Figura de retórica que consiste numa interrupção brusca do discurso, deixando-o incompleto. É por esta interrupção sem qualquer tipo de conclusão que a aposiopese se distingue do anacoluto. Marca-se graficamente com reticências (reticentia), embora nem todas as reticências simbolizem a presença da aposiopese. O orador grego Demétrio, no seu tratado sobre o estilo, considerava esta figura uma forma virtuosa de comunicação, pois acreditava que se diz mais sugerindo do que afirmando expressamente. A Eneida, de Virgílio, regista um exemplo clássico, quando Neptuno se dirige aos ventos em tom de ameaça: “E como ousais, / sem eu deixar, erguer e misturar / tão grandes massas como as que agistastes? / ai que eu. . .! Mas o que é mais preciso, e já, / é acalmar as vagas que movestes.” (vv.133-135, trad. de Agostinho da Silva, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, 142). Camões também usou esta figura: “«Mas moura enfim nas mãos das brutas gentes, / Que pois eu fui. . .» E nisto, de mimosa, / O rosto banha em lágrimas ardentes” (II, 41) ou “Um ramo na mão tinha. . . Mas, ó cego, / Eu, que cometo, insano e temerário” (VII, 78). Regra geral, a aposiopese pode ser explicada por, num momento de lucidez e apreensão, o interlocutor antecipar alguma surpresa que prefere não revelar; ou porque o interlocutor se dá conta de que vai dizer mais do que pode ou deve dizer; ou ainda por razões de excesso de emotividade ou tensão nervosa do interlocutor, que se vê incapaz de progredir e concluir o seu discurso, como se vê neste passo do Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett: “Deus tenha misericórdia de mim! E esse homem, esse homem. . . Jesus! esse homem era. . . esse homem tinha sido. . . levaram-no aí de donde? . . . de África?” (II, xiv). A aposiopese permite ao autor estabelecer uma relação de conivência com o leitor, pois transfere para ele e só para ele a total descodificação do discurso interrompido. Não devemos confundir a aposiopese com a paralipse, figura pela qual se deixa subentendido mais do que se diz de uma coisa. A paralipse é uma elipse especial; é premeditada e controlada; é uma situação do tipo “é melhor deixar de lado. . .”, “para já não falar em. . .” ou “passando por cima de. . .”. Não existe aqui, portanto, o mesmo grau de surpresa na interrupção do discurso que vemos na aposiopese.
David B. Allison: “A Diet of Worms: Aposiopetic Rhetoric in Beyond Good and Evil”, Nietzsche Studien: Internationales Jahrbuch für die Nietzsche Forschung, 19 (Berlim, 1990); Mark Taylor: “Voyeurism and Aposiopesis in Renaissance Poetry”, Exemplaria: A Journal of Theory in Medieval and Renaissance Studies, 4, 2 (Binghamton, NY , 1992); William Holtz: “Typography, Tristram Shandy, and the Aposiopesis, etc.”, in Arthur H. Cash e John M. Stedmond (eds.): The Winged Skull:Papers from the Laurence Sterne Bicentenary Conference ( Londres, 1972).
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