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[Do gr. aphorismós, “limitação; definição; breve definição, sentença”.] Aparece, na maioria dos dicionários, com este sentido, ou seja, com uma definição semelhante à de provérbio, dito, ditado, dizer, adágio, rifão, anexim e à de máxima, sentença, apotegma, sendo as fronteiras entre estes termos pouco definidas. O aforismo e esta segunda série de termos podem ter, no entanto, uma dimensão mais culta. Surge como ponto de contacto entre o filosófico e o literário: ”Forme de transition qui organise le général et lui impose l’empreinte de l’individuel, l’aphorisme se trouve à la frontière de la philosophie” (Silvian Iosifescu, “L’aphorisme et la poésie des idées”, Cahiers roumains d’études littéraires, 1, 1987, p.54). Deve ser analisado segundo o conteúdo semântico e os padrões estruturais. É um estilo de discurso ligado à percepção do mundo e que pode contribuir para a expressividade da mensagem.

A análise linguística dos aforismos pode revelar certas estratégias lexicais, sintácticas e semânticas. Assim, para além do conteúdo, deve-se ter em conta a forma de expressão, normalmente curta e concisa. Tem habitualmente sentido figurado e grande expressividade estilística. A sua função pragmática é fundamental. A forma lacónica, de expressão curta, e a natureza de máximo apuramento dos aforismo propicia uma grande condensação de potencialidades significativas, apresentando assim um código de prescrições sociais para a interpretação da realidade. O recurso frequente a palavras polissémicas, a sinónimos, antónimos, a perguntas retóricas, torna-o um instrumento clássico do poder do discurso. Pode aparecer como afirmação política, filosófica, moral, apresentando um ideal de sabedoria.

Pode também ter o significado de um princípio científico comprovado pela experiência. Hipócrates (séc.V a.C.), por exemplo, é autor da obra Aforismos, que reúne 400 máximas de medicina. É um dos modos de expressão frequentes em filosofia. Segundo alguns autores, o aforismo filosófico tem uma pretensão de verdade, enquanto o A. puramente literário tem uma potência de expressão inesgotável. Trata-se, assim, de um termo que aparece nos dicionários de filosofia. Relacionado com a gnomologia (filosofia sentenciosa) e com “epifonema”, que poderá ser uma das formas de utilização do aforismo, já que aquele é uma exclamação sentenciosa, mas numa determinada posição na economia textual, ou seja, terminando uma narrativa ou um discurso.

É nas literaturas orientais que se encontram os mais antigos documentos de índole aforística. Encontram-se nos escritos de várias civilizações, sendo uma forma de expressão internacional e intemporal, o que não impede que possam ter marcas das ideologias dominantes em cada época. Cerca de 2000 anos a. C. aparecem máximas, sentenças hindus; na China há também larga documentação aforística. São fórmulas que pertencem à literatura sacra e o seu carácter esotérico continuará no budismo. Vários autores reuniram aforismos ou compuseram livros de carácter aforístico também na Europa. A Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura dá exemplos como João de Meditauro (séc. XI), La Rochefoucauld (Maximes, 1664), Pascal (Pensées, 1670), Schlegel, Novalis, Nietzsche, Chesterton, Ebner-Eschenbach, etc.

Como forma literária independente e culta o aforismo caracteriza o classicismo: “Le goût pour la concentration lapidaire de la pensée, l’attitude moraliste avec son illusion de découvrir des coordonnées psychologiques valables partout et toujours, la sagacité didactique, l’intellectualisme classique trouvent leur meilleure expression dans les maximes, les sentences, les pensées et les réflexions. (…) Les maximes accumulées deviennent donc les exposants de l’individualité et de l’histoire. À travers elles, un homme témoigne de son époque et s’exprime en simulant l’objectivité d’un énoncé général” (Iosefescu, idem, p.50 e 52).

A relação entre a confissão e os enunciados sentenciosos é conservada sobretudo nos diários, nas memórias (como por exemplo em Kafka ou Camus). Há também exemplos portugueses de várias épocas, como D.Francisco de Portugal (Sentenças, ed.post., 1605), Matias Aires (Reflexões, 1752), Rodrigues Bastos (Colecção de máximas e provérbios, 1845), Fernando Ribeiro de Mello (Nova recolha de provérbios portugueses e outros lugares comuns, 1974). Autores como Sá de Miranda, D. Francisco Manuel de Melo, P. Manuel Bernardes, têm obras de pendor aforístico. A escritora contemporânea Agustina Bessa-Luís publicou, em 1988, a obra Aforismos e Virgílio Ferreira, em 1992, publica uma obra que não se assume com essa designação mas que tem pendor aforístico: Pensar. No sentido mais corrente, de sabedoria popular, um exemplo de aforismo pode ser “Tal pai, tal filho”; no sentido mais elaborado: “A virtude dos perversos está em que, em consciência, não se permitem alianças”, “De todas as coisas, a menos susceptível de se comunicar é o amor; mas a fé no amor, essa age sempre com um conhecimento acessível a todos os homens” (Agustina Bessa-Luís, Aforismos, Guimarães Editores, 1988, pp.126 e 127).