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Termo proveniente do latim burrula, dim. burra (brincadeira, burla, farsa); em italiano burla, burlesco (burla, mofa); em francês burlesque. Como género literário, o burlesco, originalmente, consistia na paródia de textos clássicos de assunto sério, como as epopeias, tratados de forma zombeteira, utilizando uma linguagem exagerada que tinha como finalidade ridicularizar o texto (ex.: Paul Scarron, autor francês do séc. XVII com a sua obra Virgile Travesti (1648), uma paródia ao poema épico de Virgílio). O contrário também servia de motivo ao burlesco, ou seja, tratar um assunto de menor importância com a gravidade de um assunto solene, utilizando um estilo elevado (ex.: Alexander Pope em The Rape of the Lock, 1712-14; Hissope de Cruz e Silva).

Num sentido mais lato, refere-se a formas que imitam ridicularizando personagens, instituições, escolas, costumes, valores, através da paródia, sátira ou caricatura, muitas vezes com uma finalidade crítica, convertendo-os em objecto de gozo perante os espectadores. Neste sentido podemos encontrar exemplos de burlesco ao longo de toda a história da literatura, desde a Antiguidade até aos nossos dias (nas peças satíricas gregas da Antiguidade como na Batracomiomaquia, atribuída a Homero e na Apocolosyntosis de Séneca, nas obras de Aristófanes e Eurípedes e nas obras dos escritores romanos Plauto e Terêncio). Durante a Idade Média, o género foi muito apreciado e cultivado nos textos das poesias dos goliardos (paródias sobre as condutas dos clérigos e estudantes) ou nos fabliaux franceses (obras antieclesiásticas de tom carnavalesco).

Quer a sátira quer o burlesco implicam uma visão mais ou menos crítica da realidade social. No entanto, o que as distingue é o facto de na sátira o autor incluir-se no sistema de valores da ideologia dominante criticando o que fôr contrário a essa ideologia e o autor burlesco encontrar-se fora desse mesmo sistema, contrapondo um sistema de valores inversos (antivalores) que exalta proclamando a sua superioridade. O burlesco torna-se mais tolerável do que a sátira uma vez que o seu exagero, a distorção de sentidos, o carácter paródico, a falta de um discurso político ou moralizador, o tornam aparentemente mais inofensivo.

O conceito de burlesco está bastante próximo do conceito de carnavalesco (Bakhtine) e aparenta-se com a paródia na medida em que vulgariza o que é sublime.

O burlesco é uma faceta peculiar do cómico e diferencia-se das outras modalidades apresentando-se como um exercício de estilo em que o autor, ao ridicularizar uma determinada obra, põe em evidência o carácter inverso àquele que enuncia. O burlesco acaba por seguir o princípio barroco do mundo às avessas ao inverter constantemente as realidades que lhe são apresentadas, o que demonstra também um grande conhecimento dos valores e das regras vigentes bem como uma capacidade para “manusear” a linguagem e o estilo por parte dos escritores de obras burlescas.

O burlesco serve-se da paródia na imitação ridicularizadora da linguagem e estilo de um escritor ou de uma determinada escola e da caricatura no exagero dos traços ou características peculiares de uma personagem (Quevedo com o Dómine Cabra em Buscón).

A palavra “burlesco” surgiu pela primeira vez em Itália, no séc. XVI, numa ópera de Francesco Berni denominada rime burleschi que consistia numa paródia à poesia petrarquista. Na Itália, o género burlesco foi muito cultivado a partir do final do Renascimento embora o seu desenvolvimento surja mais tarde (A. Tassoni, Balde Roubado). É também possível encontrar vestígios de burlesco na commedia dell’arte.

Em França, no Renascimento, surge uma obra marcante da literatura burlesca: Gargântua e Pantagruel, (1532-34), de F. Rabelais que será condenada pela Sorbonne devido às críticas à instituição eclesiástica e aos métodos de ensino tradicional. O burlesco difundiu-se pela Europa durante o período Barroco e foi conscientemente cultivado como uma forma de reacção às tendências literárias em vigor caracterizadas pelo preciosismo de linguagem e pelos refinamentos formalistas. Em França continuou até 1660 como reacção contra o preciosismo e a novela pastoril. No séc. XVII, o chamado ballet burlesco abriu o caminho à comédia-ballet de Molière e Lully. No séc. XIX, estiveram na moda as “revues”: versões paródicas de obras teatrais que obtiveram um êxito notável na época.

Em Inglaterra, o burlesco começou por ridicularizar obras literárias célebres, principalmente os dramas sentimentais, (ex.: George Villiers, duque de Buckingham, em The Rehearsal, de 1672, faz uma sátira a Dryden; Samuel Butler, em Hudibras, de 1663-1678, utiliza o verso octossilábico característico do burlesco; Geoffrey Chaucer, em Sir Thopas; John Gay, em Beggar’s Opera, de 1728, ridiculariza a ópera italiana; Fielding, Tom Thumb, de 1730; e Joseph Andrews em que Pamela, de Richardson é parodiada numa imitação burlesca; o “travesti” – no sentido de transformação do texto para o seu contrário – passa em muitas operetas de Sir William Gilbert e Sir Arthur Sullivan , como em Patience). O burlesco nas obras teatrais aparece em Shakespeare, Midsummer Night’s Dream (na apresentação da tragédia de Píramo e Tísbe, que goza com a tradição dos interlúdios) e nalgumas personagens das obras de Shakespeare caracterizadas pelo excesso trágico como uma forma de burlesco.

Em Espanha, a tradição burlesca tem as suas raízes na época medieval nas cantigas de escárnio e maldizer. No Cancionero General de 1511, aparece uma pequena secção intitulada “Obras de burlas” que dará origem ao Cancionero de obras de burlas provocantes a risa (1519). Os romances picarescos contrastam com a nobreza da novela de cavalaria, assim como os romances populares, em poesia, contrastam com a poesia cultista do seiscentismo. No D. Quixote de Miguel de Cervantes podem notar-se traços do burlesco na sátira ao romance de cavalaria. Juegos de escarnio y de maldecir, certos poemas de Juan Ruiz, e alguns textos de sátira política e teatro (Auto del Repelón, de Juan del Encina) são outros exemplos de burlesco na literatura espanhola. No séc. XVII, cultivaram-se os romances épico-burlescos: Lope de Vega, em Gatomaquia (1634); José Villaviciosa, em la Mosquea (1615); O estilo burlesco espanhol tem o seu ponto alto nos poemas satíricos de Góngora e Estebanillo González (Quevedo é visto como um escritor principalmente satírico).

No séc.XIX, parodiam-se obras dramáticas e óperas que se estreiam nos teatros populares através da deformação dos nomes das obras e das personagens, da diferença das funções exercidas e na redução das próprias personagens a fantoches (ex.: La Golfemia, de Salvador María Granés, paródia de La Bohème, e La Fosca, paródia de La Tosca de Puccini).

Em Portugal, exceptuando as manifestações de poesia trovadoresca e o teatro medieval com os autos de Gil Vicente, o burlesco aparece no séc. XVI quando se parodiam as primeiras estâncias d’Os Lusíadas e torna-se mais popular no séc. XIX (ex.:: Guilherme Braga, O Mal da Delfina, 1869, paródia de Delfina du Mal, 1868, de Tomás Ribeiro; Artur Azevedo, A Filha de Maria Angu, representado em 1876, paródia da ópera cómica La Fille de Mme. Angot, de Clairville, Siraudin e koning; e A casadinha de fresco, representado em 1876, paródia de La petite mariée, de E. Laterrier, A.Vanloo e C. Lecocq; Juó Bananère, pseudónimo de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, em La divina increnca , 1924).

Na Europa o burlesco continuou até ao séc. XX, na década de 30, antes da Segunda Guerra Mundial. Paul Scarron, Molière, e John Gay são escritores cujo talento para o burlesco foi notável.

Nos Estados Unidos, o burlesco aparece por volta de 1865, mas o sentido que a palavra toma é bastante diverso do utilizado na Europa. Designa todos os géneros de comédia musical de natureza erótica e vulgar onde o carácter artístico desaparece quase por completo (dança do “ventre”, show de variedades em que se combina o “minstrel” – espectáculo em que os actores se pintam de negro – e o vaudevillle). Em 1920, burlesco passa também a designar o show de striptease. Este tipo de burlesco continuou até ao início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e em 1937 as actuações burlescas foram banidas.

Bibliografia:

Burlesque et formes parodiques dans la littérature et les arts, Actes du colloque de l’Université du Maine, Le Mans, 4/7-12-1986, Seattle: Papers on French Seventeenth Century Literature (1987); John D. Jump: Burlesque (1972).
http://www.virtualsalt.com/litterms.htm