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Termo etimologicamente composto por bio- (indicativo da ideia de “vida”, com origem no grego bíos) e -grafia (de grafo [+ sufixo –ia], elemento de composição culta, que traduz as ideias de “escrever” e “descrever”, com origem no grego grápho-, “escrever”).

O género biografia é um ramo da literatura que se dedica à descrição ou narração da vida de alguém que se notabilizou de alguma forma. Em sentido restrito, uma B. reporta-se a toda a extensão da vida do biografado pretendendo não somente recontar os eventos que a compõem mas também recriar a imagem dele como é/era/foi. Inclui necessariamente o nome do biografado, a data do seu nascimento, a sua naturalidade, filiação, habilitações literárias, profissões desempenhadas, circunstâncias em que escreveu as suas obras e respectivo enquadramento literário, apreciação crítica dos seus escritos e prémios recebidos. O biógrafo faz uso praticamente de todo o tipo de materiais que tenha ao seu dispor para realizar a biografia de alguém: as próprias obras do biografado (especialmente cartas e diários), documentos oficiais, memórias de contemporâneos, recordações de testemunhas vivas, conhecimento pessoal, outros livros sobre o biografado, fotografias e pinturas. No entanto, René Wellek e Austin Warren afirmam que “os documentos mais íntimos da vida de um escritor” só distorcem o método biográfico quando são encarados como “objecto central do estudo” (Teoria da Literatura, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1971, p.95). Wellek e Warren acrescentam que a literatura biográfica poderá encerrar em si um valor exegético (se explicar alusões ou palavras na obra de um autor), um valor evolutivo (ao discorrer sobre “o crescimento, a maturidade e possível declínio da arte de um autor”, Teoria da Literatura, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1971, p. 97) e um valor das influências (referindo-se aos locais onde o autor viveu e visitou, que livros leu, com quem se relacionou pessoalmente, …) mas nenhum valor crítico, visto que este não lhe pertence.

Em termos estéticos, a B. deve assumir uma responsabilidade para com a verdade que não anule a imaginação. O biógrafo transforma simples informação em engenho: ao inventar ou suprimir material para criar um determinado efeito, falha na verdade; se se contenta com o relato dos factos, falha na arte. Esta tensão valoriza a tarefa biográfica (enquanto tarefa artística), sugerindo a cronologia ao mesmo tempo que evidencia os padrões de comportamento que conferem forma e significado à vida do biografado.

A B. é muitas vezes encarada como um ramo da História, mas enquanto que a História se dedica a generalizações acerca de um determinado período de tempo, de um dado grupo de pessoas no (seu) tempo, de uma instituição, … a B. consagra-se a um único ser humano e lida com as particularidades da sua vida. No entanto, tanto a História como a B. convivem com o passado e o seu escrutínio, a sua avaliação, investigação e selecção de fontes comuns. (É o caso de Life of Samuel Johnson L.L.D. (1791), de James Boswell, onde Johnson biografado assume de tal forma uma omnipresença que quase se diria co-autor da obra.) Enfrentando algumas dificuldades no preenchimento de lacunas temporais (principalmente no que se refere aos primeiros anos de Johnson) Boswell socorreu-se de fontes históricas como conversas registadas e cartas para completar a sua obra biográfica.

Existem diversas formas de B.: a B. informativa (a mais objectiva, em que o biógrafo se baseia na selecção de factos e materiais por excelência, esquecendo todas as formas de interpretação subjectiva) de que é um exemplo Life of Milton: Narrated in Connection with the Political, Ecclesiastical, and Literary History of His Time (sete volumes, 1859-80) de David Masson. A B. informativa inclui a B. política (enaltecendo a causa de um candidato político de que é um exemplo Life of Franklin Pierce (1852) de Nathaniel Hawthorne) e a B. histórica (em Portugal, Oliveira Martins historiou a era de Avis através de grandes painéis biográficos: Os Filhos de D. João I(1901, 2ª ed.), Vida de D. Nuno Álvares, O Príncipe Perfeito (1894), Afonso de Albuquerque e D. Sebastião), ambas consideradas formas básicas do género; a B. crítica (como por exemplo James Joyce (1959) de Richard Ellmann) propõe-se avaliar as obras e descortinar a vida do biografado através de meras interpretações das obras ou debruçando-se directamente sobre os seus escritos; a B. standard já encerra em si uma visão da B. enquanto género literário e pratica-o enquanto arte (como A Biography of Scott Fitzgerald (1951) de Arthur Mizener); a B. interpretativa é bastante subjectiva, por vezes quase de ficção (como Oscar Wilde (1916) de Frank Harris, entre outras); a dicotomia B. de ficção, forma híbrida em que se conjugam as características do romance e laivos de autenticidade (Lust for Life de Irving Stone sobre Van Gogh, de 1961 tradução A Vida Trágica de Van Gogh de Alfredo Margarido, Lisboa, Livros do Brasil) – à medida que a novelística romanesca se aperfeiçoa, a B. aprofunda correlativamente o seu interesse pelo estudo psicológico, até assistirmos, através da reconstituição histórica, ao género híbrido que é a B. romanceada, de que é representante característico e muito vulgarizado o austríaco Stefan Zweig.

Na ficção apresentada como B., o romance apresenta-se-nos escrito sob a forma de B. ou de autobiografia (como I, Claudius de Robert Grave de 1966 com tradução de Rogério Petinga, Eu, Cláudio Imperador, Bertrand, Amadora, 1979 e Memoirs of Hadrian (1952) de Marguerite Yourcenar); as B. de tese (biographies de thèse que pretendem ilustrar ou confirmar um determinado objectivo literário), as B. psicológicas (>Psicobiografia), as B. sobre temas da história militar, as B. sobre as vidas de chefes de Estado, e num sentido mais restrito, as cartas, os diários íntimos e as B. baseadas em obras e documentos do biografado onde se incluem também as Autobiografias. Nos últimos anos de vida, Carl Gustav Jung retirou-se na sua casa de campo em Bollingen, para elaborar, em colaboração com Aniélla Jaffé, uma biografia intitulada Erinnerungen, Träume, Gedanken, que estabelece todo o seu percurso – como ele próprio refere, “empreendi hoje, com 83 anos, a tarefa de contar o mito da minha vida”.

As origens da B. remontam aos primeiros relatos de monarcas e heróis, sendo disso um exemplo as histórias do Antigo Testamento, as epopeias e as sagas gregas, celtas e escandinavas. Os ditos de homens sábios e sagrados também são um ramo da B. (aquilo que podemos aprender sobre Sócrates nas obras de Platão e na Memorabilia de Xenofonte). Contudo são os historiadores romanos Plutarco (Vidas Paralelas, c. 120, século I a.C.), Tácito (Historiae, c. 120) e Gaio Suetónio (Vitae Caesarum, c.140) que são considerados pioneiros nesta forma. De facto, Plutarco é apontado como o primeiro escritor a distinguir entre B. e História. Já na Idade Média, a B. não é muito cultivada, restringindo-se às vidas dos santos – (>Hagiografia), de que são exemplos as Actas dos Mártires e Flos Sanctorum escritos na Idade Média.

No Renascimento a B. e a Autobiografia ganham largo interesse. Por meio do absolutismo, a pessoa do rei assume-se enquanto centro da própria história da nação, tal como se pode ver na Histoire de Saint Louis de Joinville. No século XVI distinguem-se Life of John Picus, Earl of Mirandola (1510) e History of Richard III (1543 e 1557) de Thomas More e Le Vite dé piú eccelenti Pittori, Scultori e Archittetori (1550 e 1568) de Giorgio Vasari.

No período isabelino, a Grã-Bretanha produz algumas das melhores traduções de biógrafos clássicos e surge The History of Henry VII (publicada em 1622) de Bacon que, como Plutarco, também distingue a B. da História.

O século XVII foi o mais importante para o desenvolvimento da B. inglesa. Datam desta altura a obra Brief Lives (somente publicada em 1813) de Aubrey e Lives (publicada em 1670) de Izaak Walton. No século XVIII distinguem-se The Lives of the Norths (1740-44) de Roger North, Lives of the Poets (1779-81) de Johnson e Life of Johnson (1791) de James Boswell, que foi gravemente acusado de caluniar o seu célebre biografado.

Em termos éticos surge, desde o final do século XVIII, na aurora da crítica biográfica, uma espécie de “moralidade da B.”: quanto, daquilo que foi investigado e consequentemente descoberto, deve ser publicado? Não se trata do “direito que o público tem de saber” mas para o biógrafo é um problema da obrigação de preservar a verdade histórica comparativamente à angústia que ele poderá infligir noutros ao fazê-lo. Mais de um século e meio mais tarde surge Winston Churchill: The Struggle for Survival, 1940-1965 (1966) de Lord Charles Moran que faz uso das mesmas técnicas de Boswell e é atacado do mesmo modo, embora a questão tenha complexificado devido ao facto de Lord Moran ser médico pessoal de Churchill. Nos Estados Unidos, Death of a President (1967) de William Manchester criou um tumulto ainda maior junto da imprensa.

A era vitoriana não foi muito bem sucedida no que diz respeito ao cultivo deste género literário, exceptuando talvez Life of Charlotte Brontë de Mrs. Gaskell em 1857 e Life of Schiller (1825) e Life of John Sterling (1851) de Thomas Carlyle.

Já no século XX, a Inglaterra tem sido bastante rica no campo da B., tendo produzido um vasto leque de B. de qualidade. São disso exemplos exímios e dignos de nota Virginia Woolf, de Hermione Lee, Oscar Wilde, de Richard Ellmann, qualquer delas um clássico. A mais recente é Coleridge: Darker Reflexions, de Richard Holmes, que já tinha publicado anteriormente Coleridge: Early Years. Em Portugal, uma pequena nota para Eduardo Prado Coelho que publicou, entre outros estudos, os volumes autobiográficos Tudo o que Não Escrevi (1992 e 1994) e em 1996 foi distinguido com o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores/Câmara Municipal do Porto.

Em termos da Psicologia, quando o biógrafo conhece(u) o indivíduo que estuda está influenciado pelo factor emocional e, quando tal não acontece, falece a percepção que uma relação pessoal com o biografado gera, mas ganha-se uma maior objectividade na exploração da vida íntima do sujeito. A investigação baseada no método psicológico cede novos instrumentos biográficos para a apreensão da personalidade do sujeito biografado. Embora evitando a análise e a terminologia psicológica explícita, surgem B. que sugerem interpretações psicológicas baseadas na análise de símbolos comportamentais, no complexo de Édipo, na detecção de arquétipos em padrões comportamentais. Desde o estudo de Joseph Wood Krutch sobre Edgar Allan Poe (1926) que abraça entusiasticamente este método, até Young Man Luther (1958) ou mesmo Gandhi’s Truth on the Origins of Militant Nonviolence (1969) de Erik Erikson, psiquiatra que faz um uso solerte e engenhoso das técnicas mencionadas.

As B. podem provir de conhecimento directo e ser fruto de pesquisa. Das B. escritas a partir de um conhecimento em primeira mão onde biógrafo e sujeito biografado partilham uma relação em que a observação directa e o acesso a documentos pessoais distinguem-se, nas suas primeiras manifestações, os seguintes exemplos: textos de discípulos de figuras religiosas como Cristo, nos quatro Evangelhos do Novo Testamento ou Buda, em fragmentos biográficos. Mais tarde, seguindo o mesmo método, Vita Karolis Imperatoris (século IX) de Einhardt, Letters and Journals of Lord Byron (1830) de Thomas Moore, Gespräche mit Goethe (1836) de Johann Peter Eckermann e Life and Work of Sigmund Freud (1953-57) de Ernest Jones.

Das B. compiladas através de pesquisa distinguem-se variados tipos: compilações (Who’s Who? uma colecção nacional britânica, Qui è? italiana, e Who’s Who in America?); rascunhos de características da personalidade (Shih-chi (“Registos Históricos”) de Ssu-ma Ch’ien inclui rascunhos biográficos bastante curtos e anedotas com vários diálogos; e Lives of the Noble Grecians and Romans de Plutarco, que usa uma mescla de biografias de personagens diversas e narrativas cronológicas.).

Algumas colectâneas célebres: Suetónio, De Vita Caesarum (séc. II); Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos (começo do séc. III); Filóstrato, o Velho, Vidas dos Sofistas (entre 228 e 238); Hernando del Pulgar, Libro de los Claros Varones de Castilla (1486); Giorgio Vasari, Le Vite dé piú eccelenti Pittori, Scultori e Archittetori (1550); P. de Bourdeilles (ou Abbé de Brantôme), Vies des hommes illustres et des grands capitaines (1665); S. Johnson, The Lives of the Poets (1781); Lytton Strachey, Eminent Victorians (1981), etc.

De notar são também as chamadas fotobiografias que reúnem fotografias dos biografados dispostas de forma a grafar a vida daqueles. Eis alguns exemplos nacionais: Florbela Espanca: Fotobiografia (Lisboa, 1985), Marina Tavares Dias: Mário de Sá-Carneiro: Fotobiografia (Lisboa, 1988), Luís José da Cruz Santos (coord.): Eugénio de Andrade: o Amigo Mais Íntimo do Sol: Fotobiografia (s.l., 1998); Raúl Hestnes Ferreira: José Gomes Ferreira: Fotobiografia (Lisboa, 2001), Maria José de Lancastre: Fernando Pessoa: uma Fotobiografia (Lisboa, 1996), Ana Maria Almeida Martins: Antero de Quental – Fotobiografia (s.l., 1986), Maria José Teixeira de Vasconcelos: Na sombra de Pascoaes: fotobiografia (Lisboa, 1993).

{bibliografia}

André Maurois: Aspects de la Biographie (1928); Harold Nicolson, The Development of English Biography (1928); James L. Clifford: Biography As an Art: Selected Criticism 1560-1960 (1962); James L. Clifford: From Puzzles to Portraits: Problems of a Literary Biographer (1970); John A. Garraty: The Nature of Biography (1957); Leon Edel: Litterary Biography (1959); Paul M. Kendall: The Art of Biography (1965); William Davenport e Ben Siegel: Biography Past and Present (1965); Edgar Johnson: A Treasury of Biography (1941).

http://www.infoplease.com/people.html

http://www.blupete.com/Literature/Biographies/Science/Scients.htm

http://incompetech.com/authors/

http://www.biografia.at/