Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Processo de transmissão de um texto literário, escrito ou oral, de um autor para um leitor ou receptor. A comunicação literária escrita processa-se in absentia de um dos intercomunicantes; a comunicação literária oral faz-se geralmente in praesentia, como na comunicação linguística. Em termos metafóricos, diríamos que a comunicação linguística exige a presença de um espectador e a comunicação literária parte da sua ausência. Como observa Aguiar e Silva, na comunicação literária, “a ausência de uma das referidas instâncias reforça poderosamente a atenção que a outra instância consagra à mensagem, […] já que na codificação e na descodificação desta residem as garantias mais sólidas de superar os efeitos comunicacionais negativos resultantes da defectividade.” (Teoria da Literatura, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 1982, p.194).

A comunicação literária é mais complexa do que a comunicação linguística por envolver uma rede de relações ambíguas entre os seus interlocutores: o código do emissor-autor pode não ser reconhecido pelo leitor-receptor, mesmo que pertençam à mesma comunidade linguística; a descodificação da mensagem literária depende de factor subjectivos e ideológicos; o texto literário é marcado pela conotatividade e pela plurissignificação, o que pode impedir a comunicação; a mensagem literária é mais marcada por factores culturais e sociais do que uma mensagem não literária, além de que, por norma, utiliza o livro impresso como meio de transmissão, o que implica a dependência de terceiros (editores, livreiros, distribuidores) no processo de comunicação literária. Um dos elementos do processo geral da comunicação que mais pode interferir na concretização da comunicação literária é o código, que aqui envolve subcategorias como a retórica, a poética, a métrica, as escolas literárias, os géneros e os modos literários, etc., cujo conhecimento é fundamental para que a comunicação se concretize em leitura. A comunicação linguística não está tão dependente de subcategorias (dialectos, regionalismos, pronúncias típicas, por exemplo) como a comunicação literária: não é necessária uma aprendizagem escolar para se dominar um dialecto, mas é necessário um treino técnico para dominar a retórica de um texto. É, portanto, obrigatório o pré-conhecimento de um conjunto de regras pragmáticas que possibilitam a recepção e compreensão dos textos literários. A este conjunto de regras chamou Siegfried J. Schmidt nalidade (“Towards a Pragmatic Interpretation of ‘Fictionality’ ”, in T. A. van Dijk, 1976).

A transmissão interpessoal de ideias, sentimentos e atitudes que caracteriza a comunicação em geral segue, salvo as devidas excepções, um padrão: à frase “Prazer em conhecê-lo.” deve seguir-se uma resposta do tipo “Muito obrigado. O prazer é meu.” Na comunicação literária, o emissor-autor procura fugir a este tipo de discurso padronizado, na tentativa de criar um texto original. Numa situação idêntica, o autor literário procura outras modulações mais criativas, como neste caso: “ «O senhor conhece-me? – perguntou ele.» «Conheço muito bem – respondi eu. – É o sr. Belchior Pereira.» «Para o servir e amar, se nisto lhe dou prazer.» (Camilo Castelo Branco, Vinte Horas de Liteira, 1864). Outra diferença reside no controlo que o emissor-autor tem sobre os elementos não desejados no processo de comunicação, que podem interferir e alterar o sinal: são os denominados ruídos: na comunicação literária, o emissor-autor controla e pode servir-se literariamente desses ruídos inscrevendo-os no discurso, criando factores de suspense na narrativa, por exemplo, ou produzindo marcas originais no seu discurso (veja-se o caso da poesia futurista ou experimentalista que integra onomatopeias e sinais gráficos não convencionais nos seus textos). O ruído pode ser, assim, um elemento que marca a originalidade e a expressividade do texto literário e não apenas um obstáculo físico ou fenomenal à comunicação.

bibliografia

AA.VV.: Evolution of Literary Communication Instead of Social History of Literature, Proc. of the Fourth Biannual Conf. of the Internat. Soc. for the Empirical Study of Lit.erature (Budapeste, 1994); Donald E. Phillips (org.): Human Communication Behavior and Information Processing: An Interdisciplinary Sourcebook (1992); Eduardo Portela: Teoria da Comunicação Literária (1970); Elrud Ibsch: “Observer and Participant in Literary Communication”, Poetics Today, 9, 3 (1988); Ernest W. B. Hess Luttich: “How Does the Writer of a Dramatic Text Interact with His Audience? On the Pragmatics of Literary Communication”, Literary Pragmatics (1991); Gerald Prince: “On Readers and Listeners in Narrative”, Neophilologus, 55 (1971); J. A. Mayoral (ed.): Pragmática de la comunicación literaria (1987); José A. Mayoral (ed.): Pragmática de la comunicación literaria (1987); Jose Benito Alvarez Buylla: “El umbral del signo linguistico: Un ensayo literario sobre comunicacion y literature”, Arbor: Ciencia, pensamiento y cultura, 108, 423 (1981); Julie Solomon: “Fictional Questions: Illocutionary Force in Literary Communication”, AUMLA: Journal of the Australasian Universities Language and Literature Association: A Journal of Literary, 74 (1990); Kazimierz Bartoszynski: “Research in So-Called Literary Communication”, Issues in Slavic Literary and Cultural Theory (Bochum, 1989); Linda A. M. Perry, Lynn H. Turner e Helen Sterk (eds.): Constructing and Reconstructing Gender: The Links among Communication, Language, and Gender (1992); Maria Corti: Principi dela communicazione letteraria (1976); Marilyn Randall: “The Context of Literary Communication: Convention and Presupposition”, Journal of Literary Semantics, 17, 1 (1988); Siegfried J. Schmidt: “On the Foundation and the Research Strategies of a Science of Literary Communication”, Poetics: International Review for the Theory of Literature, 7 (1973); idem: “Reception and Interpretation of Written Texts as Problems of a Rational Theory of Literary Communication”, in AA.VV.: Style and Text: Studies Presented to Nils Erik Enkvist (Estocolmo, 1975); idem: “Zu einer Theorie asthetischer Kommunikationshandlungen”, Poetica: Zeitschrift fur Sprach und Literaturwissenschaft, 10 (1978); T. A. van Dijk (ed.): Pragmatics of Language and Literature (1976); Tae ok Kim: “Linguistic Theories and the Study of Literature: A Cognitive Approach to Literary Communication”, The Journal of English Language and Literature, 36, 1 (1990); Thomas B. Farrell: “Beyond Science: Humanities Contributions to Communication Theory”, in Handbook of Communication Science (1987); Volker Roloff: “Der Begriff der Lekture in kommunikationstheoretischer und literaturwissenschaftlicher Sicht”, Romanistisches Jahrbuch, 29 (1978); William B. Gudykunst (ed.): Intercultural Communication Theory: Current Perspectives (1983).