Segundo a definição proposta por Henri Bergson: “É cómica a personagem que segue automaticamente o seu caminho sem se preocupar em entrar em contacto com os outros. O riso surge para corrigir a sua distracção ou para a arrancar ao seu sonho. (…) Geralmente, são deveras os defeitos de outrem que nos fazem rir – contanto, é verdade, que acrescentemos que esses defeitos nos fazem rir mais pela sua insociabilidade do que pela sua imoralidade.” (O Riso: Ensaio sobre a Significação do Cómico, Relógio d’Água, Lisboa, 1991, pp. 88-91). Gil Vicente legou-nos uma vasta galeria de personagens-tipo que se destacam pelo seu carácter marcadamente insocial: por exemplo, em Velho da Horta, caricatura um velho que tem paixões serôdias; na Farsa dos Almocreves, satiriza o fidalgo arruinado que não paga as suas dívidas; na farsa Quem Tem Farelos?, critica o escudeiro sem vintém; na Farsa de Inês Pereira, aponta o dedo ao escudeiro fanfarrão. Esta galeria de personagens que se destacam pelo seu carácter e pelos seus defeitos vai inspirar, por exemplo, D. Francisco Manuel de Melo a caricaturar a figura do pelintra Gil Cogominho, em Auto do Fidalgo Aprendiz (1646). Não só a insociabilidade serve para marcar o cómico de carácter de uma personagem, pois em certos casos basta um defeito ou fraqueza do foro psicológico para determinar o riso, como no caso do tímido Pero Marques, da também vicentina Farsa de Inês Pereira, que não quer ficar às escuras com Inês. A diferença de personalidades também pode conduzir ao cómico de carácter, como no caso dos quatro irmãos, todos muito diferentes entre si, da peça vicentina Juiz da Beira.
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