Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Conceitos ingleses da gramática generativa que respeitam à competência ou saber interiorizado que os falantes de uma língua possuem que lhes permite comunicar, produzir e compreender (performance) enunciados novos. A distinção foi introduzida por Noam Chomsky e teve o mesmo efeito que outra célebre dicotomia: língua e fala, proposta por Saussure. A competência (competence) traduz não só um conhecimento interiorizado e enraizado culturalmente, mas também indica a intuição do falante para se poder pronunciar sobre a validade dos enunciados produzidos numa dada língua, pelo que a competência é também gramatical. À competência opõe Chomsky a performance (termo de tradução difícil, que significa literalmente “desempenho”, “realização”, “aplicamos esse conhecimento linguístico, geralmente traduzido em actos de linguagem ou de fala. Nos seus trabalhos mais recentes, como Knowledge of Language (1986), Chomsky usa já expressões como “sistema de conhecimento” (system of knowlegde) ou l-language em substituição do conceito de competência.

Tal dicotomia conceptual encontrou ainda aplicação noutros domínios, em particular na sociocrítica e na semiótica narrativa.

No primeiro caso, a competência do leitor é encarada como algo que não se cinge meramente ao conhecimento da língua em que está escrito um qualquer texto literário. Na realidade, para dele se apropriar, o leitor (ou uma comunidade de leitores) é obrigado a dominar, ainda que inconscientemente, não só um conjunto variado de regras de legibilidade, como também as convenções que regem esse texto em termos de género e de estrutura. Como se sabe, o texto não encerra apenas o código linguístico. Outros códigos, como sejam o estilístico, o narrativo ou o temático, também contribuem para a construção dos seus sentidos e cabe ao leitor estar munido dos instrumentos necessários para o processo de descodificação (ainda que, como Iuri Lotman adverte, a entropia existente entre os códigos do autor e do leitor possa permitir uma grande variação entre a informação presente no texto e aquela que o leitor dele extrai). Umberto Eco vai mais longe e sugere que o texto, para além de pressupor uma competência que lhe é exterior, também constrói a sua própria através de meios internos, facultando ao leitor a chave para a sua melhor compreensão.

No domínio da semiótica narrativa, também A. J. Greimas explora o paralelismo existente entre esta dicotomia e a saussureana, muito embora não constitua a linguística a sua principal preocupação mas sim a gramática em que se estruturam as narrativas. Refere-se à compétence como o conjunto de modalidades inerentes ao sujeito do fazer, nomeadamente, o querer-fazer, o poder-fazer e o saber-fazer, todas elas necessárias para que esse actante possa levar a cabo as transformações requeridas pela narrativa. Por outras palavras, a compétence antecede e pressupõe a performance, o que se traduz sintacticamente numa sucessão de papéis actanciais, definidos pela posição do actante nos vários momentos que balizam a narrativa à medida que aquele vai adquirindo os investimentos modais indispensáveis ao seu agir. Por exemplo para Macbeth, herói epónimo de uma das tragédias de W. Shakespeare, a aquisição das diferentes modalidades por via das profecias das bruxas opera um efeito perverso: o saber que lhe é veiculado pelas videntes em breve se converterá, no seu susceptível espírito, num querer que o conduzirá inevitavelmente ao apogeu do poder político através do regicídio (o qual se poderia interpretar em termos de semiótica narrativa como sendo a performance). O encadeamento de vários papéis actanciais que, entretanto, o levam do topo da Roda da Fortuna à desdita é testemunhado pelo modo como Macbeth é retratado por aqueles que o rodeiam: o ‘worthy gentleman’, segundo as palavras do que viria a ser a sua vítima, torna-se no ‘hell-hound’ que Macduff expurgará da face da terra. Para Greimas, o termo performance afigura-se-lhe preferível às designações algo imprecisas adoptadas pelos seus antecessores, em particular V. Propp e E. Souriau, como eram os casos de «prova», «teste» ou «tarefa difícil». Isto não significa que ele rejeite o carácter polémico das transformações operadas pelo sujeito e que são inerentes à evolução da própria narrativa. Pelo contrário: antes reitera a noção de que a performance reflecte ao nível da superfície a relação de contradição estabelecida no plano do quadrado semiótico. Assim se opõe, na dramaturgia shakespeareana, a legitimidade de Duncan ao acto ursupador de Macbeth; a glória de Júlio César à tibieza de Cássio, Casca e Brutus; a nobreza de carácter de Edgar à vilania de Edmund, seu meio-irmão.

 

bibliografia

A. J. Greimas: Du Sens II – Essais Sémiotiques (1983); Eugénio Coseriu: Competencia Linguística. Elementos de la teoría del hablar (1992); Jean Spumpf: “Competência/performance”, Enciclopédia Einaudi, vol.2: Linguagem (Lisboa, 1984); Noam Chomsky: Aspects of the Theory of Syntax (1965); idem: The Generative Enterprise: A Discussion with Riny Huybregts and Henrk van Riemsdiik (1982); idem: Generative Grammar: Its Basis, Development and Prospects (1987); U. Eco: The Role of the Reader: Exploration in Semiotics of Texts (1981); Vítor Manuel de Aguiar e Silva: Competência Linguística e Competência Literária – Sobre a Possibilidade de uma Poética Gerativa (1977).