Os académicos alexandrinos propuseram pela primeira vez a designação de clássicos para os textos literários da cultura grega arcaica e criaram regras próprias para as obras contemporâneas que pudessem suportar tal categoria. Fixou-se então a ideia de clássico como obra exemplar cuja excelência é capaz de resistir ao tempo. A cultura romana garantiu a canonização da cultura grega e continuou a aceitar as melhores obras gregas antigas como clássicos. Mas primeiro estabelecera uma divisão social: classicus era o cidadão por excelência, que pertencia à primeira das cinco classes em que os Romanos se dividiam. No século II, d.C., Aulo Gélio, o primeiro a trazer o termo para a literatura, em Noctes Atticae, cunhou as seguintes expressões: o scriptor classicus, aquele que escrevia para a classe dos mais favorecidos social e politicamente e era, por isso, um escritor notável e exemplar, e o scriptor proletarius, aquele que escrevia para as classes letradas de menor condição social e era ele próprio um indivíduo das classes baixas. Gélio já introduz a ideia que ainda hoje temos de um clássico: deve ser anterior a nós e deve constituir um modelo de referência. Na Idade Média, um clássico é apenas aquele que estuda numa classe e num espaço próprio para o estudo, sem que a excelência do indivíduo ou da sua obra esteja em causa. Esta tradição já não prevalece na Idade Moderna, que consagra a ideia de clássico para as grandes obras da cultura greco-romana. A ideia do respeito pela obra dos antigos foi largamente divulgada pelos humanistas. Os seguintes versos de António Ferreira podem resumir a ideia de clássico que então se fixou: os verdadeiros homens (ou clássicos, mesmo que a palavra não seja pronunciada textualmente) são os que se “afamam / com letras, com saber, com que alumiam / o mundo, e tudo o mais Fortuna chamam” (Carta a João Rodrigues de Sá de Meneses). Este espírito de redescoberta das obras exemplares da Antiguidade levou os historiadores da literatura a falar em períodos “clássicos” não necessariamente coincidentes no tempo nas várias literaturas: por exemplo, o século XVI, para Portugal, a segunda metade do século XVIII, para a França, e a época entre Milton e Pope, em Inglaterra.
De uma forma imediata, podemos então afirmar que um clássico é uma obra de gerações. Durante a época literária do neoclassicismo, este sentido tornou-se norma de estudo e de referência em relação à qual toda a obra de arte devia ser comparada. Atesta-o o árcade português Correia Garção: “Os Gregos e os Latinos, que dia e noite não devemos largar das mãos, estes soberbos originais, são a única fonte de que manam boas odes, boas tragédias e excelentes epopeias.” (Dissertação Terceira, 1757, in Obras Completas, vol.II, Liv. Sá da Costa, Lisboa, 1958). O termo serviu depois durante muito tempo para designar tudo aquilo que não era “moderno”, e serviu ainda como oposto de “romântico”. Schlegel, na revista alemã Das Athenäeum (1795-98), consagrou esta antinomia; Goethe iniciou a refutação interminável desta tese e estabeleceu uma célebre fórmula: clássico=saudável e romântico=doente. Na Estética, Hegel tentou criar para o conceito de clássico um espaço de isenção, reduzindo-o apenas à sua mais consensual característica: clássico=obra de arte perfeita. Mas a oposição entre pró-românticos e pró-clássicos sobreviveu até à segunda metade do século XIX, quando o termo passou a significar apenas uma temática específica, segundo regras que respeitam as normas retóricas antigas, parecendo sobrepor-se à noção de classicismo (palavra que só se generaliza na teoria literária após o movimento romântico, segundo René Wellek, precisamente após 1890). Esta ideia constitui um dos principais argumentos de crítica do clássico que os seus opositores não deixam geralmente de apontar: o arrepio da originalidade ou a submissão ao cânone. Trata-se da relação da obra de arte com a forma como foi produzida. Se colocarmos a questão como o fez Hegel, podemos facilmente concordar que o artista clássico se revela pela sua excepcional formação que não o impede de criar livremente, antes o prepara para fazer as melhores escolhas com os melhores resultados: “A arte clássica, pois que o seu conteúdo e a sua forma são livres, só pode ser produto de um espírito livre senhor de uma clara consciência de si mesmo. Também o papel desempenhado pelo artista clássico é diferente do que até então tinha desempenhado. A sua produção revela-se claramente como o trabalho de um homem reflexivo que sabe o que quer e pode o que quer, que possui uma ideia perfeitamente clara do conteúdo substancial que se propõe tornar perceptível e possui o poder técnico que essa realização exige.” (Estética, trad. de Álvaro Ribeiro e Orlando Vitorino, Guimarães Eds., Lisboa, 1993, p.247).
Depois dos românticos, assistimos à generalização e banalização do conceito, tornando a sua aplicação bastante difícil. Não é tão irónica como parece a definição proposta por Mark Twain: “Classic. A book which people praise and don’t read.” (“Pudd’nhead Wilson’s New Calender”, Following the Equador, 1, 25, 1897). G. K. Chesterton apresenta a seguinte variação desta ideia: “A great classic means a man whom one can praise without having read.” (“Tom Jones and Morality”, All Things Considered, 1908). Em The Study of Poetry (in Essays in Criticism – Second Series, 1888), Matthew Arnold insiste ainda na noção de clássico como equivalente “àquilo que é melhor que tudo o mais”. Num texto de referência obrigatória, What Is a Classic? (1945), T. S. Eliot lembra que só numa perspectiva histórica podemos determinar o que é clássico. Dos critérios para determinação de um clássico prescritos por Elliot, destacamos o da superação da língua – um clássico deve superar a norma linguística, condição criticada por Seán Lucy em T. S. Eliot and the Idea of Tradition (1960) – e o da maturidade. O autor que Elliot destaca como o mais “universal” dos clássicos é Dante, perante quem todos os poetas ingleses são “provincianos”. Frank Kermode criticou desenvolvidamente as teses de Eliot em The Classic: Literary Images of Permanence and Change (1ª ed., 1973), onde conclui existirem duas formas de institucionalização de um clássico: “The first of these depends on philology and historiography – it asks what the classic meant to its author and his best readers, and may still mean to those who have the necessary knowledge and skill. The second is the method of accommodation, by which I mean any method by which the old document may be induced to signify what it cannot be said to have expressly stated. The chief instrument of accommodation is allegory, if we use the word in a sense wide enough to include prophecy. This is an ancient method. The other approach, more modern and scientific, took time to develop.” (Harvard University Press, Cambridge, Mass. E Londres, 1983, p.40). A conclusão de Kermode sobre a definição do clássico aponta para uma fórmula simples: “A classic, then, is a book that is read a long time after it was written” (p.117), que facilmente reconhecemos nas escolhas autorais de qualquer cânone literário.
Actualmente, um clássico tanto pode ser uma obra antiga que persistiu pela sua excelência, como uma obra ou autor que se destaca como referência fundamental na sua própria época, o que é reconhecido pela maior parte da crítica segundo critérios objectivos. Neste sentido, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto podem ser considerados clássicos na literatura de língua portuguesa. Para estabelecer algum rigor na definição da natureza do clássico, surgem então muitas reflexões teóricas sobre o conceito, sem contudo estarmos sequer próximos de um consenso geral, sobretudo quando pensamos que a classificação de clássico é hoje popularizada pela crítica literária não investigativa que, quase instintivamente, a aplica a qualquer obra ou autor que se destaque por alguma singularidade. Registe-se ainda a universalidade do conceito quando falamos hoje de um filme clássico, de um jogo clássico, de uma música que é um clássico e de música clássica, de uma corrida clássica, de um edifício clássico, de mobília clássica, etc.
Dominique Secretan: Classicism (1973); Frank Kermode: The Classic: Literary Images of Permanence and Change (1983); H. M. Peyre: Qu’est-ce que le classicisme? (1933); Jacques Barzun: Classic, Romantic, and Modern (1975); Luís de Sousa Rebelo: A Tradição Clássica na Literatura Portuguesa (1982); Paul Valéry: Cahiers, vol.2 (1974, 1ªed., 1917); René Wellek: “The Term and Concept of Classicism in Literary History”, in Discriminations (1970); Vítor Manuel de Aguiar e Silva: Para uma Interpretação do Classicismo (1962).
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