A citação é a forma mais explicitamente marcada de reprodução de discurso no discurso. Quando falamos de estados de coisas, de indivíduos (do mundo real ou da ficção), temos geralmente em conta o que outros já disseram sobre o assunto. O discurso humano é predominantemente citacional, como Bakhtin defendeu. Há vários modos de citar palavras dos outros (ou de nós próprios), uns mais, outros menos delimitáveis e identificáveis. Falamos de citação sempre que um determinado locutor reproduz, no seu acto de enunciação, um outro acto de enunciação originário de um locutor diferente (ou de si próprio, num outro momento). É raro que as palavras citadas correspondam textualmente às palavras proferidas. A maior parte das vezes, citamos livremente, i. é, o relator evoca ou reproduz um determinado enunciado em função da significação (e esta implica uma reformulação interior e pessoal) que lhe conferiu, tendo em conta, não só as palavras realmente pronunciadas, mas também a sua interpretação das condições de enunciação. Mas há sempre uma relação, com um grau de mimese, maior ou menor, entre o texto citador e aquele que é citado. A citação só é fiel quando corresponde a uma transcrição literal e escrita de um discurso também escrito. Está delimitada, nesse caso, por ‘marcadores citacionais’ como aspas ou itálico. Procuram ser literais as citações com valor de testemunho autorial, quer na linguagem da Justiça quer, p.e., em trabalhos jornalísticos e, sobretudo, científicos. Mas, mesmo nesses casos, o facto de se retirar o enunciado inicial do respectivo contexto pode alterar-lhe o sentido e a intencionalidade. Contrariamente ao que a gramática tradicional afirmava, os dois mais conhecidos modos de relatar discurso (o discurso directo e o discurso indirecto) não são redutíveis um ao outro (cf. Banfield, 1973, 1982). Também não é verdade que o discurso directo seja a estrutura sintáctica primária a partir da qual os outros tipos (mormente o discurso indirecto) seriam derivados, por aplicação de regras morfossintácticas conhecidas, mas que a teoria da enunciação mostrou serem inadequadas, por não terem em conta as diferentes situações enunciativas, quer do discurso a citar, quer do discurso citador. O discurso directo não é a enunciação original de um discurso; é uma representação (e não uma repetição, embora seja considerado mais mimético do que o discurso indirecto) desse discurso primário original. Na base de uma citação ou de qualquer relato de discurso está uma enunciação primeira que se vai tornar objecto de uma outra. Não está nenhum dos diferentes modos de reproduzir um discurso noutro. No discurso directo, os dícticos e os tempos verbais da enunciação inicial são conservados, ou seja, respeitam-se as marcas enunciativas do discurso que se cita. A citação parece literal e neutra quando o relator deixa falar directamente o locutor que cita. O discurso directo é heterogéneo porque comporta uma dupla ancoragem enunciativa. O segmento que introduz a citação e o enunciado propriamente citado têm dois centros discursivos diversos: a um corresponde o locutor responsável pelo discurso introdutor e a outro o que é responsável pelas palavras citadas. O discurso indirecto não é um discurso directo transformado por aplicação de regras. Há até enunciados em discurso directo que não podem ser transpostos para discurso indirecto: os que contêm expressões exclamativas, repetições, hesitações, locuções fixas, fraseologias, frases elípticas, interjeições e vocativos, p.e.. O discurso indirecto caracteriza-se por o relator tomar a seu cargo a enunciação do locutor original, relatando o seu conteúdo, parafraseando-o, sem se preocupar, geralmente, com a transmissão das formas lexicais e sintácticas do acto linguístico a citar. Tem um só centro discursivo: o relator absorve na estrutura sintáctica do seu discurso, por meio da subordinação, aquele que reproduz.
Quando o locutor citador quer sublinhar que se está perante citação, não desejando assumir a responsabilidade das palavras que relata, pode usar sinais explícitos como as aspas, o condicional ou expressões que reenviem para outro locutor a responsabilidade ou a autoria das palavras citadas (segundo x, como disse x).
Mas há outras formas, mais subtis e menos codificadas, de citar palavras de outros: alusões, ecos (irónicos ou não), reprodução de léxico alheio, certo tipo de negação, alguns morfemas argumentativos (sobretudo os adversativos e os concessivos). Se nos ativermos exclusivamente à citação de palavras de personagens dentro do discurso narrativo literário, podemos falar também do discurso indirecto livre (ver).
Ann Banfield: Narrative Style and the Grammar of Direct and Indirect Speech, in «Foundations of Language», 10, (1973), pp.1-39; Ann Banfield: Unspeakable Sentences. Narration and Representation in the Language of Fiction (Boston,1982); Bice Mortara Garavelli: La Parola D’Altri (Palermo, 1985); Graciela Reyes: Polifonía Textual. La Citación en el Relato Literario (Madrid, 1984); Monika Fludernik: The Fictions of Language and the Language of Fiction. The Linguistic Representation of Speech and Consciousness (London/ New York, 1993); Românica, (“Citação”), 6, (Lisboa, 1996).
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