma multiplicidade de actores. A tal dispersão máxima por actores autónomos de cada actante ou papel actancial deu Greimas o nome de estrutura actorial objectivada (Greimas, 1983: 57), ou ainda distribuição sociologizante dos actores (Greimas e Courtés, 1979: 9). Em Rupert of Hentzau (1898), de Anthony Hope, por exemplo, o anti‑sujeito traduz‑se, em termos discursivos, em tantas figuras como as de Rupert, Rischenheim, Bauer e “Mother” Holf, enquanto que o sujeito transparece através de Rassendyll/Rudolf, Sapt, Fritz von Tarlenheim, Bernenstein e James.

Noutras narrativas, porém, sujeito e anti‑sujeito habitam o mesmo actor. O conflito psicológico erosivo, a tensão permanente que desgasta a força anímica num processo irreversível de auto‑destruição como sucede em muitas narrativas baseadas no motivo do Doppelgänger (como sejam os casos de The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (1886), de R. L. Stevenson, e de The Picture of Dorian Grey (1891), da autoria de Oscar Wilde) são corolário de tal sincretismo. A estes casos, Greimas refere‑se‑lhes como patenteando uma estrutura actorial subjectivada (Greimas, 1983: 57), ou ainda distribuição psicologizante dos actores (Greimas e Courtés, 1979: 9).

 

Bibliografia:

 

A. J. Greimas: Sémantique Struturale (1966); Id.: Du Sens: Essais smiotiques (1973); Id. : Du Sens II: Essais smiotiques (1983); A. J. Greimas e J. Courtés: Sémiotique: Dictionnaire raisonné de la théorie du langage (1979); Groupe d’Entrevernes: Analyse sémiotique des textes: Introduction, théorie – pratique (1979).