Marca que atesta a autoria de uma obra de arte. Enquanto nas enunciações orais o autor marca a sua presença e existência pela própria voz e pessoa que enuncia, nas enunciações escritas, a situação mais comum de um autor (a)firmar a sua presença e existência é pela impressão do seu próprio nome ou marca de identificação artística. Os autores antigos gregos e romanos não nos legaram nenhuma assinatura manuscrita. A escrita medieval está sobretudo nas mãos de copistas religiosos e não está testemunhada pelos próprios autores. Raros são os autógrafos antes da invenção das tipografias. O mais antigo texto assinado na Europa é talvez o do capitão castelhano Cid (1096). Os reis e nobre medievais e renascentistas oficializavam os seus documentos com selos. Só com o aparecimento da imprensa, a prática da assinatura e dos textos autógrafos se populariza.
Como observa Jacques Derrida, “uma assinatura implica a não presença actual ou empírica do signatário. Mas, dir-se-á, marca também e retém o seu ter-estado presente num agora passado, que permanecerá um agora futuro portanto num agora em geral, na forma transcendental da permanência.” (“Assinatura Acontecimento Contexto”, in Margens da Filosofia, Rés, Porto, 1972 (1ª ed. original; ed. portuguesa s.d.), p.431). Derrida critica a perspectiva tradicional de J. L. Austin, em How to Do Things with Words (1975), que vê a assinatura apenas como o registo de uma intenção num dado momento. Para Derrida, a assinatura não é o mero registo de uma marca gráfica: é o testemunho de um acontecimento passado suspenso de um presente iterativo e é também o certificado de garantia de uma enunciação. Destaca-se então a iterabilidade como condição sine qua non para que uma assinatura seja reconhecida historicamente. Acrescenta Derrida: “Para funcionar, quer dizer, para ser legível, uma assinatura deve ter uma forma repetível, iterável, imitável, deve poder separar-se da intenção presente e singular da sua produção.” (ibid., id.).
Derrida interessou-se sobre os efeitos do nome próprio e da sua relação com a assinatura. Explorando paronímias e homonímias entre certos nomes, em Glas (1974), discorre sobre o nome de Hegel e aigle e sobre Genet, que em francês é homónimo de uma flor; em outro texto, “Signéponge=Signsponge” (Parte I in Francis Ponge: Colloque de Cérisy, 1977; Parte II in Diagraphe, 8, 1976), mostra como o nome próprio de Ponge se encontra disseminado ao longo da sua obra. Derrida distingue ainda aqui três possibilidades de identificação da assinatura: 1) reconhecida pela marca de identidade do nome próprio, geralmente aposta a um texto e assinalando o seu limite; 2) reconhecida pelo estilo de um autor; 3) reconhecida pela própria escrita. É neste terceiro nível que temos de situar o verdadeiro acontecimento da assinatura. A iterabilidade da assinatura, sua condição fundamental, não deve significar a repetição de um mesmo significado para uma marca que se repete e imita constantemente. A assinatura é um signo e, como tal, deve estar sujeita à mesma indeterminação e instabilidade que se reconhece no signo. A teoria de Derrida pode ser ilustrada com a própria tradição da assinatura: só após o renascimento a prática do registo impresso da assinatura ganha relevo. Em todas as produções artísticas de então e até ao romantismo, a prática corrente de assinar uma obra de arte é a simples aposição de uma marca original e muitas vezes incaracterística, porque a assinatura mais importante não era a do autor mas a do comprador da obra (cf. Manlio Brusatin: “Produção artística”, Enciclopédia, vol. 3, Einaudi, IN-CM, Lisboa, 1984). Até ao romantismo, o que vale, portanto, é uma contra-assinatura que ameaça sempre destituir a assinatura original. Este é um exemplo que mostra que o outro sempre implícito na contra-assinatura foi, pelo menos em um tempo particular, mais importante do que a duplicidade descrita por Derrida pressupõe. O que fica, por outro lado, mais evidente é que nenhuma obra de arte pode trazer um selo de garantia autoral que seja indestrutível.
Beatrice Fraenkel: “Les Surprises de la signature, signe écrit”, Langage et Societé, 44 (1988); Carlos Mendes de Sousa: “A assinatura, o nome, a coisa: Lispector”, Diacrítica, 11 (1996); Erik S. Kooper: “Art and Signature and the Art of the Signature”, in Glyn S. Burgess et al. (eds.): Court and Poet, Selected Proceedings of the Third Congress of the International Courtly Literature Society, Liverpool, 1980 (1981); Jane Marie Todd: “Autobiography and the Case of the Signature: Reading Derrida’s Glas”, Comparative Literature, 38, 1 (1986); Jonathan Culler: “Convention and Meaning: Derrida and Austin”, New Literary History, 8, 1 (1981); Kevin Hart: “Jacques Derrida: ‘The Most Improbable Signature’ “, in Kevin D. S. Murray (ed.): The Judgment of Paris: Recent French Theory in a Local Context (1992); Michael Hancher: “The Law of Signatures”, in Roberta Kevelson (ed.): Law and Aesthetics (1992); Michel Jarrety: “Écriture, lecture, signature”, La Revue des lettres modernes: Histoire des idées et des littératures (1994); Monique Saigal: “Signéponge de Jacques Derrida: Jet seminal et semiotique”, French Forum, 13, 1 (Nicholasville, KY, 1988); Peggy Kamuf: Signature Pieces: On the Institution of Authorship (1988); Stanley E. Fish: “With the Compliments of the Author: Reflections on Derrida”, Critical Inquiry, 8, 4 (1982).
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