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A conotação remete para as ideias e as associações que se acrescentam ao sentido original de uma palavra ou expressão, para as completar ou precisar a sua correcta aplicação num dado contexto. Por outras palavras, tudo aquilo que podemos atribuir a uma palavra para além do seu sentido imediato e dentro de uma certa lógica discursiva entra no domínio da conotação. Uma mesma expressão pode aplicar-se a coisas iguais e produzir diferentes associações, ou seja, diferentes conotações: “constante” pode aplicar-se a diferentes pessoais ou estados, diremos então que o seu primeiro sentido é o de “contínuo”, “continuado”, mas conforme a aplicação do conceito variar em função da natureza da coisa a que se aplica e do contexto em que se aplica, assim podemos dizer que essa coisa “constante” significa “tenaz”, “uníssono”, “leal”, “inabalável”, “estóico”, “durável”, “assíduo”, “certo”, “fixo”, etc. Estes sentidos para além da primeira associação sinonímica constituem conotações. O uso corrente destas associações tende a generalizar-se de tal forma que muitas vezes falamos em conotação para qualquer variação ou diferenciação de sentido em relação ao sentido que esperávamos para um dado termo ou expressão. Se dizermos de um dado ser vivo que se trata de (1) um “solípede” e de (2) um quadrúpede doméstico”, estes serão sentidos denotativos de, por exemplo, “cavalo”, mas (1) e (2) conotam diferentes propriedades.

A denotação é aquilo a que uma palavra ou expressão se aplica no seu stricto sensu, e, normalmente, opõe-se à conotação. Não se confunde com o conceito de sentido, porque várias expressões denotativas podem-se aplicar às mesmas coisas e variar o seu significado: “solípede” e “quadrúpede doméstico” podem-se aplicar ao termo “cavalo”, mas significam em si coisas diferentes. Se um termo não se aplicar a coisa nenhuma, podemos dizer que não denota nada, ou, em linguagem matemática, podemos dizer que denota um conjunto vazio, por exemplo “raiz quadrada de p (pi)”. A denotação é muitas vezes tomada como o sentido literal de uma palavra, por causa da universalidade desse sentido e pelo reconhecimento imediato que dele fazemos. Não é totalmente correcto que a denotação seja a simples reprodução de uma realidade linguística, uma espécie de “signo natural” que nasce à margem de um qualquer código, por oposição à conotação que depende sempre da inscrição do texto conotado num dado código de significação. A definição corrente de denotação como “a palavra em estado de dicionário” sugere que esse seja o “estado natural” de uma palavra, o que não é totalmente seguro. Distinções entre denotação e conotação apoiadas em adjectivação comum, do tipo: “denotação=significado restrito; conotação=significado amplo”; denotação=”linguagem comum”; conotação=”linguagem rica e expressiva”, não contêm critérios claros de definição. Em ambos os casos, ignora-se o uso particular de um termo, o uso particular num contexto particular que o dicionário não prevê, o uso particular que pode também ser rico e amplo. A concretização cultural de um signo parece-nos tão importante como os registos que o dicionário ou qualquer léxico fixado cientificamente podem prescrever. A capacidade que possuímos para analisar a linguagem do quotidiano, relacionando coisas aproximadas pelo sentido, é tão forte e “rica” como a capacidade de definir cientificamente um termo. Por isso, a denotação pode ultrapassar esse limiar de expressão linguística que Roman Jakobson definiu como a função referencial da linguagem (a que se liga a denotação) — se ultrapassar completamente esse limiar, então podemos ter a certeza de que o sentido obtido está conotado em relação ao sentido que se esperava como primeira apreensão. Não duvidamos que o termo “sal” denota uma substância cristalina e branca, composta de sódio e de cloro; surpreende este sentido se encontrarmos o mesmo termo em expressões como “o sal da língua” ou “livro insulso”. Este segundo uso, que Jakobson atribui à função poética da linguagem não está naturalmente a ela subjugado.

Segundo Barthes, “em literatura, que é uma ordem da conotação, não há questão pura : uma questão nunca é senão a sua própria resposta esparsa, dispersa em fragmentos entre os quais o sentido funde e foge simultaneamente.” (“Literatura e significação”, in Ensaios Críticos, Edições 70, Lisboa, 1977, p.359). Esta afirmação de Barthes, se verdadeira, pode contudo conduzir à falsa ideia de que a literatura é a porta aberta para todos os desvios da norma linguística, o que implicaria, no imediato, o acesso ao mundo fantástico da livre expressão que a criação conotativa subentende. Nem a conotação é invenção de sentidos, nem a literatura é a única porta aberta para a criação conotativa, uma vez que a linguagem corrente e as linguagens não literárias usam-na também (veja-se o exemplo do discurso publicitário que vive dos duplos sentidos, da polissemia e da conotação).

L. T. Hjelmslev (1953) introduziu o conceito de conotação na discussão linguística, para aludir à capacidade que qualquer signo linguístico tem de receber novos significados, que se averbam ao sentido original, tomando este como referência alojada nos dicionários, por exemplo. Roland Barthes (1964) introduziu, por sua vez, no âmbito da semilogia, a ideia de várias ordens de significação ou níveis de sentido: a primeira ordem de significação é a denotação (um signo é composto por um significante e por um significado); a segunda ordem de significação é a conotação (usa-se o primeiro signo — significante + significado — como significante ao qual se acrescentam outros significados). Esta teoria conclui, portanto, dois sistemas de signos interrelacionados. Contudo, tal formulação ignora a origem cultural, digamos, da conotação, que não deriva obrigatoriamente do próprio signo, mas dos usos que uma comunidade linguística faz das palavras. O signo “porco” conota diferentes sentidos para as comunidades de várias civilizações, variando de “carne proibida” e “carne sagrada” a “insulto verbal grave”. Na introdução a S/Z (1970), Barthes dá-nos uma definição de conotação mais segura (menos limitada à acepção semiológica): “é uma determinação, uma relação, uma anáfora, um traço que tem o poder de se relacionar com menções anteriores, ulteriores ou exteriores a outros lugares do texto (ou de um outro texto)” (Edições 70, Lisboa, 1980, p.14).

Existe ainda uma aporia que pode ser aqui invocada: e se não existisse a denotação? E se a denotação fosse apenas uma primeira conotação? O primeiro a responder a esta questão foi talvez Quintiliano quando afirmou: “Se compararmos a linguagem antiga com a moderna, quase tudo o que dizemos se pode chamar figurado.” (Instituições Oratórias, Cultura, São Paulo, 1944, vol.2, p.153). A dicotomia denotação/conotação tem sido também explicada com o binómio sentido imediato ou literal/sentido figurado. O sentido figurado é apenas uma forma de conotação e não o seu universo possível de concretização. Por este lado, todas as formas de estilização da linguagem constituiriam, desde logo, per se, sentidos figurados ou conotações. Um tropo seria o resultado obrigatório de um processo conotativo, porque aponta para significados que transcendem a significação própria de uma palavra. Ora, na linguagem não existem apenas tropos ou sentidos figurados ou conotações — porque estes processos são criações linguísticas, deverá existir uma raiz semântica ou um proto-significado que permite o processo desencadear-se e desenvolver-se até ao limite do uso de uma língua. A essa raiz semântica ou proto-significado podemos chamar denotoção; ao processo de desenvolvimento de um proto-significado, chamaremos conotação.

A distinção entre denotação e conotação faz-se por via analítica. Num discurso autêntico, seja de natureza literária ou não, seja de cariz técnico ou de cariz científico, raramente ocorrem proto-significações. O que é mais recorrente num discurso autêntico é a combinação de uma instância que parte de um proto-significado para a multiplicação e combinação de significados. Denotação e conotação são, na maior parte das situações comuns de comunicação verbal, simultâneas e dialogantes. Posto num discurso autêntico (excluindo, portanto, a retenção num dicionário), um sentido denotativo dificilmente se impõe por si próprio. A concretização ideológica de uma palavra faz-se pela cumprimento das associações que essa palavra permite realizar, ou seja, faz-se pelo exercício da conotação. A significação só progride a este nível. Um sentido denotativo tende a fixar-se no tempo. A revisão de um dicionário de língua faz-se mais em termos de actualização de novas palavras e de novos sentidos para palavras já registadas, do que a nível dos proto-significados. Na situação ideal, a combinação das duas ordens de significação pode produzir uma maior produtividade ideológica.

Bibliografia:

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