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Termo grego de origem órfico-pitagórica que traduz a crença na metempsicose das almas. Como figura de pensamento, serve para um orador fingir que se lembra de repente de algo importante para o seu discurso.

A anamnesis ou reminiscência foi estudada por Platão dentro da teoria das Formas, que Aristóteles rejeitará posteriormente. Aristóteles utiliza o termo apenas para designar a recordação de sensações passadas, em oposição à aisthesis, que se refere às sensações actuais. Aplicado à literatura, o termo diz respeito a um acto discursivo que recupera dados concretos do passado, sem se deixar comandar pelas emoções particulares. Assim acontece com Próspero, em The Tempest, de Shakespeare, que narra a Miranda as ofensas que o irmão dela lhe dirigiu. Podemos dizer que esta operação se aproxima da analepse quando um texto recupera algo que se simula esquecido. Tal processo literário não difere do movimento psicanalítico da anamnese, aliás, testemunhado por um poeta-médico como Miguel Torga: “Há um lance no exercício da profissão que sempre me apaixonou: a anamnese. O relato dos padecimentos feitos pelo doente à cordialidade inquisidora do médico.” (Diário X, Coimbra, 1968). Certas espécies literárias como as memórias, o diário e todos os textos autobiográficos utilizam mecanismos anamnésicos. Também as grandes narrativas não dispensam as rememorações, como em À la recherche du temps perdu, de Proust, ou mesmo nos grandes poemas, como em The Waste Land, de T. S. Eliot. O trabalho da anamnesis é em tudo semelhante, para efeitos literários, ao trabalho da memória. Um livro como Para Sempre (1983), de Vergílio Ferreira, pode ser construído todo em anamnesis, cujo léxico é suportado pelo elogio da memória “terna” e “suave”, moderação essencial à reminiscência: “Suspensa da eternidade, vejo-a, ó memória terna – mas linfatismo, não. Projectada contra o céu azul, olho-a desde a minha aflição – para quê? para quê? – sê calmo. Memória suave, recostar nela o meu cansaço, a minha cabeça de sombra – silêncio.” (10ª ed., Bertrand, Venda Nova, 1996, p. 119).

 

Bibliografia:

 

Jean-François Lyotard: “Anamnese”, Hors Cadre: Le Cinema a Travers Champs Disciplinaires, 9 (Saint Denis, França, 1991); John F. Desmond“Huckleberry Finn and the Failure of Anamnesis”,  Mark Twain Journal, 21, 4 (1983); Karl Eibl: “Anamnesis des ‘Augenblicks’: Goethes poetischer Gesellschaftsentwurf in Hermann und Dorothea”, Deutsche Vierteljahrsschrift fur Literaturwissenschaft und Geistesgeschichte, 58,1 (Stuttgart, 1984); William Bonnell: “Anamnesis: The Power of Memory in Herbert’s Sacramental Vision”, George Herbert Journal, 15, 1 (Fairfield, CT, GHJ, 1991); William E. Engel: “Aphorism, Anecdote, and Anamnesis in Montaigne and Bacon”, Montaigne Studies: An Interdisciplinary Forum, 1 (Chicago, 1989).