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Termo de origem latina (artificium) que se utiliza como sinónimo de recurso retórico, isto é, o modo ou processo engenhoso pelo qual elaboramos um discurso. Neste caso, um artifício é um sinal de uma intenção artística no acto de criação literária, distinto, portanto, de outros actos naturais e espontâneos.

O artifício é um conceito central na poética formalista, estando ligado ao conceito de desautomatização (a libertação das palavras do automatismo que caracteriza o uso de uma língua por um grupo de falantes). O escritor tenta recorrer a estes artifícios para resgatar as palavras do seu uso corrente e ordinário, ou seja, procura ir mais além do mero significante, descobrindo relações e associações poéticas para a linguagem. Os artifícios verbais (as figuras de retórica) permitem concentrar a atenção na mensagem. A função primordial da arte seria então essa desautomatização dos mecanismos de percepção da língua, esse estranhamento que nos conduz à criação artística. Posta a questão em termos teórico-ficcionais, como o fazem Luísa Costa Gomes e Abel Barros Baptista, “Não é a escrita, toda ela, e sobretudo a de cartas, a mais genuína arte do artifício? Não é a escrita (…) a arte da desconversa, que fixa num papelucho aquilo que flui entre salas, entre cadeiras, de um sofá para outro, de um lado para o outro da cama?” (O Defunto Elegante, Relógio d’Água, Lisboa, 1996, p.37). A “desconversa” (como sinónimo de escrita e como sinónimo de artifício para a produção da escrita) pode funcionar como uma forma de desautomatização, que nos daria, então, o acesso à criação artística. O romance citado introduz também uma outra possibilidade: o entendimento do artifício como possibilidade de construção verbal artificial, o que nos levaria a considerar toda a escrita criativa como um artefacto ou uma simulação da linguagem do quotidiano que serve de suporte a uma comunidade linguística.

Uma acepção corrente de artifício é a sua correspondência com recurso técnico narrativo, identificável tanto nas narrativas cinematográficas, por exemplo, como nas narrativas literárias. Falaríamos, assim, de artifícios como fade-in/fade-out (focalização ascendente/focalização descendente), flash back, close-up, visão “por detrás”, visão “com”, visão “de fora”, etc. Estes artifícios comportam-se mais como suplementos da escrita do que como seus pilares fundadores, como acontece na acepção formalista atrás descrita.