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Contradição irreconciliável entre princípios, ideias, atitudes ou leis. Neste sentido universal, podemos falar de antinomia entre fé e razão ou entre moral e política. Em Institutio oratoria, Quintiliano observou que a antinomia se verifica quando surgem duas opiniões diferentes sobre a mesma lei, contudo a lei permanece a mesma. Ora convencionou-se que a antinomia se refere originalmente a leis diferentes e o próprio Quintiliano fala de leis diversas, sejam iguais ou não. A doutrina que ficou diz que podemos falar de antinomia sempre que se registe qualquer conflito contraditório entre duas ideias ou sempre que estejamos em condições de demonstrar e refutar uma proposição e a sua contrária. Por isto, muitos paradoxos dão origem a antinomias, na certeza de que um dos termos de uma oposição esteja necessariamente errado. A célebre oposição entre o apolíneo e o dionisíaco, que Nietzsche reintroduziu em A Origem da Tragédia (1872), é uma antinomia. Schiller já havia estabelecido antinomia semelhante entre naiv e sentimentalisch (Über naïve und sentimentalische Dichtung, 1795), classificando poetas como Homero, Shakespeare e Goethe no primeiro caso e o próprio Schiller, Wordsworth e Southey no segundo. E Kant fala-nos ainda da “antinomia da razão pura”, que consiste em utilizar ideias transcendentais para obter conhecimentos sobre a realidade cosmológica.

O que fica de uma questão antinómica é, por definição da irredutibilidade do processo, a verificação de que não é possível provar nada de definitivo, porque existirá sempre verdade suficiente na proposição ou tese que se quer refutar. O facto de constituir um bom método de inquirição é a sua principal virtude. Veja-se, por exemplo, o seguinte discurso argumentativo do Padre António Vieira sobre a sorte dos escravos que o Brasil importava de África: “Já se, depois de chegados, olharmos para estes miseráveis e para os que se chamam seus senhores, o que se viu nos dois estados de Job, é o que aqui representa a fortuna, pondo juntas a felicidade e a miséria no mesmo teatro. Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; (. . .) Oh Deus! Quantas graças devemos à Fé que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que, à vista destas desigualdades, reconheçamos contudo vossa justiça e providência! Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? (…)” (Sermão Vigésimo Sétimo, com o Santíssimo Sacramento Exposto, Obras Escolhidas, vol.XI, Sá da Costa, Lisboa, 1954, pp.50-51). Num primeiro plano, decorrem as antinomias que têm por base a oposição entre os senhores e os escravos; num segundo plano, abre-se uma antinomia maior que recupera uma velha questão de ética e teologia: por que motivo permite Deus o mal, quando, por definição, se espera que no reino de Deus, símbolo da suprema bondade, apenas exista justiça e equidade?

 

Bibliografia:

 

Luís Adriano Carlos: “Poética e Poesia de Jorge de Sena: Antinomias, Tensões, Metamorfoses”, Tese de Doutoramento, (Universidade do Porto, 1993); R. M. Sainsbury: Paradoxes (1988); R. Sorensen: Pseudo-Problems (1993); W. V. Quine: The Ways of Paradoxe (1966).