Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

A childist criticism é uma abordagem teórica no âmbito dos estudos sobre a literatura infantil, que, em finais do século XX, deu resposta à necessidade dos seus principais teóricos de criar uma perspectiva crítica exclusiva a esta disciplina. Estes críticos procuram identificar e reconhecer os atributos específicos das crianças enquanto leitoras de textos e de imagens, procurando igualmente incluí-las na discussão crítica sobre a literatura a elas destinada (Reynolds 53). O termo foi originalmente cunhado por Peter Hunt em Criticism, Theory, and Children’s Literature (1991), onde urgiu que os adultos lessem e estudassem a literatura infantil como se fossem crianças, sendo essa, na sua perspectiva, a melhor forma de compreender os seus hábitos de leitura, gostos e necessidades enquanto leitoras (Hunt 16; Nodelman 84). A childist criticism possui alguns pontos de contacto com os estudos de recepção (que, no contexto dos estudos sobre literatura infantil, surgem frequentemente associados à pedagogia, ao ensino e à reflexão sobre a aquisição de hábitos de leitura), nomeadamente o facto de ambas, tendo sobretudo em vista o leitor implícito, tentarem compreender o que significa ler enquanto criança, escrever para crianças, e relembrar (e reencontrar) a literatura infantil enquanto adulto (Reynolds 50-51, 56). Uma outra figura importante desta abordagem teórica é Peter Hollindale, autor de Signs of Childness in Children’s Books (1997), conhecido por afirmar que tanto crianças como adultos têm acesso à “childness”, que define como “the quality of being a child” (Hollindale 47). Segundo Hollindale, os livros infantis reflectem uma dinâmica particular entre adultos e crianças, por meio da qual os primeiros tentam recriar a sua infância perdida, e os últimos procuram compreender melhor a própria juventude, sob constante ameaça da inevitável passagem para o mundo adulto. A literatura infantil representa, nesse sentido, um espaço dialógico onde se discutem imagens de infância (Hollindale 29; Grenby and Reynolds 130; Reynolds 55). Importa igualmente referir que, apesar de o estabelecimento e difusão da childist criticism  propriamente dita se dever, em grande medida, a Peter Hunt, foi Aidan Chambers (no seu ensaio “The Reader in the Book”, de 1977) quem terá inicialmente aludido à necessidade de incluir a perspectiva das crianças nos estudos sobre a sua literatura, recorrendo a dados empíricos para analisar as diferenças nos hábitos e estratégias de leitura de crianças e adultos (Chambers 34; Reynolds 54-55).

As teorias da childist criticism motivaram importantes debates sobre as limitações metodológicas dos estudos sobre a literatura infantil, nomeadamente no respeitante ao papel, implícito e/ou explícito, desempenhado pelo adulto que escreve, lê, ensina e divulga este tipo de obras. As principais críticas a esta abordagem enfatizam, particularmente, o facto de assentar numa aparente contradição: a de que a (pretensa) adopção de uma perspectiva infantil, feita sob o pretexto de incluir crianças empíricas no discurso crítico sobre a literatura a elas destinada, depende, ainda assim, da mediação adulta. Por outras palavras, por mais que um adulto tencione adoptar a perspectiva de uma criança, “an adult is not a child […], at least not in any socio-categorical sense” (Chapleau 383; Reynolds 54), sendo ‘ler enquanto criança’ uma experiência inevitavelmente mediada pelas concepções sociais, históricas e pessoais de infância do adulto que se propõe a fazê-lo. Em The Routledge Companion to Children’s Literature (2010), David Rudd critica o modelo proposto por Peter Hunt por este, na sua perspectiva, se basear numa visão Romântica de infância, que remonta ao século XVIII e à influência das teorias de John Locke e Jean-Jacques Rousseau[1]. As críticas de Rudd à childist criticism inscrevem-se no âmbito das ideias de autores como Jacqueline Rose (autora de The Case of Peter Pan, or the Impossibility of Children’s Fiction, publicada em 1984), que chega mesmo a negar a existência de uma categoria ‘criança’, caracterizando-a como uma construção feita por adultos, que não possui, enquanto tal, qualquer validade científica (Rose 1-2; Lesnik-Oberstein 17), e considerando mais importante averiguar “[not] what children want, or need, from literature, [but] what it is that adults, through literature, want or demand of the child.” (Rose 137)

A childist criticism foi igualmente criticada em The Hidden Adult: Defining Children’s Literature (2008) por Perry Nodelman, que acusa os childist critics de possuírem uma visão essencialista de infância, especialmente na forma como avaliam as capacidades, os gostos e os interesses do seu público leitor – para Nodelman, este tipo de generalização conduz a uma percepção limitada e imaginária assente sobre reinterpretações nostálgicas do próprio adulto sobre a própria experiência de infância. Apesar das suas críticas, Nodelman partilha com esta abordagem o interesse académico pelo diálogo que a literatura infantil estabelece entre adultos e crianças, concluindo que estas obras possuem não só uma criança-leitora implícita, mas também um adulto (leitor e/ou escritor) implícito, articulando “a variety of forms of knowledge – sexual, cultural, historical – theoretically only available to and only understandable by adults” (Nodelman 84-85, 206). A childish criticism contribuiu de forma significativa para os estudos sobre a literatura infantil, em particular na forma como reconheceu a importância de evitar uma perspectiva exclusivamente adulta no discurso académico sobre este tipo de obras. Os debates estimulados por esta abordagem persistem até aos dias de hoje, predominando a opinião de que a childist criticism, não aproximando o adulto das crianças ‘reais’ do mesmo modo que, por exemplo, os estudos de recepção, acaba, por outro lado, por construir imagens de infância com base na percepção adulta individual, “for one can only pretend to be someone else by constructing this someone else” (Chapleau 137).

bibliografia

David Rudd (Ed.): The Routledge Companion to Children’s Literature (London/New York, 2010); Jacqueline Rose: The Case of Peter Pan: or the Impossibility of Children’s Fiction (Pennsylvania, 1984); Karín Lesnik-Oberstein: “Defining Children’s Literature and Childhood”, International Companion Encyclopaedia of Children’s Literature (London, 1996). 15-29; Kimberly Reynolds: Children’s Literature: A Very Short Introduction (Oxford, 2011); Matthew Grenby and Kimberly Reynolds: Children’s Literature Studies: A Research Handbook (London, 2011); Peter Hollindale: Signs of Childness in Children’s Books (Gloucester, 1997); Peter Hunt: Criticism, Theory, and Children’s Literature (Oxford, 1991); Perry Nodelman: The Hidden Adult: Defining Children’s Literature (Baltimore, 2008); Sebastien Chapleau: “A Theory Without a Centre: Developing Childist Criticism”, Children’s Literature: Critical Concepts in Literary and Cultural Studies (London, 2006). 375-383.

________________________________________

[1] No tratado Some Thoughts Concerning Education (1693), o filósofo inglês John Locke (1632- 1704) defende que as crianças devem adquirir hábitos de leitura, considerando-os vantajosos para o seu desenvolvimento. Segundo Locke, o ser humano nasce num estado de inocência, sendo a sua mente uma tabula rasa, pelo que os programas de ensino devem ter em conta as suas necessidades e capacidade de adquirir conhecimento. Esta obra obteve um grande impacte junto de muitos escritores para crianças e intelectuais do seu tempo, incluindo Jean-Jacques Rousseau, que celebra o conceito Romântico de criança em Émile, ou de l’Éducation (1762). Nesta época, a criança torna-se um símbolo de tudo o que é bom e puro no mundo, perdendo a inocência no momento em que se torna adulta. Esta visão difere grandemente de concepções anteriores, que percepcionavam as crianças como seres a quem era necessário redimir do pecado original (Rudd, Routledge n.p.).