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Termo francês que significa, literalmente, um trabalho manual feito de improvisos e aproveitando toda a espécie de materiais e objectos. Nas modernas teorias da literatura, o termo passa a ser sinónimo de colagem de textos ou extra-textos numa dada obra literária, o que nos aproxima da ideia de hipertexto. Também serve para traduzir uma prática dita pós-modernista de transformação ou estilização de materiais preexistentes em novos (não necessariamente originais) trabalhos. Nesta acepção, tanto podemos falar de bricolage de vários elementos textuais em romances de vanguarda como Tristram Shandy (1759-67), de Laurence Sterne, como em romances pós-modernos, por exemplo, Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel García Marquez. O poeta futurista português Almada Negreiros utilizou o bricolage no poema de vanguarda «Mima-Fatáxa – Sinfonia Cosmopolita e Apologia do Triângulo Feminino» que é apoiado por um grafismo variado . O texto tem por tema os amores homossexuais de uma bailarina que Almada conhecera em Paris e cujo nome é uma colagem de estrelas parisienses que aparece no poema da seguinte forma:

MIMA

MIANJA

PETROUCHKA

FOKINA

MAGDA

CLEOPATRA

MARIA

Entre outras colagens, acrescenta-se o affiche da célebre cortesã ateniense, Thäis, que Massenet recriou em ópera: “OPÉRA – 7 h. et 50: Thaïs”.

O conceito de bricolage é devidamente escalpelizado por Jacques Derrida em um dos seus primeiros ensaios: “La structure, le signe et le jeu dans le discours des sciences humaines”, relendo La Pensée sauvage, de Lévi-Strauss, que introduzira o conceito como actividade intelectual e como actividade mitopoética. O Antropólogo francês, em Les Structures élémentaires de la parenté (ed. ver., 1967), havia oposto à actividade imaginativa e sem pré-conceitos do bricoleur o trabalho ordenado, metódico e pré-determiando do engenheiro, que apenas trabalha com certezas científicas. Derrida retoma esta dicotomia entre o bricoleur e o engenheiro e extrai dela mais uma série de ilações problemáticas (o artigo citado, originalmente uma comunicação na Johns Hopkins University, em 1966, é considerado o primeiro texto de crítica do estruturalismo francês). Entre um tipo de conhecimento que privilegia a sistematização e o método (no caso do engenheiro) e um tipo que privilegia a improvisação e colagem de materiais sem uma unidade em vista (o caso do bricoleur), Derrida opta naturalmente por este último: “Si l’on appelle bricolage la necessité d’emprunter ses concepts au texte d’un héritage plus ou moins cohérent ou ruiné, on doit dire que tout discours est bricoleur.” (L´Écriture et la différence, Seuil, Paris, 1967, p.418). A rigor, este ponto de vista, que anuncia já um dos grandes pilares da desconstrução, serve para chamar a atenção para a instabilidade do sentido do texto: nenhum texto possui absoluta e intocável unidade. Por outras palavras, o texto-bricolage não admite a possibilidade de ser governado por qualquer lógica científica, de forma a caminhar para uma conclusão inevitavelmente esperada.

{bibliografia}

Eugene Ionesco: “Le Nouveau Roman c’est du bricolage”, Figaro
Litteraire
(10-2-1966); Keith Allen Jenkins: «The Influence of
Anxiety: Bricolage Brönte Style», Tese de Doutoramento (Universidade de
Rice, 1993); Marcienne Rocard: “Bricolage textuel: Le Robinson juif de
Bernard Malamud (God’s Grace)”, Caliban, 25 (1988); Martin
Kuester: “(Post-)Modern Bricolage: Classical Mythology in Sheila
Watson’s Short Stories”, Zeitschrift fur Anglistik und
Amerikanistik: A Quarterly of Language, Literature and Culture,
42,
3 (Tubingen, 1994); Paul Surgi Speck: “Bricolage, Analogies and Hinges:
Order in the Recombinant Universe of Tristram Shandy”,  South
Central Review: The Journal of the South Central Modern Language
Association,
2, 4 (College Station, TX, 1985); Robert L. Sims:
“Theme, Narrative Bricolage and Myth in García Marquez”, Journal of
Spanish Studies: Twentieth Century
, 8 (Lincoln, 1980).